quarta-feira, 16 de setembro de 2015

“A Comuna de Paris” – Vladimir I. Lênin

“A Comuna de Paris” – Vladimir I. Lênin





Resenha Livro – 192 -  “A Comuna de Paris” – Vladimir I. Lênin – Ed. Kiron – (org. Gilson Dantas)

A Comuna de Paris despertou e desperta a atenção de todos os militantes e estudiosos das lutas dos trabalhadores pelo seu pioneirismo. Trata-se do primeiro levante em que os trabalhadores, ainda que organizados de forma incipiente enquanto classe (em sua maioria artesãos e pequeno burgueses), tomaram de assalto os céus, expulsaram a burguesia francesa de Paris para Versalhes e tomaram medidas políticas que assombram pelo seu caráter revolucionário ainda nos dias de hoje como a dissolução da polícia e a constituição do povo em armas e mesmo medidas administrativas radicais como salários dos representantes da Comuna equivalente ao salário de um trabalhador comum, de 6000 Francos, além do estabelecimento de mandatos revogáveis a qualquer instante.

Diante de toda esta relevância para o movimento operário, muitos escreveram e analisaram o movimento, a começar por Marx e Engels que em 1871, quando Paris ergue-se contra o governo Francês e sua classe dominante instalados em Versalhes, redigem artigos desde a Associação Internacional dos Trabalhadores, depois reunidos em livro em “Guerra Civil na França”.

Inicialmente, Marx encarava com reservas a possibilidade de um movimento revolucionário vitorioso em França, onde as forças políticas predominantes desde a Comuna eram os Blanquistas e os Proudhounistas, estes últimos associados à I Internacional. Blanqui era uma liderança política bastante prestigiada, porém propugnava uma política de assalto e tomada do poder por um grupo de vanguarda, um conjunto de líderes determinados que substituiria, como direção, a vontade das massas. Proudhon, mais próximo das ideias de Marx, defendia o cooperativismo e mesmo métodos pacíficos de transformação social.

Esta edição “A Comuna de Paris” conta com textos de Lênin entre 1905 e 1919.

Em “A Comuna de Paris e as tarefas da ditadura democrática” (1905) há uma polêmica partidária. Trata-se de uma discussão sobre a participação dos revolucionários dentro do parlamento burguês. Como será recorrente, o futuro dirigente da revolução russa extrairá lições daquela experiência histórica em França:

“Antes de mais nada, ensina-nos que a participação de representantes do proletariado socialista com a pequena burguesia num governo revolucionário é perfeitamente admissível por princípio e absolutamente obrigatório em determinadas condições. Ensina-nos, além disso, que a verdadeira tarefa que a Comuna teve de cumprir foi, acima de tudo, o exercício da ditadura democrática e não socialista, ou seja, a aplicação de nosso “programa mínimo”. Por último, esta informação recorda-nos que, ao tirarmos ensinamentos da Comuna de Paris, não devemos repetir os seus erros (não tomaram o Banco de França, não empreenderam a ofensiva contra Versalhes, não elaboraram um programa claro) mas os seus passes práticos que tiveram êxito e que apontaram  caminho certo”.

Destacamos que alguns dos erros táticos do movimento seriam apontados já antes por Marx e Engels como fontes de ensinamento. Os communards poderiam ter tomado e nacionalizado o Banco de França criando uma forte pressão política para a negociação e contra o massacre perpetrado dois meses depois do início do movimento. A hesitação no plano militar fez com que Thiers, que acabara de perder a guerra com a Prussia, negociasse a soltura de seus soldados aprisionados na guerra com o fim específico de tomar Paris.

Os demais textos foram escritos ora por ocasião do aniversário da Comuna ou especificamente em discussões sobre a teoria de transição, que surgem em capítulos do “Estado e a Revolução” (1917), um livro decisivo em que Lênin esboça uma Teoria da extinção do estado concomitante à tomada de poder pelos trabalhadores:

“Ora, e, uma vez que é a própria maioria do povo que reprime os seus opressores, já não é necessária uma “força especial” para a repressão. É nesse sentido que o estado começa a extinguir-se. Em vez de instituições especiais de uma minoria privilegiada (funcionalismo civil privilegiado, comando do exército permanente) a própria maioria pode realizar diretamente as funções do poder político, e quanto mais a própria realização das funções do poder do Estado torna-se de todo o povo, menos necessário se torna esse poder”. 

