sexta-feira, 24 de outubro de 2014

“O Pensamento de Mao Tsé Tung” – José Ricardo Carneiro Moderno (Org.)

Resenha Livro #131 “O Pensamento de Mao Tsé Tung” – José Ricardo Carneiro Moderno (Org.) – Ed. Paz e Terra



                A Revolução Chinesa possui uma peculiaridade histórica que a diferencia de muitas revoluções da história contemporânea: a sua longa duração. Enquanto a Revolução Russa perdura de fevereiro a outubro de 1917, decorrendo da caída do regime absolutista à tomada do poder pelos comunistas, a Revolução Chinesa correspondeu a uma longa luta que durou décadas, podendo ser dividida em diferentes momentos/fases.
                A primeira fase nacionalista corresponde à derrubada da dinastia Manchu e à proclamação da república em 1911. Neste momento, a ação revolucionária é dirigida pelo partido nacionalista Koumintang  e seu líder Sun Yan Set.
                A Revolução Russa de 1917 influenciou os chineses e estes fundaram o seu respectivo partido comunista, tendo como um de seus fundadores Mao Tse Tung.
                O período que vai de 1924 a 1927 é marcado pela cooperação entre o partido nacionalista e o partido comunista. Com a morte de Sun Yan Set ascende no partido nacionalista uma ala direitista representada pela figura de Chiang Kai-shek e em abril de 1927 o mesmo ordena o massacre de comunistas em Xangai e outras cidades com o intuito de conter a influência do PCC.  “O PCC dessa forma fazia guerra civil com a burguesia contra os senhores de guerra (1924-1927) ou contra os latifundiários e a burguesia compradora (1927-1936) com apoio da pequena burguesia urbana e do campesinato”. (p. 12 João Ricardo Moderno)
Diante do massacre de 300 comunistas e do rompimento entre os partidos, em agosto de 1927 forma-se o Exército Vermelho Chinês. O período entre 1936-1945 é marcado pela invasão japonesa – e os textos do volume são justamente deste momento. Trata-se de uma situação em que o PCC se unia a todas as classes contra o inimigo imperialista diante da guerra de resistência. Apenas com o fim da guerra imperialista ao término da Segunda Guerra Mundial pode-se vislumbrar a conclusão daquela longa revolução, com a etapa propriamente comunista em 1946-1949.
Após a derrota do Japão na II Guerra Mundial, Chiang Kai-shek, com o apoio bélico dos Estados Unidos, lançaram uma ofensiva contra os comunistas, reiniciando, então, o conflito armado. A luta perdurou de 1946 até outubro de 1949, com a vitória dos vermelhos, quando foi proclamada a República Popular da China.
“Sobre a Contradição” (agosto de 1937) e “Sobre a Prática” (Julho de 1937) foram apresentados na forma de conferências na Escola Militar e Política Anti-japonesa de Yenan. São basicamente duas palestras sobre filosofia marxista ou, nas palavras de Mao, marxista-leninista.
A contradição é a base filosófica da tradição marxista, em contraponto à escola metafísica.  

“A metafísica, ou o evolucionismo vulgar, considera todas as coisas do mundo como isoladas, em estado de repouso, unilateralmente. Uma tal concepção de mundo nos leva a olhar todas as coisas, todos os fenômenos do mundo, suas formas e categorias como isoladas eternamente umas das outras, sempre imutáveis”.
Já o ponto de vista reivindicado pelos marxistas, o da contradição, percebe as coisas e os fenômenos sempre eivados pelas suas contradições internas.  

“A universalidade ou o caráter absoluto da  contradição tem uma dupla significação: a primeira, é que as contradições existem no processo de desenvolvimento de toda coisa e de todo fenômeno; a segunda, que, no processo de desenvolvimento  de cada coisa, o movimento contraditório existe do início ao fim”.
Trata-se aqui portanto de duas perspectivas distintas de mundo. Desde o ponto de vista dialético, busca ver o mundo pelo prisma das suas relações processuais, que engendram contradições internas provocando uma dinâmica/movimento que deve ser estudada nunca desde um ponto de vista unilateral, mas sempre levando em consideração as antinomias, os opostos e mesmo aquilo que dá “identidade” aos opostos: por exemplo, para existir a vida, existe a morte, o belo, o feio, etc. Quando se trata de analisar a história e a sociedade tal ponto de vista terá como prioridade os conflitos sociais decorrentes da luta de classes.
O terceiro e último texto é “Intervenção aos Debates sobre Arte e Literatura”, em que Mao discute quais são as principais finalidades da literatura revolucionária, que para ele é a popularização das ideias e a elevação do nível das massas. Mao discute o caráter de classe dos autores, no caso para qual classe social e outros setores a arte deve estar voltada, no caso para o proletariado, os camponeses e soldados, e quais são os critérios para aferir a qualidade da arte: a intenção do artista e os resultados práticos de sua arte.
De forma geral, é possível observar uma simplicidade na forma de se comunicar por parte de Mao Tse Tung que não se confunde com superficialidade. O grande dirigente da revolução chinesa tem consciência de que sua intervenção deverá servir de guia para muitos líderes do partido eventualmente analfabetos, simples e rústicos e por isso consegue tratar de temas bastante complexos como filosofia marxista e crítica literária sempre de forma acessível.
O estudo de seu pensamento engrandece aqueles que buscam conhecimentos não só sobre o problema da revolução na China mas sobre a teoria marxista como um todo.  

domingo, 19 de outubro de 2014

“Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” – Friedrich Engels


Resenha Livro #130 - “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” – Friedrich Engels – Coleção Teoria – Editorial Estampa Lisboa




                “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” corresponde a um folheto retirado de um livro maior, mais extenso, de F. Engels, grande parceiro intelectual e militante de Karl Marx, denominado “O Anti Dühring”.

