sexta-feira, 21 de outubro de 2016

“A Ilusão Americana” – Eduardo Prado

“A Ilusão Americana” – Eduardo Prado



Resenha Livro - “A Ilusão Americana” – Eduardo Prado – Edições do Senado Federal – Volume 11

REVISÃO DA DOUTRINA DE MONROE

“Eis o que dizia o Sr. Evarts, entre as gargalhadas dos yankees e os sorrisos amarelos dos mexicanos: ‘A doutrina de Monroe é por certo uma boa cousa, mas, como todas as cousas boas antiquadas, precisa ser reformada. Essa doutrina resume-se nesta frase: A América para os americanos. Ora, eu proporia com prazer um aditamento: Para os americanos, sim senhor, mas, entendamo-nos, para os americanos do norte (aplausos). Comecemos pelo nosso caro vizinho, o México, de que já comemos um bocado em 1848. Tomemo-lo (hilaridade). A América Central virá depois, abrindo nosso apetite para quando chegar a vez da América do Sul. Olhando para o mapa vemos que aquele continente tem a forma de um presunto. Uncle Sam é bom garfo: há de devorar o presunto (aplausos e hilaridade prolongada)’ (...)”

“Ilusão Americana” é uma polêmica redigida em outubro de 1893, um texto contundente que tem como destinatários políticos, juristas, intelectuais e representantes do pensamento social brasileiro que alimentavam diferentes tipos de ilusões em face dos EUA.

Eduardo Prado irá demonstrar não haver motivos para o Brasil querer imitar os americanos, particularmente quanto ao seu sistema político e suas leis; revela não haver laços de afinidade mas antes uma relação de subalternidade dos yankees em face dos nacionais; ausência mesmo de benevolência entre EUA e Brasil e os demais país latino-americano; com a ridicularização de diplomatas e nacionais pela imprensa do país do norte; e até mesmo de uma influência negativa dos EUA na história do país, citando-se por exemplo o término tardio da escravidão no Brasil que Eduardo Prado põe na conta da Guerra Civil norte-americana, que, certamente, deveria ter suscitado hesitações dentre as classes dominantes e parlamentares brasileiros.

Esta polêmica de Eduardo Prado pode ser classificada como um panfleto, sem com isso dar ao opúsculo uma conotação menor, no sentido de ser uma obra datada, sem relevância para um leitor atual. É possível encontrar neste panfleto[1], dentre diversas críticas lúcidas e ancoradas em documentos em face dos EUA, teses bastante atuais ou até mesmo proféticas, como a mobilização de mercenários pelos exércitos de guerra, uma tendência que se verificou na última invasão do Iraque pelos EUA (2003) :

“A instituição dos mercenários pode deixar de ser privilégio dos governos que, sentindo-se fracos no interior, procuram no estrangeiro braços para defendê-los e coragem e ambição para sustentá-los. Em breve haverá mercados francos de armamentos e de invenções bélicas; alugar-se-ão, por meio de agência, capitães valentes, soldados decididos, que renovarão os feitos das tropas mercenárias de Cartago ou dos Suíços e lasquenetes da Renascença. Quanto custa um general? Por quanto um almirante? Alugar-se-ão Temístocles por mês, Nelsons por empreitada e Napoleões a tanto por dia, com comida.

Os governos que têm chamado mercenários, tarde ou cedo tiveram de se arrepender. A lealdade do mercenário é nula, e o país que lhes cabe defender é muita vez a sua primeira vítima. O estrangeiro chamado para, a qualquer título, tomar parte nas lutas nacionais, torna-se depois da luta, uma calamidade. O mesmo talvez acontecerá com o capitalismo: os braços que ele tiver armado contra o proletariado armado se voltarão um dia contra ele”.   

Estas e outras passagens revelam um autor bastante lúcido: o mais provável é que o fato de Eduardo Prado ser monarquista tenha contribuído naquele contexto para uma percepção crítica da situação brasileira – o livro foi escrito 4 anos após o golpe militar que instaurou a República no Brasil e tal fato por si já se desenvolvia aos olhos do monarquista E. P. como parte da “Ilusão Americana”.

Com a nossa Independência, de acordo com Prado, o Brasil teria trilhado uma rota original com a criação de uma monarquia aos moldes do I e II Reinado, com especificidades próprias. A república de 1889 significaria mais um funesto resultado de sistemas políticos transplantado de um país para outro, incluindo o velho fetiche da “Ilusão Americana”, dos Estados Unidos republicano. Ao longo do ensaio, são muitos os lances em que transparece as preferências políticas do autor pela monarquia, em alguns momentos até sustentando teses duvidosas como a de que as monarquias europeias (Rússia czarista, Alemanha do Kaiser e Inglaterra ou mesmo a Igreja católica) estariam mais capacitadas e engajadas para resolver a chamada questão social e os problemas dos trabalhadores. Ao que se sabe, o movimento proletária indistintamente não devotou confiança nem em estados republicanos como EUA e França – donde saíram importantes greves – nem na Rússia czarista quando em 1905 o czar promoveria o domingo sangrento fuzilando uma marcha pacífica e matando milhares.

Sobre o Autor

Eduardo da Silva Prado nasceu em 1860 em São Paulo. Adveio da tradicional e aristocrática família Silva Prado, ligada à atividade cafeeira daquele estado. Após diplomar-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, trabalha e conhece diversos países na Europa. Trava amizade com o escritor realista Eça de Queirós. Diz-se que o personagem sentimental Jacinto de “A Cidade e as Serras” foi baseado em Eduardo Prado – um milionário que se entedia pelo conforto da cidade e termina seus dias numa província pacata serrana em Portugal chamada Tormes.

