sábado, 25 de abril de 2015

“Sindicalismo e Privatizações das Telecomunicações” – Sávio Cavalcante

“Sindicalismo e Privatizações das Telecomunicações” – Sávio Cavalcante



Resenha Livro 168- “Sindicalismo e Privatizações das Telecomunicações” – Sávio Cavalcante – Ed. Expressão Popular – Apoio SinTPq e Fittel.  

Dentro da tradição marxista há mais de um entendimento para o conceito de “ideologia”. Falamos aqui de ideologia no sentido de “falsa consciência”. Ou mais especificamente no momento em que a classe dominante generaliza o conjunto do seus interesses de classes em ideias como se o fossem de toda a sociedade, sempre de uma forma mais ou menos oculta, ou “naturalizada” pelos indivíduos. 

Um bom exemplo da ideologia enquanto falsa consciência são os chamados “sensos comuns” que reiteradamente reforçam ideias reacionárias: “deus acuda quem cedo madruga” denota a ilusão no esforço individual frente à uma sociedade centrada na acumulação de capital, altamente excludente, cingida em classes e estruturalmente desigual. Seria possível pelo esforço individual um estudante pobre da periferia de São Paulo se tornar um médico formado pela USP? 

Pois o fenômeno da ideologia perpassa o discurso engendrado durante o fenômeno de privatizações das empresas estatais no Brasil, já a partir do governo Fernando Collor com seu Programa Nacional de Desestatização, mas não viabilizado com a crise política e o Impeachment, e efetivamente levado a cabo nos dois governos FHC. Esta publicação da Expressão Popular corresponde a uma defesa de mestrado defendida no IFCH-UNICAMP sob a orientação do professor Ricardo Antunes, tendo como tema a privatização das telecomunicações no Brasil, a reação e mobilização do movimento sindical, os resultados das medidas privatizantes para as categorias dos trabalhadores, lançando mão de uma reflexão mais profunda sobre neoliberalismo, seus efeitos no mundo do trabalho em países como o Brasil, a crise dos sindicatos e a introdução de empresas estrangeiros no país com as mudanças na morfologia do trabalho e aumentos da subcontratação. 

Em suma o que há hoje é a força de um certo discurso de que o exemplo da privatização das empresas do ramo de telecomunicação teria provado o pleno êxito de se vender as estatais, diante da ineficiência de seus serviços, dos altos preços das tarifas cobradas e principalmente do atraso tecnológico do setor. Todavia, o olhar mais apurado do pesquisador vai demonstrar que a realidade, vista de perto, é distante do discurso predominante na mídia e na boca dos políticos do então governista PSDB e PFL (hoje DEM). Antes, algumas considerações sobre a privatização em si. 

No dia 26.02.1995 foi enviada ao Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional (nº03/05) que previa o término do monopólio estatal na área de telecomunicações. Em setembro do mesmo ano o Senado aprova a emenda, que alterando o inciso XI do art. 21 da Constituição Federal de 1988 quebrou definitivamente o poder monopólico da Telebrás. Os únicos partidos que fizeram oposição parlamentar ao projeto foram PT, PCdoB e PDT. A CUT também se posicionou contra, pressionou, agitou manifestações, em que pese análises de que a direção (ligada à Articulação/CUT) foi moderada em sua mobilização; a Força Sindical apoiu e chamou manifestações de rua à favor das privatizações. 

O que é interessante pontuar é que ao contrário de hoje as privatizações tinham uma maior popularidade. O que aconteceu é que foi feita uma ampla campanha midiática de caráter ideológico à favor da privatização diante de um contexto de ofensiva neoliberal em nível mundial, poucos anos após a derrota da URSS. Falava-se na eficiência da economia de mercado frente ao burocratismo ou mesmo aos “privilégios” dos funcionários das estatais, contaminando a opinião pública e criando um clima que potencialmente dividia os trabalhadores. Assim se refere o autor:

“A análise de Boito J. vem ao encontro da situação aqui analisada, qual seja, o fato de que o neoliberalismo ‘confisca’ uma revolta popular instintiva e difusa ‘contra a cidadania restrita e hierarquizada e contra o estado clientelista’, ao colocá-la num novo formato que sustenta a política de reformas do Estado e regressão da própria cidadania e dos serviços públicos e sociais”. 

Cabe notar que a opinião pública sobre as privatizações tomadas em seu conjunto mudaram. Talvez com exceção justamente das teles, o povo e os trabalhadores brasileiro bem perceberam o engodo dos discursos do governo e da mídia. A privatização não gerou melhoria na prestação de serviços, nem serviços mais baratos, nem a qualidade de vida mudou significativamente antes e depois da privatização, muito pelo contrário – e por isso se constata que o assunto é evitado por políticos burgueses do turno e da oposição de direita nas eleições. 

No caso das teles, fala-se muito da ampliação dos serviços e das novas tecnologias. Mas pouco se fala sobre a concentração do acesso aos usuários com condições de pagar. Assim coloca Sávio Cavalcante: 

“Como já mencionamos o Sistema Telebras (antigo modelo estatal)  fazia uso dos subsídios para auxiliar as camadas mais pobres e regiões do país com menores recursos, de modo que sobretaxava serviços utilizados em maior escala pelos grandes usuários repassando essa parcela adicional à telefonia local, mais popular, que assim, se tornava menos cara. Ocorre que a crescente mercantilização das telecomunicações passou a ver o subsídio cruzado como grande vilão do modelo estatal (...)”

O modelo contraposto no pouco debate aberto pelo governo aos movimentos populares para à quebra do monopólio da Petrobrás se refere à um modelo de empresa 100% pública. No caso específico do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa Ciência e Tecnologia de São Paulo, ligado à CUT e mais proximamente acompanhado pelo pesquisador, trata-se de um modelo inteiramente estatal, com ênfase para o investimento em pesquisa tecnológica nacional em telecomunicação por meio CPqD, centro de pesquisa localizado em Campinas que, com a privalização e mudança do regime jurídico do setor, perdeu hoje sua finalidade original.

