segunda-feira, 19 de março de 2018

“A Coluna Prestes no Piauí” – Chico Castro


“A Coluna Prestes no Piauí” – Chico Castro



Resenha Livro - “A Coluna Prestes no Piauí” – Chico Castro – Edições do Senado Federal V. 90

“O medo era aterrador. Afinal, nas trincheiras estavam parentes próximos e distantes que, mesmo sem ter em mente o significado do movimento tenentista, saíram em defesa da cidade armada, em face da indomada sanha dos invasores. O que era a Coluna Prestes para eles? Um bando de homens, de porte varonil, bem armados, vindos do sul do país, com o fino intuito de invadir a capital, tomar casas e bens, saquear o comércio, matar aqueles que se intrometessem em seu caminho, levar consigo homens e mulheres para as suas fileiras e praticar todo tipo de atrocidades, comuns aos bandidos mais perigosos. Era exatamente o que a propaganda governista passou, levando pavor e desespero para a pacata família teresinense. Só muito tempo depois minha mãe veio saber a verdade, e eu também”. Chico Castro

É comum ouvir-se a tese de que o povo brasileiro é pacífico, avesso às formas mais violentas de luta política, renunciando à mobilização em face das graves e diversas injustiças sociais do país. Um rápido olhar panorâmico pela nossa história revela como tal senso comum[1] é falso.

Desde o Quilombo dos Palmares até as demais formas de resistência dos cativos como fugas, sabotagem nos trabalhos até assassinatos dos Barões de Açúcar e Café; a Conjuração Mineira suscitando de forma pioneira o republicanismo; a Confederação do Equador movimento separatista e republicano; a Revolução Pernambucana de 1817, a Sabinada, a Balaiada, a Farroupilha, a Revolta dos Malês[2] na Bahia tratando-se de movimento político de escravos de origem muçulmana que poderia ter evoluído no mesmo sentido do movimento emancipacionista do Haiti. Mais recentemente, a greve geral de 1917, a Revolta do Forte de Copacabana (1922) chegando às jornadas de luta armada contra a ditadura militar com Lamarca e Carlos Marighella.

Neste amplo contexto de lutas sociais, a Coluna Prestes se revela como o movimento guerrilheiro mais grandiloquente da história do Brasil. Dirigido por Luís Carlos Prestes, Siqueira Campos e Juarez Távora, a marcha guerrilheira percorreu mais de 24.000 KM do território brasileiro num itinerário mais vasto que a grande marcha da China de Mao Tsé Tung.

Este notável trabalho de Chico Castro aborda a passagem da Coluna pelo estado do Piauí. Pelo menos três fatos de grande relevo ocorreram durante a marcha guerrilheira naquele Estado onde tomaram posse de todo o interior e promoveram um duro cerco à cidade de Teresina. Primeiro, a suposta participação do Cangaceiro Lampião no encalço dos guerrilheiros[3]  .  Segundo, foi no Piauí que membros do Partido Comunista Brasileiro entraram em contato com o Cavaleiro da Esperança (Prestes) pela 1ª vez. Finalmente, no Piauí houve a prisão de Juarez Távora.

Entender o que foi a Coluna Prestes exige contextualização da história. Após a proclamação da República em 1889 que se deu sem participação popular através de um golpe de estado militar, inicia-se o período da República Velha que não implicou em grandes transformações num sentido progressista. Houve um ambiente político fechado, com as famosas eleições à pena de bico, fraudulentas, que resultava em vitória de candidato pré estabelecido.

Pela lei Saraiva (1881) o voto deveria ser secreto mas não o era na prática e especialmente nos rincões do país a maquina eleitoral era controlada pelos coronéis. Tempo da política do café com leite em que políticos paulistas e mineiros (estados mais importantes economicamente) faziam com que a classe dos latifundiários estivessem sempre no poder.

Em 1925, 85-90% da população brasileira é analfabeta. A constituição de 1891 em seu artigo 70 afastava o direito ao voto dos menores de 21 anos, das mulheres, dos mendigos, dos religiosos ligados a alguma ordem monástica, dos soldados e dos analfabetos.

Enfim, no fundamental as elites atuavam politicamente em benefício próprio reivindicando exclusivamente para si a posse do aparelho estatal.