O impacto de “Ilusão Brasileira” foi tamanho que no dia 04/12/1893, quando foi posto à venda, todos os exemplares foram vendidos. Na manhã seguinte, a tipografia em que o livro foi impresso foi cercada e todos os livros recolhidos. Houve casos de pessoas que lendo o livro em bondes acabaram intimadas à polícia. A justificativa era a de que as denúncias das ações diplomáticas e das manobras econômicas norte americanas criariam inimizade junto à nação poderosa do norte – o que de certa forma justifica a tese da “Ilusão Americana” quanto à nossa subserviência.

Em síntese, a “Ilusão Brasileira” exposta e com farta documentação e argumentos poderosos, ao ponto de necessária interdição estatal sobre o livro, diz respeito ao que Eduardo Prado chama de “Fraternidade Americana”.

Não existe tal fraternidade, quando se pensa na espoliação histórica perpetrada pela diplomacia e pelo poder econômico norte americano sobre os demais países da América. Citemos o Havaí, apenas como um exemplo aleatório da quimera da “Fraternidade Americana”:

“No Havaí a usurpação americana foi simples e rápida. A raça indígena, isto é, perto de um milhão de habitantes, raça que tem a brandura de índole própria de todos os polinésios, havia perto de um século que ia sendo educada por missionário de várias nações, e tinha chegado já a um grau de civilização que lhe permitiu construir um governo regular. Há no arquipélago uns quinhentos americanos e uns seis ou oito mil portugueses. Pois bem, os americanos, auxiliados por um vaso de guerra do seu país, expeliram do governo os indígenas, e, fazendo desembarcar tropa, tomaram conta de todo o país, excluindo inteiramente os havaianos de toda a administração de sua terra. Os governantes americanos, impostos pelas baionetas, decretaram a federação com os Estados Unidos tal queria talvez os insensatos brasileiros que em 1834 apresentaram um projeto análogo na Câmara dos Deputados.”

O aspecto problemático da tese da “Fraternidade Americana” ou da ausência dela é que Eduardo Prado estende as inimizades aos Estados Nacionais dos país latino-americanos, como se os povos de Brasil, Paraguai, Venezuela, Argentina, Peru, Bolívia, etc., estivessem também condenados a uma situação de ódio mútuo. Faltou ao monarquista o tino que teve presente em Bolívar (Venezuela) no cubano José Martí, em Carlos Fonseca (Nicarágua), Sandino, Fidel (Cuba) e outros que sinalizaram um sentido de um união e fraternidade dos povos latino-americanos, em especial nos momentos em que se colocam em mobilização – afinal há algo que dá identidade aos povos latino-americanos: o passado de opressão colonial e o presente de dominação imperialista.

Todavia, “A Ilusão Americana” ainda se revela em diversas passagens num panfleto curiosamente (e diríamos infelizmente) atual. Há muitos trechos de denúncia das ações de espoliação norte americana desde a Guerra do México (1848); sua intervenção diplomática maquiavélica no Canal do Panamá; a quimera da Doutrina Monroe (1823); ou mesmo relatos interessantes de repressão dentro dos EUA de mobilização operária dão a este opúsculo um interesse especial a historiadores das ideias, pesquisadores do direito internacional, além dos marxistas brasileiros, que devem sempre ter como premissa o estudo sistemático da questão nacional e como perspectiva o combate ao imperialismo.        





[1] Referimo-nos aqui ao estilo da narrativa. Segundo Paulo Louis Courier, o panfleto é “uma ideia muito clara saída de uma convicção muito forte, rigorosamente deduzida em termos curtos e límpidos com muitas provas, muitos documentos, muitos exemplos....”. 

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

“Capítulos de História Colonial” – Capistrano de Abreu

“Capítulos de História Colonial” – Capistrano de Abreu



Resenha Livro - “Capítulos de História Colonial” – Capistrano de Abreu – Coleção Biblioteca Básica Brasileira – Senado Federal

INVASÃO DE BANDEIRA PAULISTA À MISSÃO JESUÍTICA

“A entrada de Jesús María, no rio Pardo, já em águas da lagoa dos Patos, qual a descreve Montoya, dará ideia resumida dos processos empregados nestas expedições.

No dia de São Francisco Xavier (3 de Dezembro de [1]637), estando celebrando a festa com missa e sermão, cento e quarenta paulistas com cento e cinquenta tupis, todos muito bem armados com escopetas, vestidos de escupis, que são ao modo de dalmáticas estofadas de algodão, com que vestido o soldado de pés à cabeça peleja seguro das setas, a som de caixa, bandeira tendida e ordem militar, entrando pelo povoado, e sem aguardar razões, acometendo a Igreja, disparando seus mosquetes. 

Pelejaram seis horas, desde as oito da manhã até as duas da tarde.

Visto pelo inimigo o valor dos cercados e que os mortos seus eram muitos determinou queimar a igreja, aonde se acolhera a gente. Por três vezes tocaram-lhe fogo que foi apagado, mas à quarta começou a palha a arder e os refugiados viram-se obrigados a sair. Abriram um postigo [fortificação] e saindo por ele a modo de rebanho de ovelhas que sai do curral para o pasto, com espadas, manchetes e alfanjes lhes derribavam cabeças, truncavam braços, desjarretavam pernas, atravessavam corpos. Provavam os aços de seus alfanjes [espadas] em rachar meninos em duas partes, abrir-lhes as cabeças e despedaçar-lhes os membros.