Mas certamente, os mais prejudicados pelas privatizações das telecomunicações foram os trabalhadores. Os números apresentados pelo pesquisador relacionando as privatizações e as reengenharias produtivas envolvendo demissões, contratações precarizantes (exemplo de demissão e re-contratação como estagiários) e especialmente subcontratação (terceirização) além do fechamento dos postos de trabalho, tudo isso sinaliza um momento político de defensiva dos sindicatos, dificuldade de mobilização contras as privatizações tendo em vista especialmente a alta do desemprego. 

“Com relação à remuneração, Uchima (2005, P. 50) avalia que o fim da política salarial teve como consequência a compressão dos salários e, aliado à redução ou mesmo extinção de benefícios, conclui que “a renda do trabalhador sobre uma significativa queda ao longo dos anos na Telefônica”, tendência que não é compensada pelos ganhos vindos do PLR (Participação nos Lucros e Resultados). S Oliveira (2004. P. 362) ressalta igualmente a ampliação das dificuldades para reposição de perdas salariais” com propostas de reajuste abaixo da inflação, alem de formas variadas de diferenciação por faixas salariais”. 

A questão das comunicações no Brasil surge-nos decididamente como um campo em que meras reformas jurídicas ou administrativas não terão o condão de reverter o grave déficit de falta de democracia e participação popular e dos trabalhadores desde a direção ao controle das empresas e dos órgãos de decisão do setor. Mas mesmo um sistema 100% estatal, como previa a Constituição de 1988, não basta. Há de ser um sistema estatal e público voltado a atender os interesses da sociedade, utilizando o critério do interesse público seja repartição dos canais de televisão, seja no desenvolvimento de tecnologias de telecomunicações. Certamente, só com mobilização e povo na rua será possível derrotar os cartéis que envolvem políticos e empresários da mídia que hoje monopolizam o setor.     

segunda-feira, 20 de abril de 2015

“O Sentido do Tenentismo” – Virginio Santa Rosa

“O Sentido do Tenentismo” – Virginio Santa Rosa 



Resenha Livro 167- “O Sentido do Tenentismo” – Virginio Santa Rosa – Editora Alfa Omega

Uma questão que ainda hoje suscita discussões dentre os historiadores trata das reais possibilidades de se fazer uma história do “período presente”: seria possível lançar um olhar sobre a conjuntura desde o ponto de vista e utilizando dos pressupostos teórico metodológicos do historiador, para analisar e interpretar a história presente, sem contar portanto com certa noção de perspectiva que favoreceria o olhar do historiador? 

Afinal, tal percepção em perspectiva teria como vantagem o entendimento dos rumos, dos resultados finais a que a história a ser analisada redundou. Em outros termos, um historiador em 2015, ao analisar a política das forças de esquerda antes do golpe militar de 1964, já teria noção de que a tática e a estratégia (ou a falta delas) teria levado o conjunto da esquerda a uma dura derrota conquanto um historiador contemporâneo sem tal noção estaria suscetível a um campo muito maior de respostas e interpretações. 

Este foi o questionamento com que Nelson Werneck Sodré iniciou o prefácio deste belo e singular estudo sobre o movimento tenentista no Brasil, desde que o ensaio foi escrito no ano de 1933, momento em que o tenentismo encontrava-se ainda atuante. Via de regra, as histórias escritas ao calor dos acontecimentos acabam redundando em análises superficiais, baseadas na descrição de eventos e personalidades, escritos meramente biográficos, redundando em fontes primárias muito mais descritivas do que interpretativas que buscam delinear os sentidos dos fatos. O pioneirismo do livro de Santa Rosa é que, mesmo escrito no calor dos acontecimentos, seu ensaio é uma analise interpretativa do tenentismo que busca explicar o fenômeno desde as suas origens mais essenciais, qual seja, as transformações e as lutas de classes no contexto das mudanças por que o Brasil passa entre a República Velha e a Revolução de 1930. Nesse sentido, Santa Rosa apenas consegue suprir a falta de perspectiva no tempo pelo seu método materialista e dialético que irá sempre extrair as explicações dos acontecimentos e da transformações da história dentro da luta dentre as duas principais frações de classes no período: a pequeno burguesia e as classes médias da cidade, da qual os tenentes são base de apoio, e os velhos detentores de poder, os latifundiários e as oligarquias regionais, com destaque para as elites de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. 

O tenentismo surgiu na década de 1920 como um movimento político-militar ligado aos oficiais de baixa patente tendo como principal bandeira a moralização da vida política brasileira e a inclusão/participação de maiores setores sociais nas decisões da vida política do país: propugnavam o fim do voto do cabresto, o voto secreto e reformas educacionais. 
Posteriormente, avançaram no sentido de também pautar reformas sociais no Brasil: 

“O Programa de reformas sociais do tenentismo embora ainda em fase inteiramente primitiva, inclinava-se a uma aliança mais estreita com a pequena burguesia brasileira. E, nesse sentido, adotava uma orientação de cunho social-democrata. Programa de classe média, igualmente longe de extremos burgueses e proletários. Um capitalismo moderado, pequeno burguês – o individualismo democrático recheado com organizações sindicais, cooperativas de produção e consumo, lei de salário mínimo, legislação sobre horas de trabalho, regularização do trabalho de mulheres e menores etc.”.  (Pg. 81)

Todavia, para além de uma definição acerca de suas bandeiras de luta, o entendimento do fenômeno do tenentismo exige circunscrevê-lo dentro de sua natureza de classe. Basicamente fora um movimento da pequena burguesia ou de classe média observando desde já que naquele período as classes médias no Brasil em sua intervenção política desempenhavam um papel bastante progressivo. 

