segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

“Às Portas da Revolução – Escritos de Lênin de 1917” – Slavoj Zizec (Org.)

“Às Portas da Revolução – Escritos de Lênin de 1917” – Slavoj  Zizec (Org.)




Resenha Livro  203- “Às Portas da Revolução – Escritos de Lênin de 1917” – Slavoj  Zizec (Org.) – Ed. Boitempo

A Revolução Russa de 1917, diante das especificidades do desenvolvimento do capitalismo num país extremamente atrasado do ponto de vista social e político, envolveu num mesmo lance histórico duas etapas históricas. Enquanto em 1905, o que se passou no território russo foi um ensaio geral da revolução, os eventos de março e outubro de 1917 fizeram com que dentro de um ano a revolução passasse pela sua etapa burguesa com a derrubada do czarismo (o equivalente russo ao Antigo Regime que fora destruído em 1789 pela Revolução Francesa) e pela sua fase socialista com a tomada do poder político pelos bolcheviques – a revolução socialista propriamente dita envolveu a derrota das forças políticas vacilantes da pequena burguesia, os socialistas revolucionários e os capitalistas que dirigiam o país desde a queda do Czar, não entregaram a terra aos camponeses e não puseram fim à guerra, os principais clamores da população. Tais palavras de ordem seriam cumpridas pelos bolcheviques no poder. 

A seleção de textos de Lênin feita pelo filósofo esloveno Slavoj Zizec envolve justamente os meses que vão do retorno do dirigente bolchevique do exílio com sua chegada na Rússia em abril de 1917 até os momentos anteriores e imediatamente posteriores à tomada do poder pelo partido Bolchevique.

Observamos aqui como a importância da liderança de Lênin se sobressai e se apoia no seu profundo conhecimento das relações entre as classes e partidos da Rússia, ao caráter imperialista da Guerra Mundial, às possibilidades que a conjuntura oferecia para à tomada de poder: em suma àquilo que no jargão dentre os militantes chamamos de “análise de conjuntura” e "análise da correlação de forças" das classes sociais. Pois estes textos selecionados têm como fio comum este esforço de análise da conjuntura, da luta de classes mundial e da revolução na Rússia: são em sua maioria textos a serem divulgados amplamente com a aplicação da justa tática até a assimilação da revolução e da insurreição como uma “arte” em que qualquer vacilação ou recuo podem ser fatais – esta é, aliás, uma lição de Marx extraída de seu estudo sobre a Comuna de Paris. 

De outro lado, mesmo nesta tarefa mais imediata de esclarecimento da vanguarda e da base social que é a do proletariado, algumas passagens também possuem valioso conteúdo teórico. Por exemplo, em sua “Carta à Milícia Operária” datada de 11 (24) de Março de 1917 que deveria ser publicada no Pravda, há alguns apontamentos didáticos a serem destacados sobre o Estado:

“Necessitamos de um poder revolucionário, necessitamos (para um certo período de transição) de um Estado. É nisto que nos distinguimos dos anarquistas. A diferença entre os marxistas revolucionários e os anarquistas não consiste apenas no fato de que os primeiros são pela grande produção comunista centralizada e os segundos pela pequena produção dispersa. Não, a diferença quanto a questão do poder, do Estado, consiste em que nós somos pela utilização revolucionária de formas revolucionárias de Estado para lutar pelo  socialismo e os anarquistas são contra”

Outrossim, prossegue Lênin, os socialistas necessitam do Estado mas não do Estado criado pela burguesia em toda a parte, das monarquias constitucionais às repúblicas constitucionais. Os socialistas não necessitam de um estado com organismos de poder separados do povo e opostos ao povo sob a forma de polícia, exército e burocracia. In Verbis:

“Mas o proletariado, se quiser defender as conquistas da revolução atual e avançar, conquistar a paz, o pão,  e a liberdade, precisa “demolir “ – para usar as palavras de Marx – esta máquina de Estado já pronta e substituí-la por uma nova, fundindo a polícia, o exército e a burocracia com todo o povo armado. Seguindo a via apontada pela experiência da Comuna de Paris de 1871 e da Revolução Russa de 1905, o proletariado deve organizar e armar todos os setores mais pobres e explorados da população, para que eles próprios tomem diretamente nas suas mãos os órgãos do poder de Estado, constituam eles próprios as instituições desse poder”. 