Compensará tais horrores a consideração de que por favor dos paulistas pertencem agora ao Brasil as terras devastadas?”.

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A passagem supracitada desde já revela a marca maior da obra e do historiador: “Capítulos da História Colonial” (1907) de Capistrano de Abreu se situa nos albores da historiografia brasileira, mas, como veremos, é uma obra pioneira.

A passagem mencionada refere-se a um conflito que perpassa de 1558 a 1750 com a posterior dissolução das missões jesuíticas no Brasil no contexto das reformas pombalinas. Inicialmente, os bandeirantes paulistas partiam em busca do gentio devassando as matas e abrindo novas frentes de comunicação e posterior povoamento. Todavia, as ações dos bandeirantes, lembra Capistrano de Abreu, seriam facilitadas quando dirigidas às reduções jesuítas: lá os índios já estão agrupados, alguns já falam a língua nacional ou o espanhol e estão relativamente pacificados.

Mas aqui, gostaríamos de frisar alguns aspectos em que se distingue um historiador a frente de seu tempo – daí o seu pioneirismo. Ao seu tempo, Capistrano de Abreu pouco contava com muitas das ferramentas teórico- metodológicas que a História desenvolveu dentro de uma disciplina ou ciência específica e que dentro das universidades são lecionadas através de cursos de filosofia da História, teoria da História ou filosofia da História. Ao seu tempo, Capistrano de Abreu (1853-1927) cursou a Faculdade de Direito de Recife, não terminou a graduação, considerando sempre tratar-se de momento em que não havia cursos superiores de História.

Em 1878, Capistrano de Abreu presta concurso para a Biblioteca Nacional e é aprovado em primeiro lugar. Em 1883, presta concurso para professor de História do tradicional Colégio D. Pedro II do Rio de Janeiro donde é aprovado e nomeado no mesmo ano, antes de completar 30 anos. Exerce o magistério durante 16 anos.  

Capistrano de Abreu foi discípulo daquele que é considerado fundador da historiografia brasileira, Varnhagen, e de certa maneira, é tributário do procedimento historiográfico positivista. Todavia, uma leitura atenta de “Capítulos da História Colonial”[1], assenta propostas que vão além do positivismo historiográfico.

Antes de desenvolver esta tese, um parêntese: o que é o positivismo historiográfico?

Sabe-se que a História e a memória remontam desde os gregos e as narrativas de Homero. Todavia, a História enquanto uma disciplina ou ciência autônoma, pensada e estruturada de forma autônoma em face da filosofia, a cargo do ofício do historiador, é um fenômeno histórico de fins do séc. XIX. 

Remete-se aqui a Leopold Von Ranke, que justamente se insere dentro de um contexto histórico em que o mundo das ideias e o pensamento social tinham pretensões de aferir critérios de cientificidade e imparcialidade equivalentes aos conhecimentos da biologia ou mesmo da física/matemática. O Positivismo está associado a este contexto e estes pressupostos: “die geschichte wie es eigentlich gewesen hat” ou “a história como de fato ocorreu”, ou seja, o historiador seria apenas um porta voz imparcial de fatos que se extraem de fontes e documentos históricos. Tal ilusão de imparcialidade deixa de lado alguns pontos: ao retratar o passado, o historiador faz escolhas a todo momento, seja sobre quais fontes irá usar, seja sobre qual a margem de importância de cada fonte; o historiador está a todo momento sendo chamado a interpretar as fontes ou mesmo o passado e desde já toda a interpretação envolve diferentes momentos de subjetividade; as próprias palavras e a linguagem não são neutras e mesmo a escolha das palavras pode consciente ou inconscientemente revelar desde preconceitos até intencionalidades políticas[2].

“Capítulos da História Colonial” deve ser interpretada como uma obra de seu tempo, um livro de 1907, quando a historiografia Brasileira ainda era bastante incipiente. Mas observa-se como o autor possui um vasto domínio das fontes primárias, combinado com um senso crítico que leva-o a se afastar de um certo ufanismo que informa a historiografia positivista tradicional. Em muitas passagens, o autor foge dos lances tradicionais dados aos grandes eventos, e busca explicar o passado a partir do que falaria muito depois em “História do Cotidiano”.  É o que se depreende de algumas passagens sobre a cidade do Rio de Janeiro dos inícios do séc. XIX:

RIO DE JANEIRO – 1800

“Os homens jogavam, frequentemente cafés, iam às casas de pasto, palestravam sobre assuntos muito limitados, quase sempre vida alheia. Os acontecimentos mais comezinhos deformavam-se em intermináveis comentários maliciosos. Abundavam as alcunhas. Mesmo a morte se desrespeitava. Se morria alguém com fama de Santo, se aparecia algum cadáver incorrupto, estabelecia-se um reboliço na população e a procura de relíquias assumia as mais indiscretas formas. Se ao contrário corria que a alma se perdera, corriam logo boatos prodigiosos, assombram-se as casas e sentia-se a proximidade das trevas exteriores onde há choro e ranger de dentes. Ainda hoje se nota isto no interior”.