Como visto, as lutas por melhores condições de trabalho, sindicalização, etc. eram encampadas por este setor enquanto o proletariado e suas organizações (década de 1920-30) ainda davam seus primeiros passos de organização. Isso se dá porque a luta de classes naquele contexto referia-se à ascensão (progressista) da burguesia nacional contra o domínio absoluto da classe latifundiária que dominava o Brasil pelo menos desde os primeiros anos da era colonial. E aqui quem explica é Nelson Werneck Sodré no seu prefácio: 

“A essência do movimento tenentista consistiu no seu papel ligado ao processo de ascensão da burguesia brasileira, em luta contra o absoluto domínio exercido pela classe latifundiária. Tal luta, na área política,  iniciou-se com a própria República. A ascensão burguesa sofreu uma derrota, entretanto, com a imposição da chamada “política dos governadores”, iniciada por Campos Sales, e complementando necessariamente a política econômica e financeira defendida por Joaquim Murtinho. Era o pleno domínio das oligarquias, que se refletiu, de forma ostensiva, no problema da representação, relegando os atos eleitorais a simples farsas, em que o latifúndio escolhia e impunha os seus representantes, vedando às demais classes e camadas sociais brasileiras, o direito à representação”. (pg. 17)

Por outro lado, o crescimento da pequena burguesia e a lutas travadas pelos tenentes em 1922 (Revolta do Forte de Copacabana), 1924 (Revolta Paulista comandada pelo tenente Isidoro Dias Lopes) e 1925 (Coluna Prestes) já sinalizavam de certa forma a ameaça do predomínio das velhas oligarquias dos grandes proprietários de terra, em que pese todos estes levantes terem sido derrotados. O golpe final viria com a Revolução de 1930 da qual os tenentes seriam um dos apoiadores, culminando numa nova correlação de forças políticas. 

A Revolução Constitucionalista de 1932 viria a servir como um esforço de revanche das elites alijadas do poder e posteriormente concessões tiveram de ter sido feitas. Como dito, o ensaio foi redigido em 1933, ainda num momento em aberto dentro do governo Getúlio Vargas. 

O autor, se por um lado, é capaz de apresentar chaves explicativas para as turbulências políticas que envolvem a ascensão da burguesia e da pequeno-burguesia no Brasil dos primeiros anos do séc. XX e das lutas de classes daí decorrentes, parece não considerar as demais classes, de todo resto igualmente olvidadas pelas elites dominantes da época: as incipientes classes laboriosas dos centros urbanos e as massas de trabalhadores rurais dependentes dos grandes latifundiários no campo. Na verdade, neste último caso, para fazer jus ao autor, Santa Rosa diagnostica o problema do latifúndio como um ponto decisivo para o nosso atraso, seja pelo desperdício de terras e braços, pela miséria do campo, seja em especial pelo domínio político imposto pelos coronéis que obrigam os agregados a votarem em seus candidatos. O que não deixa de ser uma tragédia é que um livro escrito em 1933 propugna uma bandeira ainda atual em ... 2015, a realização da reforma agrária. 

De qualquer forma, este ensaio sobre o tenentismo tem a vantagem de não se resumir a um mero relato com datas e eventos, mas oferecer chaves explicativas que dão ao leitor caminhos interpretativos para compreender o fenômeno dos tenentes e as lutas de classes que perpassam o período histórico. Tratou-se de um movimento político-militar que se expressou em alguns momentos em caráter revolucionário (1922, 1924, 1925, 1930), progressista naquele período histórico e que desafia nossa compreensão neste momento em que, numa conjuntura radicalmente distinta, nossa burguesia e pequena burguesia, desde as manifestações pelo golpe contra o PT estão politicamente ao lado da reação.  

sexta-feira, 17 de abril de 2015

“Teoria da Organização Política – IV” – (ORG.) Ademar Bogo

“Teoria da Organização Política – IV” – (ORG.) Ademar Bogo 



Resenha Livro 166– “Teoria da Organização Política – IV – Escritos de Gramsci, Ernesto Guevara, Florestan Fernandes, F. Engels, K. Marx, Mao Tse Tung, V. Lênin e Vo Nguyen Giap – Org. Ademar Bogo – Ed. Expressão Popular

“Quando nossos olhos se afiguram insuficientes, é necessário recorrer ao binóculo e ao microscópio. O método marxista é, ao mesmo tempo, um binóculo e um microscópio quer no plano político, quer no plano militar”  Mao Tse Tung

Este quarto volume de “Teoria da Organização Política” tem como tema os conceitos de tática e estratégia, duas referências teóricas que foram apropriadas pela teoria da organização política a partir da lógica militar: não seria portanto de se estranhar que boa parte dos trechos selecionados tivesse como autores personagens que efetivamente participaram diretamente de guerras de guerrilhas/revoluções e em momentos oportunos estabeleceram no plano teórico as interfaces entre as ciências políticas e militares, o que de resto fica evidenciado particularmente nos textos de Che, de Giap (Luta anticolonialista vietnamita), Lênin e Mao. 

Alguns denominadores comuns podem ser extraídos da leitora destes autores, em que pese os distintos contextos históricos em que foram redigidos bem como recortes temáticos de cada intervenção. Tanto a experiência cubana quanto a experiência vietnamita revitalizam a tática da luta de guerrilhas, colocando como condição para sua vitória o apoio popular e especialmente a adesão da população decorrente de um trabalho de conscientização política. 

Segundo Giap, este seria um elemento que diferenciaria o exercito popular dos exércitos invasores, um elemento moral que garantiria a vitória diante de um inimigo imperialista maior em número e equipamentos bélicos: a heroica vitória de Dien Bien Phu é um exemplo que vale a pena ser conhecido por todos os comunistas ainda hoje, como uma referência de luta tenaz e que pôs abaixo a dominação imperialista, tal qual a revolução cubana de 1959. Dien Phu foi uma ofensiva de 55 dias em 1954 pelo exército popular vietnamita culminando na expulsão do imperialismo francês daquela fortificação; outros lances heroicos tomariam lugar naquele contexto como em 30 de Janeiro de 1968 quando uma ofensiva dirigida por Giap deslocou uma luta militar do interior do país para os grandes centros urbanos, resultando na tomada da embaixada norte-americana em Saigon e atacando simultaneamente 36 cidades. A guerra revolucionária duraria enfim 20 anos até 2 de Julho de 1976 alcançando a instalação da República Socialista do Vietnã, com a unificação do país. 