Estima-se em 30 mil mortos ao fim de confronto e centena de milhares entre presos e deportados. Paris foi afogada em sangue numa matança jamais vista, o que revelava como o ódio de classes em muito superava o maior dos chauvinismos. Da Comuna de Paris a esquerda em todo mundo retirou o símbolo da bandeira vermelha que remete ao igualitarismo, à luta por uma sociedade não mais desigual ou não mais cingida em classes sociais, à sociedade comunista.  Pelo seu pioneirismo e seus mártires, merece ser saudada e, mais importante, estudada, pelas diversas lições que nos deixou.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

“Os Grandes Líderes – Ho Chi Minh” – Dana Ohlmeyer Lloyd

“Os Grandes Líderes – Ho Chi Minh” – Dana Ohlmeyer Lloyd




Resenha Livro - 191 -  “Os Grandes Líderes – Ho Chi Minh” – Dana Ohlmeyer Lloyd – Ed. Nova Cultural
Costuma-se dizer, com certo acerto, que a história que prevalece e aquela nos é contada é como a “história dos vencedores”. Assim, ao estudarmos a história do Brasil colonial, pouco ou nada nos é contado acerca do Brasil pré-colombiano (até pela falta de fontes históricas), mas mesmo depois de 1500, havendo pouco espaço para reflexões sobre como o empreendimento colonial era percebido desde o ponto de vista do índio. O mesmo pode ser dito do negro escravizado. Predomina-se por outro lado a história dos vencedores, a organização política dos portuguêses na Colônia desde as Capitanias Hereditárias e os Governos Gerais e no que se refere a sua relação com o índio e o português, o regime de organização das plantations, enfim, as fontes que restam determinam o ponto de vista e interesses do vencedor. 

Podemos dizer que o caso da Guerra do Vietnã contraria em certo sentido a lógica da “história dos vencedores”. Este pequeno país do sudeste asiático conquistou a libertação colonial Francesa (1954) e, particularmente, a expulsão dos norte-americanos em 1969. E o que se sabe sobre os eventos da chamada Guerra do Vietnã dentro do senso comum rementem mais à situação dos “vencidos”(EUA) do que aos “vencedores” (Vietnã). 

Em outras palavras, quando se pensa na luta do Vietnã pela sua independência, vem-nos à mente os soldados norte-americanos perdidos num país exótico, fechado, por montanhas e florestas tropicais, banhado pelas chuvas de monções, enfrentando guerrilheiros em menor número, mas com disposição heroica para o enfrentamento. Lembra-se do ópio  que se alastrou entre as tropas norte americanas (ironicamente, uma droga que junto com o álcool foram introduzidas no Vietnã pelo lucro e pela dominação durante a colonização  francesa) gerando a desmoralização dos militares dos EUA. E o mais importante, vêm nos à mente as enormes manifestações de fins dos anos 1960 dentre os universitários norte-americanos contra a guerra do Vietnã que teve um peso relativo na retirada das tropas – certamente muito menor do que o heroísmo da Frente de Libertação Nacional, uma organização criado no Sul do Vietnã para apoiar a unificação e o Vietminh, dirigido por Ho, desde o norte do país. 

Para além do estranhamento ou da percepção do exótico, vale conhecer mais de perto aquela experiência histórica. Não só pela luta de independência: o Vietnã advém de uma tradição histórica milenar, relacionada à China, e certamente este orgulho nacional pesou na inviabilidade do projeto de dominação estrangeira.

Os vietnamitas são de origem de povos da Mongólia  e de povos da Indonésia desde pelo menos 300 a.C. O budismo sempre foi a religião principal daquele povo até que no séc. XVII missionários católicos introduzissem esta religião por lá, permanecendo por séculos  naquele país. Os missionários católicos foram estimulados pelos administradores coloniais e estariam ao lado dos colonizadores, como veremos.  

Houve um período de dominação chinesa em 111 a.C por meio do imperador Wu Ti, da dinastia Han, reinado que durou dois séculos, facilitando a introdução de elementos culturais chinenses na região como taoísmo. No séc. X os vietnamitas reconquistariam sua independência para, no contexto das grandes navegações e o desenvolvimento do capitalismo comercial, Portugueses, Holandeses e Franceses chegassem ao sudeste asiático. 

Dana LLoyd refere-se ao início da intervenção francesa:

“De todas as potências coloniais, a França foi a que mais persistiu no Vietnam, a partir do início do século XVII, quando uma missão liderada pelo padre jesuíta Alexandre de Rhodes, converteu milhares de vietnamitas ao catolicismo. Tempos depois, o governo francês começou a intervir militarmente na região alegando perseguição a seus missionários católicos e aos poucos conquistando seus territórios”. 