Todavia, mesmo para uma obra de 1907, há alguns desacertos que merecem ser ponderados. Ainda que estivesse ausente os pressupostos teórico metodológicos que em Caio Prado Júnior possibilitaram interpretar de forma mais objetiva nosso passado colonial e concretizar um “sentido da colonização”[3], faltou uma maior atenção à Capistrano de Abreu ao instituto da escravidão e do Negro que na sua narrativa é tratado majoritariamente como problemas meramente étnicos. Sabe-se que o que sustenta a opulência dos senhores de engenho, o trabalho nas minas auríferas e todas as demais atividades produtivas é predominantemente – no período analisado – o trabalho escravo, em menor parte indígena e em maior parte, negro. Capistrano subestima mesmo os Quilombos e as diversas formas de resistência, das fugas, da sabotagem ou mesmo do levante e destruição de Engenhos. Um primeiro Estudo específico sobre o Quilombo dos Palmares seria lançado só em 1946 por Edson Carneiro[4].  

Em que pese limitações metodológicas que provocaram certamente conclusões problemáticas, especialmente quando se trata do problema do Negro, da escravidão e formas de resistência, bem como do problema da economia política da colônia, desde o exclusivismo comercial, do latifúndio, do trabalho escravo e do sentido da colonização, seria certamente anacrônico imputar a Capistrano de Abreu responsabilidade pessoal por todos estes limites de seus “Capítulos”. O livro deve ser observado como parte de um momento específico da historiografia nacional, anterior à geração de 1930 (Sérgio Buarque de Holanda, Gyberto Freyre e Caio Prado Jr.). Sua leitura, todavia, surpreende, pois vai além das possibilidades dadas pelo positivismo. O leitor terá acesso a uma narrativa cativante e toda sorte de documentações de 3 séculos da História do Brasil e, com algumas ressalvas, poderá conhecer particularidades de todos os quadrantes do país de 1500-1800. Não só sobre a sociedade, mas mesmo sobre os recursos naturais e geográficos, os rios, as delimitações de fronteira e suas histórias (Tratados de Tordesilhas, de Madrid e de Santo Ildefonso), as plantas, os animais e até a culinária do país.

E para os marxistas brasileiros, lembrar sempre as premissas de Lênin: partir da análise concreta da situação concreta o que exigiu sempre um vasto e profundo estudo sobre a questão nacional. Esta é uma tarefa premente para todos revolucionários.






[1] Em que pese o próprio título da obra sugerir uma forma de se escrever a história associada à ideia dos “Grandes Eventos”

[2] M. Löwy compara a ilusão positivista da neutralidade do conhecimento ao princípio do Barão de Münchhausen. Sua história é a seguinte: o barão prussiano seguia com o seu cavalo por uma densa floresta quando se deparou com um pântano. Confiante de si, Münchhausen seguiu em frente e o pântano começou a tragá-lo para dentro, a sugá-lo para o interior da lama. Procede de forma análoga o positivista com ilusões de querer puxar seus cabelos quando propõe a ilusória imparcialidade do discurso.  

[3] “O sentido da colonização” volta-se ao atendimento dos interesses comercais portugueses e é com base neste comércio – já antes explorado pelos lusitanos nas índias – que se conformará toda estrutura social, política, administrativa, etc. A colônia nada mais é do que uma empresa comercial destinada exclusivamente à grande exportação. Como um “resquício” deste passado colonial, enxerga-se a ausência de preocupação pela metrópole em desenvolver internamente sua colônia. Ver Resenha: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/02/formacao-do-brasil-contemporaneo-caio.html

terça-feira, 11 de outubro de 2016

“Tentação” – Adolfo Caminha

“Tentação” – Adolfo Caminha



Resenha livro - “Tentação” – Adolfo Caminha – Poeteiro Editor Digital – São Paulo – 2014 

“Adelaide não dormiu, pensando na brusca resolução do marido e em mil tantas coisas fúteis que aos olhos de uma mulher inexperiente como ela, e como ela supersticiosa, adquirem estranhas proporções. Mas no meio de todas essas coisas erguia-se o vulto de um homem, que não era o Holanda, que absolutamente não se parecia com aquele que ali estava a seu lado, na cama, e de novo um extraordinário medo apoderava-se dela, um pavor inexplicável, uma covardia criminosa, que a obrigava a abrir e fechar os olhos intermitentemente.... Era o vulto do secretário...a “tentação” (...).”
                
Os autores mais citados dentre os representantes da escola do naturalismo literário são provavelmente Aluísio de Azevedo e Raul Pompéia[1]. Do primeiro, as mais famosas obras são “Casa de Pensão” (1884), “O Cortiço” (1890) e “O Mulato” (1881), este último romance contando com uma repercussão grave em sua província natal, Maranhão, exatamente por denunciar o preconceito racial de um personagem mestiço, com qualidades intelectuais, que estudou na Europa, mas que é filho de escravo e não é tolerado por aquela sociedade cingida pelo racismo que informa o instituto da escravidão. A repercussão negativa do “Mulato” obrigou Azevedo a mudar-se para o Rio de Janeiro e certamente teria causado graves impactos no autor: num romance de 1887 denominado “O Homem”, assim Aluízio de Azevedo prefacia a obra:

“Quem não amar a verdade na arte e não tiver a respeito do Naturalismo ideias bem claras e seguras, fará, deixando de ler este livro, um grande obséquio a quem o escreveu”.