Dentre os ensinamentos da revolução no Vietnã há a questão da consciência política como parte do fortalecimento da moral militar. Assim preleciona Giap:

“Esse heroísmo e essa resistência foram forjados ao longo de muitos anos de luta. Durante o outono de 1953-1954 em particular, os cursos políticos sobre a mobilização das massas sobre a reforma agrária tinham duplicado o ardor revolucionário do nosso exército. Não saberíamos sublinhar o papel considerável dessa política agrária nas vitórias do inverno e da primavera, notadamente em Dien Bien Phu. No front de Dien Bien Phu, durante o período de preparação, o nosso exército, pela pujança de seu trabalho criador, abriu ele mesmo a rota de abastecimento de Tuan Giao à Dien Bien Phu, e abriu outras rotas para levar a artilharia sobre o campo de batalha, através das montanhas e das florestas, providenciou abrigos para nossas baterias, cavou trincheiras que começavam nos lugares mais altos para descer até os vales, alterou a configuração natural dos terreno, nivelou enormes obstáculos e criou todas as condições favoráveis à destruição do inimigo”. 

Mao Tse Tung em seu “A Defensiva Estratégica” comenta também a superioridade moral dos exércitos de libertação nacional frente aos imperialistas o que corroborava no plano militar para uma tática de guerra de longa duração. Em geral o Exército Vermelho deve sempre procurar o apoio da população civil o que nas condições de uma luta contra um invasor estrangeiro favorecia a percepção da justeza  da causa revolucionária. Diz Mao:

“O Caráter prolongado da guerra explica-se pelo fato de as forças da reação serem possantes, enquanto que as da revolução só crescem gradualmente. Aqui, a impaciência é prejudicial, como é errado exigir uma “decisão rápida”.

Che Guevara também aborda o problema da guerra de guerrilha desde suas experiências pessoais buscando extrair algumas lições teóricas e práticas. No texto “Guerra de Guerrilha: um método”, pontua que a guerrilha é apenas um meio de luta possível cujo fim é a tomada do poder político. 

Partindo da vitoriosa Revolução Cubana, Che aponta 3 contribuições fundamentais daquela luta para os movimentos revolucionários latino-americanos: (i) as forças populares podem ganhar uma guerra contra o exército; (ii) nem sempre é preciso esperar que estejam dadas todas as condições para a revolução, o foco insurrecional pode cria-las (teoria do foquismo); (iii) na América subdesenvolvida o terreno da luta armada deve ser fundamentalmente o campo. 

Dois problemas importantes podem ser extraídos desde uma leitura a posteriori das premissas elencadas por Che. No ponto nº 2, a teoria do foquismo revelou-se um fracasso, ao menos no Brasil, onde a falta de condições objetivas para um levante revolucionária não puderam ser supridas por ações armadas de pequenos grupos de extrema esquerda atuando na cidade e no campo. Em certo sentido temos aqui uma reedição do terrorismo dos SR e dos populistas combatidos por Lênin que interviam politicamente sem lastrear suas ações dentro do movimento de massas. Não é possível criar um foco insurrecional deslocado da dinâmica objetiva da luta de classes: o partido operário deve estar à frente da classe revolucionária nos momentos de crise revolucionária, organizá-la e dirigi-la rumo à vitória. 

No ponto nº 3 existia igualmente uma análise parcial e errônea da realidade do campo. De acordo com a Segunda Declaração de Havana:

“Em nossos países (da América Latina), juntam-se as circunstâncias de uma indústria subdesenvolvida com um regime agrário de caráter feudal”.

Ora conforme bem pontuou Caio Prado Jr. de forma pioneira, não havia no Brasil Colonial e muito menos no Brasil de meados do séc. XX relações feudais no campo – o sentido de nossa colonização está relacionado a um projeto agro-exportador dependente de modo que as classes oprimidas do campo não equivalem aos “camponeses da gleba” mas antes a trabalhadores precarizados em busca de direitos sociais (e não propriamente em busca de “terra”). Este erro de apreciação igualmente levaria a setores de esquerda a ações políticas inócuas, da qual a mais importante seria a Guerrilha do Araguaia.  

Por outro lado, Che Guevara reconhece de forma pioneira que a revolução na América Latina deve ser dirigida pelos trabalhadores, não se podendo confiar a luta na vacilante burguesia nacional, um erro cujos fins dramáticos culminaram na derrota de João Goulart e no golpe de 1964. Vejamos: 

“Nas atuais condições históricas da América Latina, a burguesia nacional não pode dirigir a luta antifeudal e anti-imperialista. A experiência demonstra que em nossas nações essa classe, mesmo quando seus interesses são contraditórios com os do imperialismo ianque, é incapaz de enfrenta-lo, paralisada pelo medo da revolução social e assustada pelo clamor das massas exploradas”. 

Ainda haveria muitos destaques a serem feitos desde as análises de autores deste volume, como Lênin, Gramsci, Marx, Engels e Florestan. Deixamos esta tarefa aos leitores. A oportunidade do estudo da Teoria da Organização Política neste momento é decisiva: estas reflexões vão nos dando aportes para pensar e agir num contexto de radicalização da luta de classes. Nestes momentos de polarização política, as ilusões democráticas se desfacelam, a  violência assume um novo sentido distinto do senso comum e entendemos verdadeiramente porque a guerra é a realização da política por outros meios. 
 

sábado, 11 de abril de 2015

“História do Marxismo no Brasil – Os Influxos Teóricos (II) ” – João Quartim de Moraes (Org.)

“História do Marxismo no Brasil – Os Influxos Teóricos (II) ” – João Quartim de Moraes (Org.)