Quer dizer, sob o pretexto religioso, a dominação colonial do Vietnã remete ao período das Grandes Navegações e sua libertação uma luta que seguiria anos a fio.

Ho Chi Minh nasceu com o nome de Nguyen Sinh Cung em Anam em 1890 numa família em que pais e irmãos se dedicavam à luta anti-colonialista. Ainda criança foi expulso de uma escola por distribuir jornais anticolonialistas. Acerca de suas leituras na juventude, diz o próprio Ho:

“Quando era jovem estudei o budismo, o confucionismo, o cristianismo e o marxismo. Há algo de bom em cada doutrina”.

Chegará um momento ainda na juventude que passará um ano num monastério budista. Algo a acrescentar é que aquela tradição se baseava numa cultura de transmissão oral, de forma que não sabemos de textos ou livros produzidos por Ho. 

Ainda jovem, Ho junta-se à tripulação de um navio mercante francês para trabalhar como cozinheiro e assim conhecer o mundo. Por meio de contatos de seu pai (ele também um ativista), faz contato com compatriotas na França e filia-se ao Partido Comunista Francês. (1920). Três anos depois vai à Moscou, onde assiste ao V Congresso da Internacional Comunista. 

De volta ao Vietnam, e junto com a bagagem cultural adquirida no exterior, Ho soube associar a teoria revolucionária  à rica tradição filosófica oriental:

“Para conscientizar os camponeses vietnamitas, Ho utilizou os princípios marxistas, aos quais acrescentou um elemento tomado da antiga filosofia chinesa: aquilo que o sábio Confúcio chama de shu – uma tradução aproximada dessa expressão seria “coração comum”, isto é, o sentimento de dar e receber entre os indivíduos, com a consciência de que todos os homens são irmãos. 

Ho Chi Minh combinava com naturalidade as ideias marxistas-leninista com antigas e respeitadas tradições vietnamitas. Seu povo acreditava numa vida frugal de aldeia, onde as necessidades da comunidade precediam as individuais”. 

Durante a II Guerra Mundial a co-relação de forças e a geopolítica muda no sudeste asiático e no mundo, embaralhando a situação. O Japão, membro do eixo, passa a ser o invasor e o novo inimigo comum de Vietnã e China. De outro lado, URSS e França têm toda a sua força de guerra voltada para o conflito na Europa. E será no contexto do fim do conflito bélico mundial que o Vietminh tomará o poder no Vietnã fazendo com que Ho Chi Minh, àquela altura já considerado um herói da resistência, torne-se o  Presidente da República Democrática do Vietnã. 

Logo os franceses colonizadores entram como reação e inicia-se a guerra da Indochina que irá durar de 1946 até 1954, com a derrota dos franceses, mas ainda assim, com um Tratado (Tratado de Genebra) que prevê a divisão do país em norte e sul. Os EUA deram uma solução de continuidade ao confronto a partir de uma provocação: moveram um navio espião no golfo de Tonquim esperando uma reação vietnamita, que veio, e em contrapartida, atacaram bases militares no Vietnã do norte (1964). A preocupação do imperialismo naquele contexto era a expansão do comunismo pelo sudeste asiático, daí o apoio junto Vietnã do sul para derrotar o Vietnã do norte. Era necessário destruir o regime comunista do norte, como no caso da Coréia, sempre tendo em vista o contexto da Guerra Fria. 

Ho Chi Minh não pôde ver a reunificação de seu país sob bases socialistas a partir da expulsão total do imperialismo norte-americano. Faleceu em 3 de Setembro de 1969, enquanto a reunificação para formação da República Socialista do Vietnam deu-se em 2 de Julho de 1976. 

O livro de Dana O. Lloyd tem um caráter enciclopédico,  com muitas informações, imagens e buscando registrar a história tanto do Vietnã quanto do maior dirigente de sua libertação de forma concisa e objetiva. Apenas por isso, cumpre uma função extraordinária diante da falta informações a respeito daquela nação e de Ho, de seu processo heroico de emancipação que assombrava então os espectadores ocidentais, com HO CHI MINH e seus guerrilheiros com disposição de luta até morte pela liberdade, formados numa moral marxista e de milenares valores orientais. 