O escritor cearense Adolfo Caminha também está inteiramente inserido no contexto do Naturalismo literário e merece um reconhecimento maior. De antemão, merece a lembrança pela obra “Bom Crioulo” (1895) que de forma pioneira aborda a questão do amor homossexual.

Pode-se falar que existem pontos de contato e diferenças entre o realismo e o naturalismo literários. Ambos por exemplo servem-se de uma certa objetividade no estilo e na forma narrativa, evitando o discurso rebarbativo, o subjetivismo, a retórica e a adjetivação que informam os romances típicos das fases do romantismo. Há portanto menos espaço para o adjetivo e maior espaço para o verbo, períodos mais curtos e diretos e uma maior intencionalidade de retratar de forma fiel e objetiva personagens e paisagens. Pode-se também falar que o realismo e o naturalismo estão envolvidos com a crítica social e de costumes. Todavia, o procedimento da crítica dá-se de formas distintas. Para explicarmos as diferenças, podemos resgatar como exemplos o romance supracitado de Adolfo Caminha e talvez o mais ácido e mordaz romance realista de Eça de Queiróz, “O Crime do Padre Amaro” (1875).

A crítica social do tipo realista é do tipo apriorística: o autor elege uma pauta a partir da qual o romance se desenvolve com uma intencionalidade clara de se criticar para mesmo reformar e transformar a realidade. Foi este o caso do romance de Eça e do contexto de uma geração de literatos portugueses que se insurgiam contra o atraso cultural de Portugal: a hipocrisia por de trás de relação mesquinha para com a mulher e a carolice junto à Igreja por senhoras beatas mais interessadas em intrigas do que na religião; o egoísmo humano que se sobressai ao extremo na figura de um Padre que horroriza mesmo um leitor descrente e agnóstico; a falência total da Igreja é o prenúncio em Eça de uma ambição de modernização de uma Portugal arcaica que precisa de uma renovação em face de países mais ilustrados como Inglaterra e França.

A crítica do tipo naturalista não contém este elemento apriorístico de forma acentuado. É o que vemos de forma muito clara no “Bom Crioulo”. O autor trata de um tema candente e polêmico (obviamente ainda mais polêmico no século XIX) com a mesma frieza de um cientista que analisa o reagente químico dentro de seu laboratório. Não toma, como um naturalista, partido favorável à possibilidade do amor homossexual ou, o que seria mais fácil, se coloca como um moralista condenando a priori a relação entre os marujos Amaro e Aleixo. O que há no naturalismo é uma maior equidistância entre o autor e o personagem e a história retratada. Tal fato tem duas implicações. 

A primeira é que a própria realidade é contraditória e as histórias naturalistas ao retratarem ora “O Ateneu” em Raul Pompeia com a realidade de escolas primárias em regime disciplinar “militar” para crianças, ora o racismo provinciano de “O Mulato”, ora os impactos de provincianos do maranhão na corte em “Tentação”, as histórias naturalistas naturalmente (com o perdão da expressão!) exsurgem as próprias contradições da realidade. Por isso fazem críticas sociais. E mais! As histórias naturalistas são belos retratos da história: o certo comprometimento daqueles artistas com a observação fiel da objetividade envolvem verdadeiros documentos históricos sobre costumes, hábitos, o jornalismo literário, a política, a arte e vários aspectos da vida social e cultural dos contextos da narrativa.

Tentação

A história de “Tentação” portanto está inserida no modelo do naturalismo literário. O enredo é relativamente simples. O bacharel Evaristo e sua jovem esposa Adelaide residem na longínqua província maranhense de Coqueiros e recebem uma epístola de um colega de liceu do marido convidando-o para trabalhar no Rio de Janeiro – sede da corte Imperial – para um trabalho no grande Banco Industrial. O convite empolga o bacharel que em poucos dias embarca para a corte e se instala na casa de Luís Furtado e sua esposa, D. Branca.

O desenvolvimento do Romance dá-se com as mudanças de vida dos provincianos num ambiente repleto de novidade: a própria noção que Evaristo tinha da capital do II Império era de uma espécie de Paris, donde estão os literatos, os parlamentares e o dinheiro:

“Figurava a Corte do Império uma terra legendária de aventuras e de muito dinheiro, onde, com algum trabalho, qualquer homenzinho podia fazer fortuna em poucos anos, ou, quando mais não fosse, galgar posições, eminências cobiçadas, conquistar nome – celebrizar-se. Demorava os jornais do Rio; lia [Evaristo] tudo quanto na grande capital se publicava em prosa e verso; não era estranho ao movimento literário, ao saltos-mortais da política, às artes; interessava-se, como republicano, pela saúde do monarca e pelos escândalos mais ou menos ruidosos da Rua do Ouvidor; enfim, o Rio de Janeiro era, a seus olhos estáticos, a quintessência da civilização – Paris em ponto pequeno”.

O conflito central – que dá nome ao romance – inicia-se quando se descobre-se as intenções ocultas do coração de Luís Furtado. O amigo de Evaristo é um homem garboso e já habituado às extravagâncias extraconjugais correntes da vida da corte. Luís passa a se interessar por Adelaide, uma moça de origem humilde e muito diferente das elegantes e pomposas mulheres até então conhecidas. 

Aqui não avançaremos nos desdobramentos da narrativa: nossa intenção é não atropelar a leitura de eventual interessado pela obra.