“A ideia de democracia na República Velha era a de uma estrutura montada de cima para baixo. Lá no topo da pirâmide estava a elite cafeeira de São Paulo, setores letrados da faixa urbana e os políticos que eram, na verdade, representantes ou descendentes das oligarquias rurais que se mantiveram no poder, mesmo com a mudança do regime monárquico para o republicano.”

Os tenentes tinham um programa que expressa o descontentamento dos baixos extratos das forças armadas, reivindicando a moralização dos negócios públicos, o voto secreto e o fim da manipulação eleitoral, além da reforma na educação pública. Quando o movimento evolui para a guerrilha, sua intenção é a derrubada da ditadura civil de Arthur Bernardes. Vencedor do pleito de 1922, considerada as eleições mais corruptas da história. Os tenentes haviam apoiado a candidatura liberal de Nilo Peçanha.

O mais provável é que o leitor, em suas aulas de história, tenha saído com a impressão de que a coluna foi um movimento que esteve sempre em fuga do encalço das forças oficiais até a conclusão da guerrilha na Bolívia. Porém, a história da Coluna Prestes no Piauí da outra imagem dos acontecimentos. Os guerrilheiros na maior parte do tempo estiveram na ofensiva, acossando as forças oficiais. Alguns militares passaram para o lado da Coluna. E havia uma certa resistência ao enfrentamento considerando serem os rebeldes e as tropas da coluna igualmente militares da mesma pátria.

Outro fator a ser anotado é a superioridade moral da coluna em face dos batalhões bernardistas.

Por um lado as forças do governo saqueavam as cidades chegando a matar os mais rústicos e simples moradores acusados de ajudarem os guerrilheiros. Aqui os saques, o arbítrio e a violência eram indiscriminados. Foi formado mesmo um batalhão de patriotas do governo formado por mercenários e bandidos que, com vencimentos da receita pública, tiravam proveito da situação para o cometimento de atrocidades. Por outro lado havia uma guerra de informações em que os bernardistas acusavam a coluna de todo tipo de crime.

De fato, criou-se inicialmente forte boato acerca do caráter criminoso da coluna.
Mas na prática, quando os guerrilheiros chegavam aos povoados, saqueavam impiedosamente os grandes proprietários e lojistas, distribuindo alimentos e bens para o povo pobre. De modo que, se o povo não compreendia o significado a Coluna Prestes, passou apreciar sua identificação com os pobres e humildes.

O balanço final do movimento guerrilheiro não pode ser considerado como vitorioso nem como derrotado. Se por um lado a guerrilha não engendra uma revolução no Brasil, por outro lado resistiu ao cerco das forças armadas até o exílio. O movimento expõe as contradições e acirra a crise da República Velha que tem como desdobramento a Revolução de 1930 (Era Vargas).     




[1] O senso comum frequentemente expressa ideias vinculadas à ideologia dominante. A ideologia do ponto de vista do marxismo é o conjunto de ideias que beneficiam a classe dominante mas que se expressam como se dissessem respeito ao conjunto das classes sociais.
[2] O termo "malê" tem origem na palavra imalê, que significa "muçulmano" no idioma ioruba
[3] É bastante controvertida a participação de Lampião no conflito da coluna. Em depoimento pessoal do cangaceiro e como alguns historiadores crêem, Lampião por intermédio do Padre Cícero recebeu o convite das forças oficiais de mobilizar o seu grupo bandoleiro no encalço da coluna. Teria recebido até patente do exército, provavelmente falsa. Outra versão baseada em jornais e pronunciamentos parlamentares da época diz-se que Lampião deu apoio e cobertura aos colunistas, principalmente dando orientação do território dos rincões do norte e nordeste tão conhecidos pelos cangaceiros.

“O Eurocomunismo é o Anticomunismo” – Enver Hoxha


“O Eurocomunismo é o Anticomunismo” – Enver Hoxha



Resenha Livro - “O Eurocomunismo é o Anticomunismo” – Enver Hoxha – Editora Anita Garibaldi

O nome de Enver Hoxha é ainda bastante desconhecido dentre o público e a militância revolucionária brasileira, particularmente dentre os mais jovens.

Hoxha ganhou projeção política a partir das lutas de libertação nacional da Albânia ocupada pelo nazi fascismo no âmbito da II Guerra Mundial. Após o conflito, foi dirigente do Partido Comunista Albanês, denominado “Partido do Trabalho da Albânia”. Nesta condição foi o primeiro dirigente daquele país a visitar a URSS sob a liderança de Stálin. Compareceria a reuniões e atividades políticas na URSS em três ocasiões diferentes e seus encontros pessoais com Joseph Stálin foram retratados em um notável livro, misto de reminiscência de viagens além de uma defesa enfática da primeira nação socialista da história.