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

“A Política dos Juristas” – Carlos Miguel Herrera

“A Política dos Juristas” – Carlos Miguel Herrera 


Imagem - Hans Kelsn - Jurista austríaco

Resenha Livro – 190-  “A Política dos Juristas: Direito, liberalismo e socialismo em Weimar” – Carlos Miguel Herrera – Ed. Alameda

Carlos M. Herrera é jurista e filósofo, argentino e professor da Université de Cergy-Pontoise. Num primeiro exame dentre os capítulos da obra, dedicados a autores bastante trabalhados dentro da Filosofia do Direito como o austríaco Hans Kelsen e Carl Schmitt, pode-se ter a errada impressão de se estar diante de um ensaio destinado ao público das ciências jurídicas, mais particularmente de interessados por filosofia do direito e direito constitucional. Isto por causa da referência a Weimar, cidade que expressa  marco dentro da evolução política dos direitos humanos/constitucionais, juntamente com a Constituição Mexicana de 1917.

Apenas para situar rapidamente o leitor, o assim chamado primeiro ciclo dos direitos humanos surge no contexto do liberalismo e da afirmação do indivíduo frente ao arbítrio do estado absolutista – nesse sentido suas principais referências documentadas são a Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão e a Declaração de Virgínia (1776). Partindo da ideia de um direito natural que deveria ser resguardado pelo Estado, defendem estes pioneiros o direito de propriedade, o direito de poder se insurgir contra governo despóticos e a necessidade da separação de poderes (Montesquieu), para evitar o arbítrio estatal. Já os direitos humanos de segunda geração são produto da revolução industrial do séc. XIX, da emergência dos trabalhadores e a co-respectiva luta social por direitos trabalhistas e assistência do estado. É nestes marcos que tanto a Constituição de Weimar (1919) quanto a Constituição Mexicana de 1917 nascem sob o signo do pioneirismo: elas se adiantam ao reconhecer e positivar direitos sociais ditos de segunda geração.

Dizíamos que o ensaio de Carlos Herrera não encerra interesse aos operadores do direito. Isto porque seu objeto de estudo são as fontes teóricas, na filosofia do direito e na ciência política, que demarcaram um dos períodos mais ricos e férteis na produção de ideias. Há riqueza no contraponto de correntes de pensamentos distintos, durante a República de Weimar (1919-1933) na Alemanha. Trata-se de período que antecede a ascensão dos nazistas. Em Weimar há regime misto de parlamento e presidencialismo, com um chanceler. A ironia da história é justamente observar, conforme diria Adorno, que a ascensão e vitória do fascismo é o resultado de uma revolução derrotada – aquela experiência democrática mostrou-se frágil o bastante para a articulação, crescimento e tomada do poder pelos nazistas, em que pese a efervescência cultural e riqueza no plano do debate de ideias, como se observa no livro.

No contexto de Weimar, três pensadores são analisados com mais detalhes, podendo-se dizer que o primeiro deles, um dos fundadores da sociologia moderna, e jurista de formação, Max Weber, teria não só influenciado enquanto teórico mas enquanto sujeito político aquele contexto histórico– em vida, defendia, coerentemente ao seu sistema teórico, que a melhor saída para a Alemanha de Weimar era um poder mais centralizado, ou seja, não o parlamento republicano, mas a....monarquia. Assim preleciona Carlos Herrera:

“De fato, Max Weber era hostil ao parlamentarismo “puro”, representado nessa época pela Terceira República Francesa, e havia sustentado publicamente, em dezembro de 1919, que o ‘o parlamentarismo e, de fato, as desavenças partidárias são evitáveis se o executivo unitário está nas mãos de um Presidente eleito por todo o povo”. A partir desta ótica, “um presidente que se apoia sobre a legitimidade da eleição popular” seria o melhor contrapeso ao Parlamento. Esta justaposição entre um presidente plebicitário e um Parlamente ativo constitui o que ele chama, em Economia e Sociedade, de “um governo representativo-plebiscitário”. Para ele, efetivamente o meio cesarista era o plebiscito.”

Ressalta-se que “Economia e Sociedade” é a obra mais importante de Max Weber e foi publicada após a morte do sociólogo alemão por sua ex-mulher Marianne. Ainda sobre suas referências sobre política e direito, Weber tem sua conhecida tese sobre legitimidade e dominação: a legitimidade formal dá-se por meio da dominação que se expressa pela administração burocrática. (Dominação Racional).

Neste aspecto, ao discutir a questão da democracia, Weber e Hans Kelsen, o importante jurista vienense combinam-se dentro de um ponto de vista formalista.