II Império

Existe um enorme interesse histórico pelas obras naturalista e por este livro de Adolfo Caminha em particular. O leitor entra em contato direto com o Rio de Janeiro do II Reinado a partir de passeios dos casais e amigos no Jardim Botânico e na Rua do Ouvidor, tem acesso ao relato das repercussões da convalescênças de D. Pedro II e de sua viagem à Europa em busca de tratamento (evento em que foi amplamente saudado pelo povo). E não se trata apenas de fatos e ambientes históricos. Podemos falar de acesso ao que se denomina história das mentalidades. É o que se cogita a partir da personagem Balbina, uma velha escrava de Coqueiro, que Evaristo e Adelaide deixaram no Maranhão. Tratava-se de uma velha escrava alforriada e que o bacharel a legara na velha casa como um objeto sem qualquer consideração. E que num pequeno diálogo, revela-se que o ser humano tem valor inferior a um passarinho:

“E Adelaide, ocultando ingenuamente o desgosto que a pungia, lembrou ao marido o fato de ter ele chorado a morte de uma patativa, antes de vir ao Rio de Janeiro.

O bacharel não disse que não, mas afirmou que o caso era diverso e que entre a patativa e a Balbina [escrava] preferia a patativa”.

O problema da política e questões como o abolicionismo e a república aparecem no romance, numa surpreendentemente sofisticada crítica social, já sinalizando como a política naquele contexto estava imbricada no privado, havia aquilo que é amplamente discutido na sociologia brasileira acerca do patrimonialismo e da confusão entre o público e o privado.

No Brasil do séc. XIX, a divisão entre partidos conservadores e liberais ou mesmo republicanos e monarquistas era antes um verniz, um molde aparente, quando na essência, havia uma elite conservadora que convergia nos interesses mais essenciais, ligados ao latifúndio, ao regime agrário exportador dependente, à exploração da mão de obra escrava ou quando muito ao abolicionismo que não envolvia um projeto de cidadania plena aos negros – Luís e Evaristo são ambos capitalistas que trabalham no Banco, mas o primeiro é monarquista e o segundo é republicano. No diálogo abaixo, discutem de maneira voraz, mas o debate é interrompido pelas mulheres e o embate termina numa mesa de jantar familiar.

“- Não Senhor, que o partido republicano está ganhando terreno aqui mesmo, na Corte, às barbas d’El-Rei! Fala-se na ida do velho à Europa; o velho está doido, já não pode governar, e o resultado é que....

- É que estás a dizer tolices...A monarquia estás guardada por sentinelas da força do barão de Cotegipe, do Visconde de Ouro Preto, do João Alfredo e de outros.... Cada um desses homens é um obstáculo contra qualquer tentativa de assalto às instituições.

Chegou a vez do bacharel rir, mas rir com gosto, dando pulinhos na cadeira.

- O Cotegipe! (e ria). O Ouro Preto (tornava a rir). O João Alfredo! No momento psicológico voam todos, como aves de arribação, para Petrópolis! Desaparecem como por encanto, somem-se na noite do medo...

- É o que pensas. A opinião deles, o povo não permitirá que eles sejam desacatados.

- O povo! – exclamou Evaristo com voz de trovão – A que chamas tu povo?

- À população do Rio de Janeiro, à população do Brasil – a treze milhões de almas que adoram o imperador!

- O povo brasileiro não se envolve nisso, meu Furtado; se fôssemos esperar pelo povo, estávamos bem arranjados”.   

O fatalismo é um mote que informa tanto as concepções ideológicas presentes por de trás do naturalismo (determinismo, darwinismo e positivismo) quanto especificamente a obra “Tentação”. Os impulsos amorosos, que levarão ao conflito, à doença mental de Adelaide, o desejo e a tragédia não envolve a escolha, o livre arbítrio dos personagens: trata-se de uma fatalidade, de algo portanto que segundo os critérios do naturalismo, têm a ver com os condicionamentos da natureza humana. Como se sabe, esta interface entre a biologia e a literatura é algo marcante de escritores daquele período histórico.

O que se sobressai e o que se extrai de mais valor, ao que tudo indica, são os retratos sociais e o panorama histórico que as obras do naturalismo literário abrem para os leitores de hoje. Como se sabe, a validade histórica das teses do determinismo e do darwinismo aplicado na sociologia hoje caducaram.  





[1] De Raul Pompeia, ver resenha de “O Ateneu” em: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/10/o-ateneu-raul-pompeia.html

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

“Retrato do Brasil” – Paulo Prado

“Retrato do Brasil” – Paulo Prado



Resenha Livro - “Retrato do Brasil: Ensaio Sobre a Tristeza Brasileira” – Paulo Prado – Ed. Companhia das Letras

“Uma indígena, abandonada pelo amante europeu com quem vivera longos anos, vendo-o partir numa caravela de passagem, matou o filho comum, cortou-o em duas partes e lançou uma destas ao mar como que entregando ao homem a porção que lhe pertencia. A bordo perguntaram a este quem era essa mulher, ao que respondeu: não é ninguém, é uma índia sem importância” PRADO, Paulo. Obr. Cit. Pg. 63
                
Na história do Brasil houve uma relação diferente entre a constituição da Nação e do Estado se comparada à experiência das nações europeias, especificamente à Alemanha e à Itália de unificações nacionais tardias. Na Alemanha, por exemplo, a nação e a constituição de uma identidade nacional antecedeu e mesmo ajudou a constituir o Estado Nacional.