Resenha Livro 165 - “História do Marxismo no Brasil – Os Influxos Teóricos (II) ” – João Quartim de Moraes (Org.) – Editora Unicamp 

Tivemos acesso ao segundo volume desta “História do Marxismo no Brasil”, sob a organização de João Quartim de Moraes. O livro é resultado de seminários acadêmicos realizados em Teresópolis (Junho de 1988) e Serra Negra (1990). Este compêndio tem um interesse especial para uma área de pesquisa ainda pouco explorada no país: a história das ideias políticas no Brasil, aqui tendo como recorte o pensamento marxista. Os artigos versam sobre a recepção das ideias de Marx e dos marxismos ao longo da história, de modo a analisarmos como foi se dando a incorporação desta tradição política dentro da universidade, do movimento sindical, político partidário e no contexto das lutas sociais. Ademais, discute-se os momentos em que as ideias marxistas aqui no Brasil sofreram mutações ou saltos de qualidade decorrentes de fatores endógenos. 

Ao todo são 6 artigos, que irão seguir a cronologia histórica, partindo dos primeiros influxos no final do século XIX, até a recepção e disseminação de influentes autores marxistas no país como Lukács ou Gramsci. No que tange aos supracitados fatores endógenos, temos na filosofia a contribuição acadêmica de José Arthur Giannotti, além de Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré. 

O primeiro artigo do livro é de autoria de Cláudio Batalha e descreve os primeiros influxos de ideias socialistas no Brasil ainda no século XIX e início do XX, momento em que a dificuldade de acesso e difusão das obras, bem como o próprio pioneirismo das próprias ideias de Marx naquele momento resultavam num entendimento bastante precário e eclético da política,  resultando em “socialistas” que misturavam ideias do cooperativismo, do positivismo e do iluminismo francês. É possível encontrar até autores de artigos que buscam interfaces entre o socialismo científico e o darwinismo. 

À luz dos nossos conhecimentos atuais, dificilmente identificaríamos aqueles ativistas pioneiros como marxistas: são antes socialistas, em sua maioria reformistas, especificamente identificados com as teses da II Internacional e alguns poucos autores disponíveis como Ferdinand Lassalle (fundador do partido operário alemão) ou Benoir Malon. Todavia, o que o faz parte da tradição marxista é o fato de que pela primeira vez alguém propõe organizações operárias independentes. Também defendem a ação política e a organização dos trabalhadores, ainda que pela via eleitoral:

“Inicialmente a argumentação apresentada para justificar a necessidade do partido operário revela um certo oportunismo eleitoral. Não se tratar ainda da ideia de um “partido de classe” como instrumento de transformação, que efetivamente estaria presente no discurso socialista dos últimos anos da década de 1890 e, sobretudo, a partir dos primeiros anos do século seguinte. Nesse primeiro momento, os socialistas brasileiros parecem estar se referindo a simples siglas que deveriam possibilitar a eleição de “verdadeiros trabalhadores” para o poder legislativo”. (Pg. 15 BATALHA, Cláudio)

Há de se contextualizar a política daqueles primeiros socialistas: o Brasil recém saído da escravidão tinha a questão social ainda como uma “questão de polícia”, não havendo qualquer direito trabalhista ou de representação dos trabalhadores. Alguns destes ousados socialistas que apenas pediam participação política, naquele contexto, foram duramente perseguidos, como Luiz França e Silva, “o primeiro mártir do socialismo no país” segundo Estevam Estrella. 

Trata-se sim de uma parcela da história do movimento socialista brasileiro pouco conhecida, desde que o mais comum é ouvirmos falar que com a vinda dos imigrantes italianos e alemães, houve exclusivamente anarquistas que em bloco teriam aderido ao comunismo entre 1917 (Revolução Russa) e 1922 (Fundação do Partido Comunista Brasileiro).  

Quanto às bandeiras propugnadas pelos socialistas brasileiros entre 1890 e 1914, eram a expressão política mais avançada do que a teoria da negação da luta parlamentar anarquista: diminuição da jornada de trabalho, restrição ao trabalho feminino nas fábricas, proibição do trabalho infantil, reforma educacional, reforma eleitoral, etc..   

Todavia, como dizíamos, estes primeiros socialistas não eram “marxistas” propriamente ditos. A rigor, o marxismo surge no Brasil com o corte leninista suscitado pela Revolução Russa, tendo como seus pioneiros os ex-anarquistas Astrojildo Pereira e Otávio Brandão. Pode-se dizer portanto que o marxismo fundou-se no Brasil através do leninismo, com um forte conteúdo crítico ao reformismo produzido pela social-democracia e ancorado na expectativa da ação revolucionária – o que redundaria entre outros fatores em leituras apressadas da realidade nacional que culminariam no fracassado levante comunista de 1935. 

É de Otávio Brandão também a primeira tentativa de análise da realidade social brasileira a partir do método marxista com o seu “Agrarismo e Industrialismo”(1924). Infelizmente, uma certa esquerda acadêmica fez uma leitura anacrônica desta obra pioneira fazendo deboche da superficialidade inevitável na aplicação do método dialético de Brandão – ressentimos todavia pelo bem dos estudos da história das ideias políticas brasileiras de novas edições deste livro inaugural de nossa literatura marxista que, apesar de seus vícios metodológicos, aponta de forma prematura para a crise política social que viria a ocorrer no Brasil dos anos 1930. 

Não foi intenção dos organizadores de “História do Marxismo no Brasil V. II” esgotar um tema de pesquisa tão vasto e ainda tão pouco discutido pela esquerda quanto a evolução da consciência política do movimento marxista nacional, sempre considerando a “evolução” não como um processo teleológico mas como um processo que suscitas idas e vindas – como se observa por exemplo no caso dos estudos e análises do pensador húngaro Lukács que ganha força a partir do XX Congresso do Partido Comunista da URSS no mundo, no Brasil com o golpe militar em 1964 e os novos rumos do PCB para entrar em refluxo nos anos 1980.  Outrossim, podemos dizer que na década de 1940,1950 e 1960 o Brasil teve uma política cultural e acadêmica marxista e comunista muito mais consistente do que hoje: basta comparar a quantidade de publicações com tal orientação político-metodológica e autores do nível de Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré e José Arthur Giannotti. De qualquer forma, mesmo os autores reconhecem a ausência de um capítulo dedicado ao filósofo francês. L. Althusser, de resto, um pensador que volta a ser pesquisado diante da miséria do marxismo reformista que renega sua vocação científica. 

“Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário vitorioso” dizia Lênin. Constatando nossa trajetória no plano da história das ideias marxistas no Brasil, observamos um momento de refluxo, em que os intelectuais, sempre em aliança permanente e indestrutível com os trabalhadores, têm a obrigação de fazer avançar o conhecimento sobre a realidade com o objetivo de revolucioná-la. 

terça-feira, 7 de abril de 2015

“Fidel – Grandes Líderes” – John J. Vail

“Fidel – Grandes Líderes” – John J. Vail



Resenha Livro 164- “Fidel – Grandes Líderes” – John J. Vail – Editora Nova Cultural 1987 

Qual é o papel que um indivíduo pode exercer no desenvolvimento da história? O indivíduo quando se converte num líder é a expressão de um movimento objetivo e independente de sua vontade ou é antes de mais nada o verdadeiro portador da “luz” que ilumina os caminhos das massas e dos fatos?

Esta discussão sobre os “Grandes Líderes” na história tem intrigado historiadores e é um campo aberto para filosofia/metodologia da História.

Desde o ponto de vista marxista, entende-se que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. (MARX, Karl. O 18 de Brumário. 1852).

E nos momentos de acirramento da luta de classes é comum a polarização política projetar lideranças que expressam os anseios, as expectativas e a consciência de sua respectiva classe ou fração de classe. 

Mussolini com o seu terror fascista na Itália foi uma expressão do ponto de vista da pequeno-burguesia e da burguesia italiana diante da possibilidade real de revolução proletária  na Itália do Pós Guerra. Já diria Adorno que o fascismo é o index da derrota da revolução.

Lênin foi a maior autoridade da Revolução Russa não só por ser o porta-voz mais perfeito do proletariado e campesinato revolucionário especialmente nos meses que antecedem outubro de 1917, mas por também angariar a confiança das massas trabalhadores da cidade e do campo no sentido de trilhar o caminho da vitória. Lançar as palavras de ordem certas no momento oportuno.

O que diferencia Mussolini (um pequeno líder) e Lênin (um grande líder)? O fato de que o segundo não só era a expressão de um momento histórico mas também o porta-voz de um mundo que estava por vir. E o traço essencial do grande líder é: a sua história pessoal acaba se confundindo com a história de seu povo.  Dentro deste critério, podemos também acrescentar como “Grandes Líderes”, Mao Tsé Tung (China), Carlos Fonseca (Nicarágua),  Fidel Castro (Cuba) e outros. Conhecer a vida pessoal de cada um deles é entender um pouco mais respectivamente das Revoluções Chinesa, Sandinista e Cubana.

Fidel Castro e a Revolução Cubana

Fidel Castro nasceu em 13 de Agosto de 1927. Seu pai, Angel Castro era um imigrante espanhol em Cuba que se convertera num proprietário de 9300 hectares de terras cultivadas de cana de açúcar. Sua mãe foi uma camponesa que trabalhava como cozinheira. O fato é que na Província do Oriente onde cresceu, Fidel viveu numa família abastada: enquanto os colegas de escola iam descalços para a aula e moravam em casebres, Fidel morava numa ampla casa, com roupas finas e boa alimentação. Eventualmente este choque de realidade deve ter tido o efeito de sensibilizá-lo a seguir os estudos na área de Direito.

Fidel ingressou na Universidade de Havana em 1945 e desde logo envolveu-se com política e movimento estudantil. Tratava-se de um movimento com bastante ação o que decorria da própria tradição política cubana marcada por corrupção, violência e autoritarismo. 

Assim assinala John Vail:

“Castro e sua geração herdaram um passado político tempestuoso. A independência de Cuba teve início em 1902, quando os Estados Unidos retiraram suas tropas e Tomás Estrada Palma tornou-se o primeiro presidente do país. No entanto, Cuba era uma república independente só no nome. Por três vezes, nos 23 anos que se seguiram, os Estados Unidos enviaram tropas para reprimir revoltas e assegurar a lealdade cubana aos interesses dos norte-americanos. Durante sete anos, nesse período, o governo  de Cuba foi diretamente controlado por representante dos Estados Unidos. Em função disso, os partidos políticos ficaram completamente desacreditados, as eleições eram uma farsa e a corrupção tornou-se um aspecto fundamental da vida política cubana” (Pg. 23).

No dia 10 de Março de 1952 o ex-presidente F. Batista depôs o presidente Carlos P. Socarrás por meio de um golpe militar. Batista suspendeu a liberdade de opinião, proibiu eleições e ainda assim foi prontamente reconhecido pelo governo dos EUA. Diante do estado de exceção, só havia uma solução para derrotar o golpe direitista: a luta armada.

O 26 de Julho de 1953 é uma data chave constituindo o início da Revolução Cubana. Foi quando ocorreu o assalto militarmente frustrado de guarnição militar de Moncada, localizada na Província do Oriente.

O objetivo da ação era: (i) conquistar armas para iniciar a luta armada para derrubar Batista; (ii) inspirar uma revolta popular seguida por uma revolução em toda nação. O ataque foi mal sucedido por questões táticas (falta de preparo entre os combatentes) além da inferioridade numérica. Ainda assim foi tamanho o estrago provocado por aquele pequeno grupo de guerrilheiro (estavam numa proporção de 10 para 1) que Batista exigiu uma punição exemplar e terrorista envolvendo torturas, assassinato de 80 combatentes capturados vivos e prisões de moradores não envolvidos na ação. Esta reação do governo despertou ainda mais o ódio do povo contra o regime.

“O Ataque ao Moncada foi uma derrota militar mas como Castro havia predito, transformou-se numa importante vitória política. Ele e seus partidários tornaram-se ídolos de uma nova geração de cubanos” (Pg. 30). 