Pode-se dizer que a experiência socialista na Albânia foi bastante diferenciada, suis generis. Enquanto em países como França e Itália as lutas pelas liberdades subjugadas pelo nazi fascismo se dissociaram de um horizonte socialista – fenômeno associado à capitulação dos respectivos partidos comunistas ao revisionismo e reformismo, o Partido do Trabalho Albanês revelou-se como um verdadeiro instrumento político vinculado à ortodoxia marxista (marxismo-leninismo).

É possível dizer que o revisionismo é um gênero dentro do qual o Eurocomunismo é uma espécie particular. Pode-se falar de um revisionismo mais antigo, já combatido por Lênin em face de Bernstein e do velho Kautsky. E há um revisionismo mais contemporâneo, que envolverá o Partido Comunista dos EUA (Browder), o revisionismo de Tito na Iugoslávia, o revisionismo chinês de Mao Tse Tung[1], o Eurocomunismo e o revisionismo dentro da própria URSS a partir da era Kruschov e do XX Congresso do Partido Comunista Russo que com a massiva onda de calúnia sobre Joseph Stálin e seu legado. (1956).

Importa ressaltar que cada espécie de revisionismo tem alguns traços em comum e algumas características particulares.   

Tito rompe com o modelo de partido de vanguarda leninista e intenta transformar a organização em uma espécie da associação de educação e propaganda. Em termos práticos, a política de não alinhamento da Iugoslávia significa a renúncia ao combate direto e unificado contra o imperialismo.

O Eurocomunismo talvez levará às maiores distorções do marxismo leninismo. O partido italiano dirigido por Palmiro Togliatti manifesta adesão à constituição burguesa naquele país sob o pretexto de defesa da democracia. O grau de submissão do partido italiano era tal que a organização não se opôs à entrada daquele país, sob a batuta do partido democrata cristão, junto Otan, organização político militar criada pelos EUA do Pós Guerra para combater o socialismo e a revolução:

“O Eurocomunismo é uma variante do revisionismo contemporâneo, um conglomerado de pseudoteorias que se opõem ao marxismo leninismo. Seu objetivo é impedir que a teoria científica de Marx, Engels, Lênin e Stálin continue sendo uma poderosa e infalível arma nas mãos da classe operária e dos autênticos marxistas-leninistas para destruir o capitalismo e seus alicerces, sua estrutura e superestrutura, para instaurar a ditadura do proletariado e construir a nova sociedade socialista.

Os revisionistas italianos definiram o Eurocomunismo como uma “terceira via, que difere das experiências das social democracias e das que se tem desenvolvido depois da Revolução de Outubro na União Soviética e em outros países socialistas”.

Assim para os Eurocomunistas os conceitos de luta de classes e ditadura do proletariado não têm mais validade, são datados ou específicos para o contexto da Revolução Russa (1917). Há aqui uma nova política em que o socialismo seria o caminho para a democracia e não o inverso. Tanto os eurocomunistas como as demais correntes revisionistas são também produto de uma pressão da burguesia sobre a classe operária. Nesse sentido não seria à toa que uma enorme gama de revisionistas capitulacionistas têm origem no contexto de crise do capitalismo no pós II Guerra Mundial.

As concessões de governos burgueses – políticas sociais universais, aposentadoria, direitos sindicais e trabalhistas – no pós II Guerra na Europa Ocidental nada mais foram que políticas para conter um gigantesco proletariado europeu diante da grande força moral da URSS e do exército vermelho[2]. Reformas para que não se repetisses novas revoluções de outubro.

“O partido comunista marxista leninista não teme a guerra civil. A repressão e a feroz violência da burguesia conduzem a esta guerra. É sabido que a guerra civil não é travada entre a classe operária e os demais trabalhadores honestos, mas pelas massas trabalhadoras contra a burguesia capitalista dominante e seus órgãos de repressão. A luta revolucionária do proletariado deve conduzir à conquista do poder por meio da violência. Este rumo da luta é precisamente o que tanto temem os capitalistas, os burgueses e os revisionistas”.