Kelsen propõe uma teoria pura do direito que teria um sentido científico e autônomo em relação às demais disciplinas ou ramos das ciências humanas. O Direito teria uma forma de interpretação autêntica e não autêntica conforme a adequação do operador a um rol já pré-definido de possibilidades hermenêuticas: como se houvesse um quadro para além do qual o sistema jurídico não perpassa, deixando assim de ser autenticamente direito o que está fora desta moldura rígida. Seu sistema jurídico é escalonado e nisso influencia modelos jurídicos em todo mundo, incluindo o sistema jurídico brasileiro.

As normas jurídicas em Kelsen se dividem hierarquicamente tendo em cada escala uma base de legitimação da escala anterior, até a Constituição. E o que justificaria a constituição seria uma norma hipotética fundamental, norma abstrata e pressuposto que legitima todo o ordenamento. Aqui temos um breve apanhado das cogitações jurídicas de Kelsen. A discussão que Carlos Herrera propõe é buscar as interfaces entre Kelsen e a política, o que acaba indo muito além de um formalista positivista. Do ponto de vista político, Kelsen se colocava como um social-liberal, mesmo reconhecendo a necessidade de reformas para pacificar os conflitos sociais, o que contraria um pouco a noção de um velho conservador positivista que dele pode se extrair.

Finalmente, o ensaio de Herrera é concluído com um autor controvertido seja em seu pensamento seja em sua intervenção política. Se Weber representa o sistema da dominação burocrática, racional, e se em Kelsen vislumbra-se o liberalismo com alguma coloração de reformas sociais, em Schmitt há muita influência e diálogo com autores marxistas, como Lênin e Luckács. Todavia não foi um marxista e se apropriava da teoria e das ideias de ditadura do proletariado como formas ou modelos de possível aplicação dentro do universo....burguês.

Segundo Herrera, Schmitt já era um pensador reacionário nos anos 1920. Será um dos representantes jurídicos do Reich na causa pela destituição do governo social-democrata da Prússia sob o governo Von Popen. E em maio de 1933 filia-se ao partido nazista.

Todavia, há uma intensa interlocução entre este reacionário jurista e alguns textos marxistas que deverão ao menos influenciá-lo a entender o direito e a política não em termos formais e burocráticos, tais como Weber e Kelsen, mas como manifestação de poder, choques de classes e dominação, o que confere por exemplo com o que diz sobre o assunto Lênin em o “Estado e a Revolução”. E assim diz Herrera:

“Deve-se sublinhar desde agora a noção que interessa ao jurista alemão (Carl Schmitt), a da ditadura do proletariado nos bolcheviques, pois esta terá uma importância primordial para o desenvolvimento de suas próprias teses. Para Schmitt, com efeito, a teoria da ditadura do proletariado, tal como entendem Lênin e Trótsky, sobretudo em razão do seu caráter transitório, permite recuperar um aspecto esquecido pelo direito público burguês: a ditadura é um meio técnico (technische Mittel) para alcançar um objetivo determinado. Segundo Schmitt, este caráter  técnico da ditadura, cujo conteúdo está só determinado pelo interesse dos resultados a serem obtidos, implica que ela não pode ser definida em geral como supressão da democracia” 

Se observarmos os desdobramentos finais da República de Weimar, talvez temos de reconhecer que a orientação de Carl Schmitt que leva menos em consideração os pressupostos liberais e os mecanismos burocrático-racionais,  e mais as relações de força e de poder, além da “realpolitik”, acabaram prevalecendo na Alemanha.  É bom lembrar que o Partido Social Democrata, apesar do tamanho e peso político, era dirigido por reformistas que provavelmente tinham ilusões de que através do aparato estatal seria possível contornar o perigo nazista. Enxergaram mais longe os marxistas russos e Carl Schmitt, influenciado por eles. Uma ironia da história com fim trágico. 

terça-feira, 8 de setembro de 2015

“As Ruas e A Democracia: Ensaios sobre o Brasil Contemporâneo” – Marco Aurélio Nogueira





Resenha Livro - 189-  “As Ruas e A Democracia: Ensaios sobre o Brasil Contemporâneo” – Marco Aurélio Nogueira – Ed. Contraponto / Fundação Astrojildo Pereira 



Marco Aurélio Nogueira é cientista social, professor e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP-SP. O professor é articulista do jornal “O Estado de São Paulo” e compõe o Conselho Editorial da Fundação Astrojildo Pereira, que também tem dentre seus quadros intelectuais como Celso Frederico, Cesar Benjamin, Luiz Eduardo Soares, Luiz Gonzaga Beluzzo e Paulo Bonavides. Estas breves considerações iniciais servem para situar o leitor quanto aos pressupostos teórico-metodológicos e à orientação política de Marco Aurélio nesta obra, que na verdade é uma compilação de artigos que tem como fio condutor as manifestações de Junho 2013 e seus desdobramentos .
Certamente o autor não segue uma linha marxista-leninista ortodoxa. Quando se escreve sobre política e procura-se extrair diagnósticos bem como prover prognósticos ou soluções, dificilmente não se abre ao leitor qual são os rumos societários desejados e qual é a política adequada e desejada (pelo ponto de vista do autor). 