Em 1955, Fidel e seus camaradas são exilados e desde o México tramam uma nova ação que teria início no dia 02 de Dezembro com o Desembarque em Cuba no iate Granma, um barco bastante castigado pelo tempo. Havia a expectativa que concomitantemente ao desembarque houvesse um levante em Santiago organizado pelo Movimento 26 de Julho, movimento que resultou frustrado. O início da luta era nas condições mais adversas e ainda assim o que é marcante naqueles revolucionários é a certeza da vitória, o que é produto da íntima convicção da justeza de sua causa:

“Os rebeldes marcharam sem comida e água por três dias. Em 5 de dezembro, sem saber que um fazendeiro local os delatara às tropas do governo, os homens pararam para descansar em um canavial. O campo foi cercado pelos soldados que abriram fogo sobre os rebeldes. No mínimo vinte homens de Castro morreram na emboscada. Alguns se entregaram e foram mortos; outros poucos foram capturados e levados a julgamento; o resto escapou em pequenos grupos. Com dois ou três sobreviventes, Castro escondeu-se dos soldados do governo durante vários dias” (Pg. 36)

A guerra de guerrilha a partir da Sierra Maestra para se desenvolver teve de ir ganhando a confiança dos camponeses, o que não era difícil frente a forte diferença moral das tropas revolucionárias do movimento fidelistas e das tropas de Batistas que indistintamente torturavam e matavam qualquer suspeito de colaborar com os guerrilheiros. Greves começaram a estourar nas cidades e a entrevista de Fidel Castro junto ao jornalista Herbert Matthews correspondente do New York Times deu projeção internacional ao movimento oposicionista em Cuba. Os estudantes entraram em cena e tentaram assaltar o palácio governamental. Em setembro de 1957, a guarnição naval de Cietrifuegos amotinou-se assumindo o controle da cidade, ainda que a rebelião tenha sido logo debelada. Rebeldes lançavam bombas em edifícios governamentais. Finalmente, em 31 de Dezembro de 1958, Santa Clara capitula ante as tropas de Che Guevara e no dia subsequente, sem qualquer condições de resistir, Batista foge de Cuba.

Alguns dias depois Fidel Castro e seus camaradas entram triunfantes em Havana e designam um governo Provisório.

As primeiras medidas do governo revolucionário dirigido pelo movimento 26 de Julho foram: (i) redução dos alugueis; (ii) novos níveis salariais; (iii) substituição dos diretores dos órgãos governamentais por oficiais  revolucionários. O novo governo atacou com rigor a prostituição e o jogo que eram suportes do comércio nos tempos de Batista.

Logo depois viriam medidas que iriam de encontro aos interesses dos EUA, como a reforma agrária e as nacionalizações, dando início e um longo tensionamento político-diplomático junto ao imperialismo norte-americano.

Desde então são mais de meio século de resistência da brava revolução cubana, em que pese todos os seus erros e acertos, o que é natural num processo de experimentação política na perspectiva do socialismo – aliás, o socialismo como modelo de governo seria formalizado apenas em 1961.

E neste pequeno laboratório grandes feitos foram realizados e estão guardados no patrimônio das experiências socialistas:

Educação

“Em 1961, designado o “Ano da Educação” foi iniciada campanha maciça de alfabetização para crianças e adultos. Mais de 100 000 alunos das escolas secundárias das grandes e médias cidades foram enviados ao campo para ensinar as primeiras letras para a população analfabeta. No final do ano, os princípios básicos da leitura tinham sido ensinados a cerca de 700 000 adultos. (...) Mais de um terço da população (3,5 milhões de pessoas) estava matriculada em escolas, incluindo quase todas as crianças de 6 a 14 anos de idade. O índice de analfabetismo caiu para 4%. A revolução estava conseguindo vencer o analfabetismo.” (Dados de 1986) 

Saúde 

“A saúde dos cidadãos cubanos melhorou notavelmente depois da revolução. As faculdade de medicina foram requisitadas para desenvolver um trabalho na área rural. Grandes programas preventivos e campanhas de vacinação em massa eliminaram a poliomielite, reduziram a febre tifoide e a malária. Doenças tipicamente associadas à pobreza, como diarreia aguda e a tuberculose, deixaram de figurar entre as principais causas de mortalidade. A expectativa de vida dos cubanos elevou-se de 57 anos em 1958, para 73 anos em 1983 e houve uma enorme queda nos índices de mortalidade infantil. Em 1983, este índice foi de 16,3 (por 1000 nascimentos) o que colocava Cuba ao lado dos mais avançados do mundo (Dados de 1986). 

Não deve haver aqui qualquer vacilação. Os marxistas-leninistas devem estar hoje, em 2015 (2017), ao lado da Revolução Cubana, defendendo sua história, seu patrimônio histórico e solidários sempre a seu povo heroico que ainda resiste as tentativas de restauração capitalista patrocinadas pelo imperialismo.

sábado, 4 de abril de 2015

“Lições sobre o Fascismo” – Palmiro Togliatti

“Lições sobre o Fascismo” – Palmiro Togliatti



Resenha Livro 163- “Lições sobre o Fascismo” – Palmiro Togliatti – Livraria Editora Ciências Humanas

O Fascismo foi um fenômeno político surgido em meados do século XX que encontrou maiores expressões típicas na Itália de Mussolini, na Alemanha nazista de Hitler, bem como em experiências talvez menos lembradas como na Bulgária de Alexander Tsankov (1923-19134), na Espanha de Franco, na Hungria com o partido da Cruz Fechada e no Salazarismo português.

São em linhas gerais regimes autoritários de direita, ultra-nacionalistas, que se servem do personalismo político e do terror para perseguição dos seus adversários.

A definição dada por Stálin na XIII Assembleia Plenária da Internacional Comunista e sancionada por Dimitrov no VII Congresso da III Internacional serve como ponto de partida para análise do fascismo italiano em Palmiro Togliatti: “O fascismo é uma ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro”.

Seria portanto uma expressão política (não necessária)  do capitalismo em sua fase imperialista. Afinal, há países como a Inglaterra e França que foram profundamente imperialistas e que formalmente mantêm um regime liberal-republicano.  A resultante fascista resulta de algumas variáveis, dentre as quais a mais importante é a correlação entre as classes sociais: o fascismo corresponde a um instrumento da burguesia contra a classe operária num momento de crise revolucionária, conforme prelecionam os fatos italianos.