O combate ao imperialismo, a constituição de um partido não só propagandista mas que se forja na ação, e especialmente a defesa do caminho correto ao socialismo que envolve não a exclusividade das reformas, mas o horizonte revolucionário – estes continuam sendo os caracteres fundamentais do marxismo leninismo defendido por Hoxha. Agregar trabalhadores, juventude e mulheres, atuar sob as bases dos sindicatos reformistas (e disputar a consciência dos trabalhadores desde a base) são as outras premissas do marxismo leninismo.

Interessante chamar a atenção para teses eurocomunistas como a do fim do proletariado como classe particular (Roger Garaudy – Partido Comunista Francês), a renúncia à violência revolucionária em troca de acordos com a burguesia, até a exótica tese de que houve certo desenvolvimento das forças produtivas nos países do capitalismo central engendrando mudanças que por si só seriam capazes de conduzir os rumos da história ao socialismo: reformas parlamentares sem lutas e mobilização permanente.

Obviamente é possível encontrar diferentes formas de revisionismo/ecletismo/reformismo na experiência da luta de classes no Brasil. Pode-se supor que o “no eurocomunismo” no Brasil se revela de forma mais intensa no fim dos anos 1980 com a aniquilação do Partido Comunista Brasileiro ou teses muito em voga no contexto já do neoliberalismo (1990) acerca do fim do protagonismo da classe trabalhadora como sujeito revolucionária, renúncia ao modelo de partido de vanguarda em detrimento dos “novos movimentos sociais e identitários[3]” com lutas pontuais contra opressão sobre a mulher e o negro de forma dissociada de uma estratégia anticapitalista, revolucionária e socialista.
Partidos reformistas e oportunistas como  PSOL e PCdoB na prática não se constituem como ferramentas para a Revolução Brasileira. Assim, a tarefa da construção de um partido revolucionário marxista leninista no Brasil ainda é uma tarefa pendente.



[1] Neste caso uma caracterização bastante questionável feita por Hoxha face à grandiloquência da Revolução Chinesa.
[2] O exército vermelho russo destruiu militarmente o nazismo. Cerca de 20 milhões de russos morreram na II Guerra Mundial.
[3] Teses em voga nas diferentes edições dos Fóruns Sociais Mundiais em Brasil.

domingo, 18 de março de 2018

“História Econômica do Brasil” – Caio Prado Jr.


“História Econômica do Brasil” – Caio Prado Jr.



Resenha Livro - “História Econômica do Brasil” – Caio Prado Jr. – Ed. Brasiliense 1970

Caio Prado Jr. nasceu em São Paulo em 1907. Pertenceu à tradicional/aristocrática família Silva Prado que desde terras paulistas chegou a conduzir a maior lavoura de café do país, além de colecionar importantes representantes do pensamento social brasileiro como Eduardo Prado e o historiador e propugnador da Semana de Arte Moderna de 1922, Paulo Prado.

Caio estudou no colégio São Luís e formou-se em 1928 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Consta que em 1956 obteve aprovação como professor, através de concurso, naquela faculdade, com pesquisa acerca das diretrizes para uma política econômica brasileira[1].
Todavia, diante da pregressa orientação política e teórico metodológica marxista bem como sua militância no Partido Comunista Brasileiro, Caio não foi aceito como discente de uma tradicional escola de Direito[2] o que parece ser compreensível. Estamos no ano de 1956 pouco após a interdição do PCB pelo governo Dutra e em plena vigência dos lances mais duros da Guerra Fria.

Esta “História Econômica” envolve a análise dos processos econômicos do descobrimento até o período do milagre econômico já na ditadura militar, bem como a reconstituição dos eventos históricos que estão por de trás desses processos. 

Trata-se de uma história bastante distinta de certa historiografia mais tradicional que remete a Francisco Adolfo de Varnhagen ou mesmo Capistrano de Abreu – enquanto tal orientação positivista produza uma história dos grandes eventos, com ênfase e protagonismo dos chefes de estado, da história estritamente político administrativa com um largo peso da ação dos indivíduos na evolução dos acontecimentos, o método de Caio Prado Jr. é o do materialismo histórico que irá mais a fundo nas explicações causais do progresso histórico brasileiro, dando ênfase às bases estruturantes da economia, das disposições geográficas e demográficas, dos regimes de trabalho, seja servil seja o livre, incluindo os salários mediante retenção por dívidas envolvendo os imigrantes.