Nestes marcos, o autor se situa nos quadros de um reformismo de esquerda, buscando novos papeis do estado e da política que acompanhem uma nova dinâmica veloz em andamento e transformação que é a da sociedade civil. Trata-se de um democrata que busca reformar a democracia sem ilusões acerca de reformas políticas pontuais (voto distrital ou não, financiamento público ou não), mas buscando mesmo ressignificar  o papel de representar politicamente e combiná-lo com a nova tendência participativa, horizontal e não profissional da política. 

Em mais de um momento, Marco Aurélio afirma que o Brasil (e o Mundo) vive um momento de crise de identidade e uma crise política. Nossa crise política tem como origem a cisão entre uma sociedade que anda a passos largos em contraponto ao Estado que ficou para trás:

“Um último círculo precisa ser lembrado. Ele tem a ver com algo que se espalha pelo mundo como um furacão. É que a Política se dissociou da sociedade. Não diaologa mais com ela como opinião pública, como sociedade civil ou como estrutura social. O sistema político se isolou, vive encastelado concentrado em seus próprios interesses. Não se reforma e não se deixa reformar. Permanece como que acorrentado a um tempo pretérito, ao passo que a sociedade avança pelas ondas líquidas e digitais da vida hipermoderna”.

Uma reforma política diferenciada das propugnadas seria a solução. Ainda quanto à reforma política, diz o autor: 

“Uma reforma política digna do nome não pode privilegiar a moralização. Seu eixo é o revigoramento das instituições, a busca de coerência dos partidos, a lisura dos pleitos, a expressão facilitada e equilibrada das preferências da população, a inclusão de novos eleitores. Sua razão de ser é a revitalização das relações entre as pessoas e a sociedade civil e o Estado. É Recuperação do valor da política.

Porque para se ter política mais “limpa” e de melhor qualidade, é preciso que se tenha mais política. A reforma de que se necessita é um caminho para que a sociedade se articule melhor com o sistema político, projete nele seu modo de viver, pensar e fazer política”.

É muito comum ao fazermos uma análise de conjuntura – e é disso que se trata a compilação de textos em “As Ruas e A Democracia” – projetarmos nos mínimos detalhes a orientação política, o que de resto é bastante natural, frente à inviabilidade da neutralidade em qualquer base textual, ainda mais em termos de política. No que diz respeito à orientação reformista ou social democrática do autor, acaba perdendo espaço os principais lances de luta classes que atravessaram os manifestações de Junho de 2013 em troca de discussões eventualmente infrutíferas em torno dos aparelhos ideológicos do estado, reformas institucionais, modelos de governabilidade, etc. 

Por exemplo, nos artigos fala-se muito pouco sobre a mobilização da juventude e dos estudantes especificamente sobre o aumento das tarifas, elemento detonador das manifestações que de São Paulo, repercutiram nacionalmente e colocaram na defensiva a classe política de todo o país. O autor trata as manifestações como um movimento indistinto e uniforme desde as primeiras passeadas do passe livre em São Paulo, até as primeiras manifestações de massa essencialmente progressivas, até o “giro à direita” com a carnavalização do movimento numa ação orquestrada pelos oligopólios midiáticos que procurou transformas a “revolta” num “ato cívico”, estigmatizando “vândalos”  dos bons manifestantes.  

Os textos não fazem menção à greve geral convocada pelas centrais sindicas, ainda que a mesma não tido o peso que merecia. 