No Brasil processou-se algo bastante distinto. Nossa independência em face de Portugal deu-se em 7 de Setembro de 1822: como bem ilustrou José Murilo de Carvalho, o povo assistiu aos acontecimentos de rua “bestializado”, “abasbacado”, sem entender muito bem o que se passava, suspeitando tratar-se de um desfile militar, que pouco mudava sua pacata rotina.

No Brasil, o Estado Nacional antecedeu a nacionalidade: não havia em 1822 uma identidade nacional consolidada, mas um país dominado pelo instituto da escravidão, em que negros que eram esmagadora maioria não tinham cidadania mas eram antes encarados como “res”, não portadores de qualquer vínculo com a terra. Os demais, uma minoria, eram portugueses, estrangeiros, ou, quando brasileiros, se vinculavam mais a identidades regionais como paulistas, pernambucanos ou baianos. A constituição de uma identidade nacional seria um projeto que seria consolidado muito tempo depois e teria como principais artífices a chamada “geração de 30”, um conjunto de intelectuais que em outro contexto histórico se voltariam às origens históricas do Brasil em busca da conformação da nacionalidade, dos traços comuns que informariam a identidade da Nação.

Gilberto Freyre e seu “Casa Grande e Senzala” (1933), Sérgio Buarque de Hollanda e seu “Raízes do Brasil” (1936) e Caio Prado Jr. e seu “Evolução Política do Brasil” (1933) são os principais expoentes da supracitada geração: cada um à sua maneira irá voltar-se ao passado colonial brasileiro com finalidades parecidas: explicar o presente e buscar o sentido da História. Há todavia uma obra que está situada no mesmo contexto e que parece estar esquecida na historiografia. “Retrato do Brasil” (1928) de Paulo Prado antecedeu as três obras referidas e situa-se nos mesmos marcos, com o adicional de ter sido publicada no ano de 1928 e com o seu pioneirismo ter uma importância singular: como adverte o grande historiador Fernando Novais, “Retrato do Brasil” com a sua ousada tese de que o brasileiro é um povo triste, rompe com uma certa historiografia brasileira tradicional de tons ufanistas e com isto abriu caminho para as demais obras que configuraram em análises críticas, sob novos pressupostos teórico metodológicos, que foram além da tradicional configuração positivista da história do Brasil inaugurada por Vernhagen.

Desde início pleiteamos uma equiparação de “Retrato do Brasil” de Paulo Prado às demais obras da “Geração de 30” como clássico da História do Brasil. Certamente, trata-se, como o sub-título da obra sugere, de um ensaio; o leitor irá deparar-se como uma narrativa da história que antecede a disciplina da história das mentalidades, sem todavia, todos os rigores metodológicos devidos da disciplina da história. Mais uma vez, Paulo Prado, um historiador diletante, aprendiz de Capistrano de Abreu, produziu um “Retrato do Brasil”. Uma pintura impressionista cujos métodos estão expostos pelo próprio autor:

“Este Retrato foi feito como um quadro Impressionista. Dissolveram-se nas cores e no impreciso das tonalidades as linhas nítidas do desenho e, como se diz em gíria de artista, das “massas e volumes”, que são na composição histórica a cronologia e os fatos. Desaparecem quase por completo as datas. Restam somente os aspectos, as emoções, a representação mental dos acontecimentos, resultantes estes mais da dedução especulativa do que da sequência concatenada dos fatos”.

Por um lado uma corajosa confissão da subjetividade do historiador ao retratar e pintar um painel do passado. Por outro lado, o próprio retrato de limites metodológicos que envolvem noções apriorísticas, como se conclusões primeiras estivessem para ser provadas por um vasto repertório de documentos primários, que no livro envolvem especialmente documentos do Santo Ofício, relatos de viajantes do séc. XVI, XVII, Portugueses e Espanhóis, especialmente voltados ao problema da cobiça e da luxúria.

Contexto: autor e obra

Paulo Prado advém da ilustre e aristocrata família Silva Prado de São Paulo, ligada à comercialização de café e à construção de ferrovias. Filho do Conselheiro Antônio Prado, Ministro do Império, com grande fortuna e prestígio, o que garantirá ao filho uma vida sem grandes compromissos, apesar de ter dividido sua vida como empresário de café, jornalista, ativista literário e historiador.

Formou-se na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e posteriormente passou temporada em França donde conheceu Eça de Queiróz que teve ótima impressão do moço.

De volta à São Paulo, ligou-se ao grupo de artistas modernistas e participou ativamente da construção da Semana da Arte Moderna de 1922. Foi amigo de Mário de Andrade e basta dizer que Macunaíma foi dedicada a...Paulo Prado. Pode-se dizer que os dois livros têm interfaces: o senso comum diz ser o Brasileiro triste enquanto a tese central do “Retrato” é a de que o brasileiro é um povo triste, em face da cobiça pelo enriquecimento rápido e da luxúria num contexto da falta de mulheres brancas e da disponibilidade de mulheres índias e negras. No Macunaína, o paradoxo se encontra no fato do herói brasileiro ser um “herói sem nenhum caráter”. Dentre as antinomias, pode-se observar como se começam os dois livros:

“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente” (Macunaíma); “Numa terra radiosa vive um povo triste” (Retrato do Brasil).