Observa-se como há uma espécie de sentido ou reiteração histórica dos acontecimentos que na obra anterior, “Formação Histórica do Brasil Contemporâneo” (1942) já é enunciada. Tal orientação denomina-se os sentidos da colonização:

“No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro o sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos”.

Trata-se de uma história impessoal cujos protagonistas não são dados indivíduos à frente dos órgãos de poder, mas da base social e econômica desta mesma evolução que envolverá os interesses de classe, desde os barões dos engenhos de açúcar até a massa de trabalho escravo predominantemente negra mas também indígena, esta última especialmente no início da colonização e no extrativismo vegetal da região norte. E o que se constata é de fato uma reiteração da história em que a atividade agrícola de monocultura e voltada para exportação, portanto economia dependente das contingências e vicissitudes do comércio internacional, esta reiteração cria ciclos de expansão e posterior declínio acentuado, a partir do Pau Brasil (região litorânea com participação decisiva dos índios remunerados com bugigangas); do açúcar (maior parte da história produzido majoritariamente em Pernambuco e Bahia e mais recentemente em São Paulo); do algodão ( vinculado à expansão da indústria têxtil inglesa e decaindo em razão da concorrência norte americana); da borracha e do cacau (maior produção no recôncavo baiano).

Um paralelo interessante que revela diferentes caminhos percorridos pela experiência histórica norte americana e brasileira é suscitada a partir da noção de colônia de exportação (porção meridional da América) e colônia de povoamento (porção setentrional do continente).

A ocupação da América do Norte está relacionada com conflitos religiosos no continente europeu, envolvendo huguenotes franceses Quaker ingleses (protestantes) e outros. O clima temperado em face do calor torrencial dos trópicos faria com que colonos também se dirigissem aos povoamentos do norte.

Preleciona Caio Prado Jr. : “Procuram então uma terra ao abrigo das transformações da Europa, de que são vítimas, para refazerem nela sua  existência comprometida. O que resultará deste povoamento, realizado com tal espírito e num meio físico muito aproximado da Europa será naturalmente uma sociedade que embora com caracteres próprios, terá semelhança pronunciada com o continente de onde se origina. Será pouco mais que um simples prolongamento dele”.

Realidade inteiramente distinta ocorrerá com a colonização portuguesa. Calcula-se que ao tempo do descobrimento brasileiro Portugal contava com 1.5 milhões de habitantes em face de um vasto Império Ultramarino envolvendo a Costa Leste da África, as Índias e o vasto território brasileiro. Portugal não possuía reserva populacional sequer para plena ocupação de seu próprio território fazendo com que a colonização no Brasil se moldasse em outros termos. O colonizador é movido pelas possibilidades de expansão agrícola em larga escala, suprindo o mercado europeu de açúcar e demais produtos tropicais, sob o regime  da monocultura e sob a base do trabalho escravo. Uma economia que por cerca de 400 anos está voltada para fora enquanto as colônias de povoamento, com pequenas unidades produtivas e o trabalho livre criam as condições para a formação de um mercado interno e uma economia verdadeiramente nacional.

Este modelo agroexportador do Brasil, rigidamente vinculado às demandas externas perpetuam-se na nossa história econômica até a etapa imperialista do capitalismo (fins séc. XIX),  a partir do financiamento e endividamento externo e parco controle estatal sobre moedas e inversões de capitais.
Este livro foi escrito em 1970 quando a população brasileira era de 95 milhões de habitantes com uma parcela ainda importante residindo no campo. O forte êxodo rural e o incremento da tecnologia da agricultura desde o agronegócio reitera de certa forma aquela repetição da história ou mesmo herança colonial agroexportadora. Inclusive no mundo do trabalho em que o agronegócio e as modernas tecnologias aplicadas à terra convivem com a super exploração do trabalho; é o que se constata ora nos canaviais de Ribeirão Preto até frentes pioneiras de trabalho ao norte onde são recorrentes denúncias de escravidão.

O desafio caiopradiano da conformação de uma economia nacional em face do imperialismo que conspira para manter o arcaico modelo exportador brasileiro – tal desafio continua depois de 40 anos inconcluso.     


[1] Tema reiterado em suas obras, em especial “A Revolução Brasileira” (1966)
[2]  Mais antiga do país ao lado da Escola de Direito de Recife (1827)