Por outro lado, as reflexões do autor sobre o novo ativismo dão pistas para se compreender como agem e quais são os limites de uma nova geração de militância, sendo de extrema importância sua leitura também para nós marxistas:

“Novas modalidades de engajamento antes de tudo jovens, mas não se resumem a eles pois tendem a crescer como uma espécie de paradigma da ação política. Sua característica essencial é o questionamento do ativismo tradicional sustentado por organizações hierárquicas, classes sociais e causas gerais. O novo ativista luta por direitos e reconhecimento, não por poder. São sacrifica  a vida pessoal em nome de uma causa coletiva ou da glória de uma organização. Não se referencia por líderes ou ideologias. Age festivamente e se rotinas fixas, valendo-se muitas vezes da sátira e do deboche. É multifocal, abraça várias causas ao mesmo tempo. Sua mobilização é intermitente. Muitos atuam de modo pragmático, profissionalizam-se como voluntários, buscam resultados mais do que confrontação sistêmica. Seu ambiente são as redes sociais, sua maior ferramenta a conectividades”.

Como resposta às manifestações de Junho, a presidenta Dilma R. elaborou 5 Pactos como resposta às exigências das ruas. Como se sabe, os protestos tiveram suas bandeiras diluídas e diversas pautas, mas de forma geral revelaram descontentamento com os governantes que aí estão, contra a corrupção, melhoria nos serviços públicos ou contra as obras da Copa das Confederações do Mundo. Dos mais importantes destes pactos, um plebiscito para uma assembleia constituinte para reforma política foi logo rejeitado pela classe política e OAB, sendo abandonada qualquer perspectiva de uma reforma política que, como dizem os petistas, “radicalize” a democracia no Brasil. Os demais Pactos propostos foram mais investimentos em saúde, educação, transporte público e responsabilidade fiscal. 

E, ainda,  2015 assistiríamos ao aumento da passagem em São Paulo para 2,50. 

“As Ruas e a Democracia” de Marco Aurélio Nogueira oferece-nos uma visão panorâmica dos eventos de Junho de 2013 complementados com artigos e reflexões sobre economia e sociedade do Brasil do período de transição entre o final do governo Lula e início do governo Dilma. É uma fonte rica em informações, dados e mesmo reflexões que ajudam a delimitar um painel do período. Todavia, para uma investigação mais totalizante de todos este objeto de estudo torna-se necessário situar a discussão desde a perspectiva da classe que vive do trabalho, o que envolveria dar um maior protagonismo aos trabalhadores e ao mundo do trabalho nas suas análises.   

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

“Cultura e Identidade Operária” – José Sérgio Leite Lopes (Org).

“Cultura e Identidade Operária” – José Sérgio Leite Lopes (Org). 




Resenha Livro – 188- “Cultura e Identidade Operária: Aspectos da Cultura da Classe Trabalhadora” – José Sérgio Leite Lopes (Org.) - Editora UFRJ

Depois de trinta anos de ofensiva neoliberal, observa-se como as transformações decorrentes da reestruturação produtiva ou, como qualifica David Harvey, do novo padrão de “acumulação flexível” impactou seriamente o mundo da cultura e especificamente o universo do trabalho. O que se observa é um esforço de se mitigar a centralidade do trabalho como fonte indivisível e central da produção da vida e da dotação de sentido à existência, em que pese as profundas mudanças em sua engenharia, introduzidas pelos padrões toyotistas, por fórmulas que ideologicamente buscam equiparar o trabalhador a “parceiros” ou “colaboradores” dos empregadores, supondo ultrapassados conceitos como exploração ou luta de classes.

Como não poderia deixar de ser, este esforço ideológico de disseminar a ideia do fim do trabalho bem como de mitigar a centralidade do trabalhador na história estão presente inclusive dentro de setores ditos de esquerda que se identificam com novos sujeitos emergentes de movimentos sociais que tomariam a dianteira dos rumos da luta por uma alternativa societária.

Tem-se portanto uma tarefa importante aqui e que vai além de uma disputa acadêmica. As repercussões políticas são evidentes e para aqueles que reivindicam uma tradição que luta por uma ruptura anticapitalista dirigida pelos trabalhadores, exsurge a necessidade de se conhecer profundamente a consciência operária, sua identidade, sua conformação histórica, suas especificidades nacionais: analisar minuciosamente seus traços fundamentais bem como levar este conhecimento às suas bases, por meio de sindicatos,  cursinhos populares, atividades de formação e principalmente através de lutas sociais.

A maior parte do material disponível sobre o proletariado brasileiro diz respeito à sociologia do trabalho: trata-se de pesquisas de campo envolvendo propriamente o cotidiano do labor, seja no chão de fábrica, no latifúndios modernos em que o agronegócio convive com o trabalho semiescravo com o cortador de cana, no cotidiano maçante do telemarketing.