Estas “Lições Sobre o Fascismo” são o resultado de um curso dado por P. Togliatti para 50 exilados italianos na URSS no ano de 1935. Ou seja, trata-se de uma série de palestras sobre um fenômeno encarado por um contemporâneo, um dirigente do Partido Comunista Italiano que busca esmiuçar todas as características daquele novo movimento político (o que era o partido fascista, o fascismo e a questão sindical, a questão do corporativismo, a questão da propaganda e as associações recreativas fascistas) sempre tendo como norte não só explicar os fenômenos mas apontar qual deveria ser a política (na maior parte do caso na ilegalidade ) para os comunistas, naquele contexto.

Deste modo, as lições abarcam o período que vai do surgimento do “Fasci di Combattimento”, espécie de milícias fundadas por Mussolini em 1919, quando estes grupos já perseguiam nas ruas de Milão com violência opositores de esquerda, se servindo de ideais nacionalistas e do mal estar decorrente da crise do pós I Guerra Mundial, passando pela eleição de 1921, a eleição de 30 deputados daquele movimento, 1922 com a Marcha sobre Roma com o afluxo de milhares de fascistas sobre a capital da cidade e a nomeação de Mussolini como primeiro ministro.

Já nas eleições de 1924 feita sob um parlamento inteiramente submetido ao controle fascista são eleitos 213 deputados, e paulatinamente o regime vai se convertendo num bloco totalitário e monolítico, com a expulsão, perseguição ou incorporação de todas as outras forças políticas (católicos, liberais, reformistas, além é claro dos comunistas) até a ditadura fascista propriamente dita.

Um dado interessante é que se num primeiro momento o fascismo se aparenta muito mais a um movimento da pequeno-burguesia com uma retórica até socialista/popular, cada vez mais ele vai se consolidando como o partido unificado da burguesia:

 “A burguesia italiana tem no Partido Fascista uma organização de tipo novo, capaz de exercer a ditadura aberta sobre as classes trabalhadoras. Além disso, através de toda uma série de outros organismos e de vínculos, o Partido Fascista torna-se a organização que dá a burguesia italiana a possibilidade de exercer a todo o momento, uma pressão armada sobre as massas trabalhadoras. Com efeito, o Partido Fascista criou a seu lado uma milícia que também sofreu transformações, mas que, apesar de tudo, conservou o caráter de organização armada de partido (...) Através dela (milícia) o partido controla amplas massas. A milícia é uma das bases principais da força da ditadura”. 

Entrementes, o curioso é que no campo, ainda que a política fascista cada vez mais beneficie os mais ricos proprietários em detrimentos dos pequenos e médios camponeses – e a política fiscal do trigo trazida a luz por Togliatti é bastante clara  nesse sentido – observa-se também como além dos grandes capitalistas arrendatários serem os principais apoiadores dos fascistas, aquele país ainda com alguns resquícios de feudalismo no campo teria em seus setores sociais mais atrasados bases de apoio ao fascismo, desta vez por motivos de ordem ideológica. Um sinal inconfundível de que o fascismo no plano ideológico sempre expressa o que há de mais reacionário e atrasado na sociedade:

“O fascismo alterou alguma coisa? Sim. Alterou alguma coisa no sentido de que tornou muito mais sólidas, mas fortes as posições da indústria na Itália em comparação com as da agricultura, a economia as posições do capital financeiro. Com isso desapareceram talvez os resíduos feudais? É uma pesquisa que nosso partido ainda não fez. Nosso partido ainda não fez, por exemplo, uma pesquisa sobre os resíduos feudais na Sicília, onde eles são notoriamente mais fortes que em outras partes. Mas podemos dizer que , onde justamente esses resíduos feudais existem, o fascismo não os destruiu, porque é justamente sobre essa camada que o fascismo se apoia, por exemplo na Sicília”.    

Em síntese, o que o estudo de um contemporâneo como Togliatti nos mostra acerca do Fascismo é que toda esta escalada de poder pelos fascistas não foi resultado de um plano premeditado ou uma evolução necessária decorrente da ausência de forças que contivessem o plano original e irrefreável dos fascistas. Tratou-se muito mais de um processo de vai-e-vens com importantes mudanças dentro da própria composição interna no movimento fascista – basta lembrar os centuriões, os arditis e os grupos oficiais, os fascistas de 1ª geração que tinham e foram afastados do poder já nos anos 1920, tidos como idealistas. E o movimento político altera sua composição de classe também, de um movimento pequeno burguês com apelo popular para um movimento burguês de terror contra as massas. De um movimento que se apoia no médio e pequeno proprietário rural a um movimento que se apoio nos bancos, arrendatários e latifundiários para modernizar a agricultura.  Ademais, fora um movimento a todo instante eivado de contradições, que passou por crises econômicas (1930) e arrochos salariais – e teve seu fim com a degolação em praça pública de Mussolini após a II Guerra, um fato dramático que pode ser pressentido pelas inúmeras contradições internas do fascismo apontadas pelo curso de P. Togliatti.

Um debate que deve ser feito finalmente é sobre a universalidade do fenômeno fascista. É possível  usar este conceito para outras experiências históricas, em que medida e até que ponto?

Reivindicando o conceito stalinista segundo o qual “O fascismo é uma ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro” pensamos ser sim possível não só observar a reiteração deste fenômeno ao longo do século XX, mas a possibilidade da atual etapa história engendrar novos regimes fascistas, que devem ser analisados em sua realidade concreta e dentro de suas especificidades. O fascismo significa a situação de maior adversidade para a existência e condições de luta da classe trabalhadora e o debate sobre o tema deve avançar. Isto não nos autoriza a atual prática despolitizadora de imputar a todo e qualquer adversário de esquerda o rótulo de fascista, prática comum da esquerda pequeno burguesa de classe média (universitária) que em suas infindáveis discussões sem finalidade e relevância sobre gênero, raça, orientação sxual e opressões afins imputam a todos que pensam de forma diferente o termo "fascista". Confundir o uso do termo fascista e diluir o conceito só favorece os verdadeiros adversários mais radicais e perigosos da esquerda marxista leninista.