quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

“Coleção Brasil Colonial Volume I (1443 – 1580)” – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa (Org.)


“Coleção Brasil Colonial Volume I (1443 – 1580)” – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa (Org.)

Resenha Livro - “Coleção Brasil Colonial Volume I (1443 – 1580)” – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa (Org.) – Ed. Civilização Brasileira – Rio de Janeiro – 2014



RESISTÊNCIA DOS TUPINAMBÁS
“O avanço da colonização não se faz, porém, sem conflitos e resistências por parte dos indígenas. A primeira mobilização ocorreu em 1554 e durou quase dois anos, sendo útil acompanhar as suas fases para ter um panorama dos motivos alegados para as “guerras justas”, de seus métodos de ação e de seus resultados. Chegaram aos ouvidos do governador, Duarte da Costa, em maio desse ano, notícias de que os tupinambás estariam atacando engenhos e fazendas na Margem direita do rio Paraguaçu, pretendendo reaver terras que lhes haviam sido usurpadas. Após discutir o assunto no Conselho, ordenou a ida de uma expedição punitiva, composta por 70 homens e seis cavaleiros, comandados por seu filho, Álvaro. Encontraram no caminho algumas armadilhas, mas nenhuma resistência ativa, capturaram o morubixaba e incendiaram duas aldeias vizinhas, que lhe teria dado apoio. Pouco tempo depois, surgiram notícias de que seis aldeias tupinambás teriam se reunido e feito um cerco a um engenho de um dos mais destacados colonos. A expedição punitiva partiu dessa vez com cerca de 200 homens, também sob comando de Álvaro da Costa, travando uma batalha com cerca de mil tupinambás, que foram vencidos e tiveram suas aldeias queimadas”. OLIVEIRA, João Pacheco.
               
A noção de “Brasil Colonial” é uma construção da História associada a alguns momentos chave do processo histórico Brasileiro: costuma-se tradicionalmente abarcar as datas de 1500, da conquista ou achamento das terras de Santa Cruz (posteriormente denominada Brasil) até o 7 de Setembro de 1822 com a emancipação política brasileira em face de Portugal, precedida da vinda da Família Real portuguesa em 1808 e da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves em 1815. Esta “Coleção Brasil Colonial” consiste num ambicioso projeto de abordar todo período colonial a partir de uma divisão em três volumes, consoante as mais recentes novidades e debates historiográficos – uma história escrita por professores universitários, historiadores e cientistas sociais, de universidades Brasileiras e Europeias. Profissionais especializados que se debruçam em temas específicos propiciando a cada capítulo o aprofundamento que distingue a  pesquisa acadêmica e desde a leitura do conjunto da obra oferece uma visão geral e consistente do passado colonial brasileiro.
                
Este primeiro volume propõe desde já uma nova periodização, de 1443 à 1580 (Quando se dá a União Ibérica). A proposta de se aferir os contornos do passado colonial para os remotos meados do século XV dizem respeitos a artigos como “A Europa da Expansão Medieval – Séculos XIII a XV”. Aqui como em diversos momentos as pesquisas e debates historiográficos recentes abalam algumas convicções arraigadas. Uma delas é a de que a expansão Ultramarina portuguesa está atrelada à visão social de mundo do Renascimento, como se a busca por novas rotas comerciais estivesse exclusivamente associada às atividades mercantis. Havia isso sim um espírito de cruzada envolvido na expansão ultramarina, havendo interfaces importantes entre a expansão, a conquista, a noção de guerra justa (que foi utilizada em face dos mouros e igualmente em face do gentio). A tomada de Celta em 1415 foi segundo alguns historiadores o primeiro passo para a expansão colonial. A navegação oceânica no Atlântico norte conduz os navios portugueses à ilha da madeira em 1419, treze anos antes da execução de Joana D’arc.
                
Ademais, é através da leitura dos capítulos de historiadores dedicados às pesquisas mais específicas sobre cada problema deste primeiro momento do Brasil colônia que parece cair por terra certa vulgarização economicista de nosso passado. Vulgarização segundo o qual “a história da  América Portuguesa dos dois primeiros séculos foi um simples canavial habitado por prepostos do capital mercantil e semoventes (escravos) conectados com o mundo por rotas marítimas”.