Tivemos acesso a um livro que trata do universo dos trabalhadores de uma forma diferente. Trata-se de alguns artigos apresentados no encontro “Questões sobre a Cultura Operária” realizado pela Associação Brasileira de Antropologia. O Evento foi realizado no Museu Nacional na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1982 e sub-divide-se em duas partes.

A Primeira parte denomina-se “Questões sobre a Cultura Operária” e trata desde questões mais específicas e regionais como a proletarização do campesinato numa região do Vale do Itajaí até um artigo de caráter mais histórico revelando as particularidades da entrada em cena do Estado e suas leis trabalhistas entre os anos 1930 a 1940.

A Segunda parte dos artigos reunidos denomina-se “Aspectos sobre a família, identidade social e formas de dominação” referentes a grupos de trabalhadores urbanos. O que se tem aqui é várias interfaces entre a vivência da classe trabalhadora e suas múltiplas identidades, como pais ou chefes de família (“Família e operários de origem camponesa”); pescadores/trabalhadores afirmando sua masculinidade perante o grupo social (que coincide com o grupo de trabalho) desde o artigo

“Identidade social e padrões de agressividade verbal em um grupo de trabalhadores urbanos”.
De uma maneira geral, as pesquisas revelam uma heterogeneidade cultural e de identidade dos trabalhadores, o que deve colocar os marxistas-leninistas em alerta. Saber dialogar com tais subjetividades envolve conhecer tais variações, sem contudo perder um norte comum, uma orientação estratégica.

Ademais, através da história, observa-se algumas particularidades de nosso proletariado. Maria Rosilene Barbosa Alvim cita Juarez Brandão para revelar esta particularidade:

“Na introdução à Crise do Brasil Arcaico, Juarez Brandão Lopez diz que “em países como o Brasil, com um processo de industrialização incipiente, não chegou a alterar-se a organização social tradicional (...) as relações tradicionais de trabalho subsistem , no Brasil como em outros países subdesenvolvidos mesmo em áreas industrializadas”. Como existe “.... empresas situadas em áreas onde a organização tradicional ainda prevalece, pode-se observar práticas administrativas, referentes ao pessoal, quase não tocadas pelas concepções modernas importadas dos países adiantadas. 


O autor centra sua análise nas relações de trabalho industriais internas às fábricas têxteis de Sobrado e Mundo Novo, duas comunidades que crê impregnadas por uma organização social tradicional. O livro encaminha também a interpretação da continuidade do tradicionalismo das relações industriais com o tradicionalismo das relações sociais em geral de ambas as comunidades. Segundo o autor, nas duas cidades, a maioria da população, sendo operária e de origem rural, traz dentro de si a submissão própria às relações de cunho pessoal; portanto tradicional e patrimonialista”.


Como se sabe, tal tese encontraria forte divergência, eventualmente por redundar na ideia de que o proletariado brasileiro estaria condenado a ser passivo, condescendente com os desmandos dos industriais, etc. Provavelmente, Caio Prado Jr. estaria em desacordo com tal formulação. E a história do séc. XX no Brasil, a partir das greves de 1917, a fundação do PCB em 1922 e diversas lutas, em que pese a proibição e repressão estatal imposta põem óbice a tal conclusão acerca do “aburguesamento” do proletariado brasileiro. Por outro lado, é inegável que além do trabalhador do campo transferido à cidade, houve mesmo experiência de criação de vilas operárias no interior do país, com trabalhadores que se dedicavam tanto ao trabalho na fábrica quanto ao cultivo das terras.

Os empregadores se serviam largamente do trabalho feminino e infantil (a partir dos 10 anos) e buscavam contratar toda uma família, alojada na vila operária. Os salários pagos no interior eram muito mais baixos e a aprovação da lei do salário contou com apoio dos industriais das capitais e resistência dos fabricantes do interior.

De qualquer forma, o que nos importa aqui é ilustrar a importância de suscitar outros elementos eventualmente mais ocultos da classe operária que vive do trabalho: sua identidade perante os demais companheiros de trabalho, sua literatura, suas relações familiares, sua sexualidade. Se este conhecimento não substitui a vivência junto aos trabalhadores, ele é um caminho para uma melhor compreensão da classe, a classe na qual apostamos o futuro da história e, particularmente, num momento em que sua existência sobrevive combalida frente ao neoliberalismo que procura anulá-la.


AUTORES DOS ARTIGOS

LUIZ FERNANDO DIAS DUARTE 
MARIA CÉLIA PAOLI 
GIRALDA SEYFERTH
MARIA ROSILENE BARBOSA ALVIM