Com relação a sequencia de eventos políticos que marcam o ano de 1917 na Rússia, é possível marcar uma inflexão na tática leninista. Até “Uma das questões fundamentais da revolução” (Setembro) Lênin ainda vê como possível, ainda que cada vez mais remota, uma solução pacífica da crise russa. “Todo Poder aos Soviets” é a única garantia de um futuro gradual, pacífico e tranquilo, sem uma revolução ou uma guerra civil que resolva o impasse civil numa catástrofe. 

A partir de então, com sua carta ao CC de Petrogrado e Moscou, Lênin muda de política: tendo obtido a maioria nos soviets de deputados operários e soldados de ambas as capitais, os bolcheviques podem e devem tomar o poder do estado em suas mãos. 

Por meio de uma tomada insurrecional do poder, os revolucionários devem propor imediatamente  uma paz democrática, entregar a terra aos camponeses, restabelecer as instituições e liberdades democráticas espezinhadas e destruídas por Kerenski. 

Lênin muda sua tática política devido às seguintes razões: cada vez mais o povo simpatiza e adere às políticas bolcheviques diante das vacilações dos partidos centristas, o levante no campo revela que só os bolcheviques podem ser consequentes quanto ao programa camponês  e do ponto de vista militar a composição de forças àquela altura (Outubro) era mais favorável ao partido de Lênin.     

Além da seleção dos textos, coube Slavoj Zizec a redação do prefácio e um longo pósfácio que não necessariamente se restringem ao tema Lênin e Revolução Russa. Os assuntos vão da psicanálise aos filmes de Hollywood,  havendo um especial interesse pela configuração do capitalismo contemporâneo, um capitalismo “cultural” que anuncia o fim da classe do trabalho mas que certamente depende dele, bem como da boa e velha mais valia para persistir. Zizec parece ser alguém que observa e fala desde o primeiro mundo, quando se refere comumente aos países do terceiro mundo, frequentemente utiliza a terceira pessoa do plural, em que pese ele próprio ser natural da Eslovenia. Neste aspecto há muito pouco de leninismo nesta clivagem, já que a lição que a Revolução Russa de 1917 deixou como legado (e o otimismo leninista, em particular ilustra-o bem) é a memória a se manter da possibilidade de se avançar em direção à uma revolução socialista num país relativamente atrasado, contrariando mesmo as previsões de Marx. 

Ainda assim, temos um filósofo que se coloca como comunista com grande repercussão em meios culturais e de comunicação, um pensador com grande repercussão que lança uma seleção de textos de Lênin quando não se constata a aceitação teórica do dirigente fora de círculos militantes.

Contrariando o que a maior parte da “crítica” deverá responder, os marxistas revolucionários deverão antes de tudo reivindicar Lênin como um autor de grande atualidade, particularmente no que se refere às suas atitudes. Diz-se que quando chegou do exílio disfarçado, desde a estação de Trem em Petrogrado, Lenin sabia que na cidade havia escaramuças e tiros. Contrariando o estigma do político oportunista, o revolucionário dirigiu-se ao bonde e solicitou-se que deixassem-no nos locais do conflito, onde a bala comia solta. Lênin representa o casamento mais sólido entre a teoria e a prática o que lhe valeu uma posição de liderança e confiança perante o partido e as massas. Este leninismo decorrente desta indissolúvel práxis é o que há de mais urgente frente às vacilações da esquerda de várias vertentes pós modernas. E ainda consolidava um profundo conhecimento teórico, tanto do marxismo, quanto da questão nacional - tamanha sua contribuição, parece-nos, faz com que hoje seja ainda necessário aos comunistas do séc. XIX reivindicar-se marxista-leninistas.