Não queremos aqui colocar uma pá de cal no importante (e àquela altura inovador) conceito de “Sentido da Colonização” do “Formação do Brasil Contemporâneo” de Caio Prado Jr. que muito serviu para se observar o nosso passado desde um pressuposto teórico metodológico materialista com ênfase nas relações de produção, destacando a função do trabalho escravo, do latifúndio, do exclusivismo comercial (da produção que atende os interesses da metrópole). O que se constata todavia é que no Brasil colônia há também um peso considerável da política e da religião: já desde a carta de Pero Vaz de Caminha se conclama ao rei pela conversão do Gentio. Como veremos, houve uma política para os índios que foi além da mera aculturação/extermínio, envolvendo alianças e articulações comerciais (escambo) e políticas sem as quais Portugal dificilmente teria mantido sua soberania territorial, havendo nesse sentido um papel fundamental do missionário e do aldeamento. A troca do Pau Brasil envolveu negociações em que o gentio barganhava a qualidade e a quantidade dos bens. E para além do econômico, a nova historiografia debruça-se sobre o político, identificando os arranjos institucionais das posses do ultramar: da capitania hereditária (1534), do Governo Geral (1549), das vilas, dos concelhos, etc. Tais arranjos políticos e jurídicos visavam a garantia do povoamento, a expulsão de estrangeiros e corsários, o controle jurisdicional com algumas regras, dentre as quais a proibição da venda de armas aos índios (norma frequentemente descumprida).

Questão Indígena

Ainda que o senso comum ainda reitere a ideia de “descobrimento” do Brasil, tal conceito não se sustenta mais em face dos atuais conhecimentos sobre a América pré-colombiana. Nos albores da historiografia brasileira, o grande historiador brasileiro Capistrano de Abreu discorreu em poucos parágrafos sobre o índio no primeiro capítulo de seu “Capítulos de História Colonial” (1907) sintomaticamente junto à descrição da paisagem do país: vegetação, relevo e clima. Desde aqui exsurge a ideia de “descobrimento”, remetendo à noção de uma terra pouco ou não habitada, a ser povoada pelo português, quando antes, no limite, havia um elemento bárbaro que se confundia com as árvores e pássaros.  

Após muitas pesquisas, hoje o número mais aceito dentre os historiadores estima 2,4 milhões de índios no Brasil em 1500. Um censo foi feito no final do século XV no Reino de Portugal  contabilizando 1,4 milhões. Isto significa que os “descobridores” provinham de uma nação que tinham quase a metade da população que habitavam a terra que seria denominada Brasil.

Mas dentre as pesquisas feitas sobre o assunto, pode-se aferir também uma outra armadilha – uma noção que também opera no senso comum segundo a qual o índio foi uma vítima passiva de aculturação (sem oferecer resistência, sem capacidade de reflexão acerca das relações ou mesmo imposições culturais e sem identificar os diversos casos de miscigenação cultural ou mesmo de aculturação às avessas, como veremos).

Deve-se aqui evitar uma dupla armadilha: polarização entre extermínio e proteção que supõe a hipossuficiência irremediável do gentio – enquanto o índio negociava e mesmo reivindicava até mercês junto à coroa. A nova historiografia aponta no sentido de que os índios foram na medida do possível protagonistas da história do Brasil Colonial – com isso, certamente não se deixa de atestar o seu extermínio, especialmente por doenças, como varíola. Já os Portugueses não são povoadores mas conquistadores.

A política indianista partia das inimizades que pré existiam entre os autóctones. Os colonizadores se serviam destas divisões ou mesmo a fomentavam de maneira a conquistar aliados. Havia assim os indígenas “amigos” que deviam ser levados às aldeias sob os auspícios dos inacianos. E os indígenas “inimigos” que eram escravizados. Nas guerras de conquista, sempre os colonos levam consigo indígenas, que manejam como arma o arco e flecha. Muitos se destacam em embates como Filipe Camarão na expulsão dos holandeses e Arariboia, líder indígena de tribo de São Lourenço que está na linha de frente na guerra de conquista do Rio de janeiro sob o jugo dos Franceses.