Paulo Prado deve ser associado quanto à sua produção intelectual ao movimento modernista. Os livros de Paulo Prado e de Mário de Andrade foram publicados em 1928. São daquele momento histórico a revolta dos 18 de Copacabana de 1922, levante tenentista que teve seu desenvolvimento no contexto de luta contra a República Velha, a Coluna tenentista, o posterior Crack de 1929, a fundação do Partido Democrático em São Paulo, do qual participou o pai de Paulo Prado: em suma os fins da primeira República.

Falou-se nas críticas ao livro, que o ensaio de Paulo Prado primava pelo pessimismo. Pelas cartas do autor, sabe-se que o mesmo discordava desta ideia. Paulo Prado considerava-se otimista, mas otimista diferente do velho ufanismo positivista. Seu otimismo é o mesmo de “um médico ou cirurgião” o que nos leva a concluir que seu movimento é o mesmo de alguém que faz um diagnóstico e propõe soluções. E Paulo Prado é explícito: a mudança está na Guerra ou na Revolução.   
Evolução Histórica do Brasil

Em 1530, desde a descoberta, o Brasil encontra-se em situação de relativo abandono. Em face da pirataria Francesa, serão nestes anos que se inicia de fato a ocupação, a empresa colonizadora chefiada por Martim de Souza. Em 1549, com o governo Tomé de Souza, observa-se o início de uma relativa atividade administrativa na colônia como expedições oficiais e as primeiras missões jesuítas.

O fato é que desde o início do empreendimento colonial, a cobiça pelo ouro esteve presente dentre os portugueses, além de franceses e demais europeus que aqui aportaram. Eram aventureiros e estavam influenciados pelo contexto cultural do renascimento. A cobiça é assim um dos elementos que informam a tristeza brasileira. As bandeiras não só estiveram associadas à caça de índios e escravos fugidios, mas foram particularmente movidas pela cobiça:

“Junto aos novos descobertos vinha, porém, morrer enfraquecida, mas sempre alucinada, a bandeira. Conservava, como desde os tempos piratiningos, os traços característicos da sua formação: Interesse, Dinamismo, Energia, Curiosidade, Ambição. Faltavam-lhes os estimulantes afetivos de ordem moral e os de atividade mental. Nunca soubera transformar em gozo a riqueza conquistada. A sua energia intensiva e extensiva concentrava-se num sonho de enriquecimento que durou séculos, mas sempre enganador e fugidio. Com essa ilusão vinha morrer, sofrendo da mesma fome, da mesma sede, da mesma loucura. Ouro, ouro, ouro.”

Os outros dois elementos constitutivos da tristeza do brasileiros são a luxúria e o romantismo. “Após o coito os animais ficam tristes, exceto o galo que canta”, diz um adágio da medicina. O sensualismo que informa todo o período colonial foi amplamente retratado por cronistas, ao ponto de haver pedidos junto à Europa para que se trouxessem mulheres da corte ao Brasil, para se efetivar casamento e interditar situações de poligamia e endogamia  envolvendo uma ampla miscigenação de brancos, negros e índios. Paulo Prado enxerga uma melancolia e pendor à fraqueza em face deste sensualismo que também remete à vocação romântica, ao discurso rebarbativo de nossos parlamentares e literatos e nossa tendência à apatia, indolência e passividade. “O romântico adora a própria dor” assevera Paulo Prado. O que não se sabe é como o seu ensaio, que dedica alguns parágrafos a um artista de marca menor como Aleijadinho, não faz qualquer menção a um verdadeiro milagre advindo dos mais baixos escalões das pirâmides sociais brasileiras: Machado de Assis. Seu realismo literário mordaz e sua literatura com vocação universal vai na contramão do Romantismo brasileiro e sua própria aparição coloca sob suspeita a tese do Romantismo.

Tristeza e Esperança   

A “Tristeza Brasileira” deve ser encarada conforme a proposta metodológica enunciada pelo próprio autor e sugerida já no título do livro. Estamos diante de um retrato, ou se quisermos de uma fotografia do Brasil. Mesmo uma fotografia não é imparcial: o fotografado pode ser retratado num dia infeliz e não estar sorrindo e o erro do historiador é, a partir deste retrato, concluir que o personagem da foto é....triste. A história não é um SER. A história é um processo. É um estar sendo, de molde que o ensaio de Paulo Prado tem validade não pela conclusão, mas por outros aspectos. Suas fontes históricas são relevantes e têm a credibilidade por estarem baseadas ao seus estudos de história junto ao grande historiador Capistrano de Abreu: o ensaio é um livro saboroso sobre os costumes e o cotidiano do Brasil colonial. Como sugerimos, sua grande contribuição para a historiografia do Brasil diz respeito a certa rejeição ao ufanismo que abriu caminho à “Geração de Trinta”, e por isso deve ser equiparada àqueles grandes pensadores.

Parece-nos todavia que tais críticas são até triviais e não devem ter passado despercebidas pelo grande pensador Paulo Prado, alguém com um vasto repertório cultural. Talvez a tristeza que viu no povo Brasileiro diga respeito a si próprio. É natural para quem observa o problema do Brasil, o seu passado e o seu presente, suas potencialidades e todo desperdício, sintir uma enorme tristeza. Num estado como São Paulo, com o aquífero do Guarani, um dos maiores do mundo, há ainda racionamento de água. 111 mortos no presídio do Carandiru desarmados e todos os policiais absolvidos por legítima defesa. Vídeos de cárcere circulando pela internet com presos jogando futebol com a cabeça de um outro preso. Triste, triste, triste.