Diversas ordens religiosas estiveram no Brasil como Franciscanos, Beneditinos e Carmelitas. Mas de longe os missionários da Companhia de Jesus eram maioria. Tal ordem foi fundada em 1534 Inácio de Loyola e encarna o espírito da Contrarreforma, por exemplo, combatendo as heresias, e reverenciando santos (combatidos pelos protestantes como forma diabólica de adoração). A música e o teatro são as melhores formas de cativar o gentio e um dos missionários confecciona uma gramática do tupi ainda no séc. XVI. É reprovado pelos jesuítas beber o cauim (bebida alcoólica), a nudez, a poligamia e o canibalismo: os relatos constam que uma das características dos índios é a inconstância, de molde que ora parecem aderir aos preceitos cristão, oram voltam aos seus rituais tradicionais. Há nas aldeias fugas em massa e o uso do pelourinho para os renitentes – é interessante observar que é outro índio que aplica o castigo. Em outro contexto, na escravidão do negro, o preposto que aplica o castigo também tem a pele de cor preta.
Frise-se que os índios aliados ainda assim trabalhavam em obras de interesse da Coroa como fortificações e Igrejas. Nas aldeias dos missionários, além de trabalhar, passavam pelo processo da conquista espiritual.

Quanto à religião consta que no Brasil dos primeiros séculos, Santo Antônio fosse o mais popular da colônia. Santo protetor de Portugal, Patrono dos Iletrados, Guardião dos amantes, noivas e maridos desaparecidos e além de Santo Casamenteiro para quem se fazia promessas.

Mas importa-nos aqui relatar alguns casos de sincretismo, a guisa de conclusão. Eles ilustram como a nova historiografia vem propondo uma nova abordagem para a história dos albores do Brasil. Distinta da narrativa longínqua de Capistrano de Abreu em que o índio aparece como um elemento paisagístico – ou que desconsidera a miscigenação cultural encoberta pela discurso de “aculturação”. A “Aculturação às avessas” por exemplo dizia respeito a degredados que eram deixados nas costas (muitos em prantos) para se unir a tribos indígenas, aprender a língua e os costumes e contribuir com a colonização. Foi também o caso de náufragos: alguns foram devorados pelo gentio; outros foram incorporados, tiveram filhos e até fizeram fama.     

          

Felipe Camarão - Líder Indígena proveniente de aldeia missionária da capitania do Rio Grande (RN) que se destacou nas lutas pela expulsão dos Holandeses. Como ele houve Tibiraçá da Capitania de São Paulo de Piratininga, amigo de João Ramalho. Camarão não foi o único índio que obteve no período colonial condecoração régia.




Santidade de Jaguaribe (Séc. XVI) – Movimento religioso indígena de caráter rebelde – expressa a situação de revolta e recusa da catequese e da ordem colonial, incluindo o batismo, identificado como fonte das epidemias. (Os pajés de inúmeras tribos associavam o batismo dos missionários às epidemias de varíola, e estavam relativamente certos, já que a origem da mortandade era o contato das gentes, brancos, negros e índios). A Santidade de Jaguaribe atesta o máximo de sincretismo religioso no Brasil colonial havendo a fusão de elementos católicos (santos, práticas, ainda que distorcidas) e da tradição do gentio. Este movimento fomentou inúmeras fugas e teve como líder um indígena proveniente de um aldeamento chamado Antônio. Foi dizimado pelas autoridades em 1585.



Theodoro De Bry (1528 – 1598)

Cena de canibalismo provavelmente de índios tupinambás (tradicionais aliados dos franceses, sendo a França a nacionalidade do artista). A Antropofagia foi prática comum dentre as várias tribos do Brasil colonial e uma das atividades mais combatidas pelos missionários. Muitos mamelucos (filhos de brancos com índios) ou mesmo brancos, em geral degredados ou náufragos, que viveram junto às tribos, praticaram a antropofagia. A atividade era feita por meio de rituais festivos e os homens pintavam-se para o evento.




Caramuru (Diogo Álvares) Tupinizou-se e prestou auxílios à coroa em guerras, direcionando os colonizadores nos territórios e em traduções. Viveu 22 anos entre os índios. Papel semelhante presta João Ramalho da Capitania de São Vicente. Ambos receberam condecoração Régia.

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