Talvez muitos pensem que o socialismo, a concepção política do socialismo tenha surgido a partir das ideias políticas de Karl Marx e Engels, principalmente a partir do Manifesto Comunista de 1848. Na verdade, já a partir da revolução francesa foi-se desenvolvendo ideias de reformas sociais que assinalaram a concepção de socialismo, isso especialmente na França e na Alemanha.

                Dr. Eugen Dühring, esclarece Engels no prefácio da edição inglesa da brochura “Do Socialismo”, foi professor da Universidade de Berlin, “(que) anunciou de súbito e com bastante alarido a sua conversão ao socialismo e apresentou-se ao público alemão com uma teoria socialista minuciosamente elaborada, e um plano completo e prático para a reorganização da sociedade. Lançou-se, naturalmente, contra os seus predecessores, distinguiu em especial Marx, sobre quem derramou a sua cólera”.

                Ou seja, “O Anti-Dühring” é uma longa resposta ao polemista professor alemão, levando-se em consideração o próprio papel de Engels após a morte de Marx como divulgador de suas ideias bem como executando a tarefa de esclarecer distorções do pensamento marxiano.

Engels nestes três capítulos discute a evolução histórica do socialismo utópico ao socialismo científico no séc. XIX e desde já fica assinalado algo que remete a algo caro da teoria marxista, o materialismo histórico, o fato das ideias serem sempre uma projeção das condições materiais e nunca o contrário. Dito isso, o que se observa é que a o utopia dos socialistas como Saint-Simon e outros corresponde justamente ao não desenvolvimento completo das próprias contradições do capitalismo, dos antagonismos de classe, do desenvolvimento das forças produtiva - o socialismo utópico é reflexo de uma etapa ainda embrionária do desenvolvimento da classe operária bem como do próprio capitalismo. 

Os socialistas utópicos franceses sintomaticamente vivenciaram um período histórico de transição, onde a revolução industrial ainda não era uma realidade conclusa e desta maneira eles só podiam ver o fenômeno do capitalismo e sua evolução histórica parcialmente – logo a resposta/solução para os dilemas dos embrionários conflitos de classe também eram parciais. Os socialistas utópicos projetavam uma sociedade a partir de uma concepção individual.  Nascia ali o cooperativismo e havia experimentações que não logravam êxito.

De toda forma, esta correspondência dentre uma gradual evolução do pensamento socialista e o desenvolvimento do capitalismo também se refere, analisa Engels, à ascensão da burguesia como nova classe dominante: por isso seu ponto de partida da análise é a Revolução Francesa (1789) e de certa maneira o seu “fracasso” em equacionar a questão social, as visíveis contradições entre suas palavras de ordem igualitárias e a realidade dura dos primeiros centros industriais europeus de meados do XIX repleto de trabalho infantil e feminino, enormes exércitos de reservas, crises econômicas cíclicas, miséria e pobreza, provocou muitos a pensar e discutir soluções para a questão social.

Esta é basicamente a origem do socialismo, como dito, inicialmente numa linha utópica.   O termo utópico deriva dos marxistas, ou seja, é em Marx e por meio do marxismo que se chega à conclusão de que aqueles socialistas eram utópicos.(u + topos = não lugar, lugar que não existe).

É importante frisar que o utópico não diz respeito por exemplo à falta de pragmatismo e objetividade de um Robert Owen, em que aparentemente temos o exato oposto de um “utópico”, especialmente na primeira fase de seus experimentos. Os socialistas utópicos buscavam como Owen criar sociedades igualitárias modelos e havia toda uma engenharia social e técnica que deu especificamente a este industrial inglês num primeiro momento bastante credibilidade entre os capitalistas e até mesmo a nobreza inglesa. Diz, porém, Engels, “Contudo, a partir do momento em que (Owen) formulou suas teorias comunistas tudo mudou. Existiam três obstáculos, segundo Owen, que lhe impediam o caminho da reforma social: a propriedade privada, a religião e a forma atual do casamento. Não ignorava o que lhe estava reservado se os atacasse. Seria por todos expulso da sociedade oficial e perderia a sua posição social”.

Via de regra, os socialistas utópicos não falam em Revolução, mas pensam na implantação de uma sociedade igualitária de forma pacífica e gradual, sendo possível produzir experiências igualitárias de tipo laboratoriais como as fábricas de Owen. Estas de qualquer forma foram importantes na história como referência e forma de conquista de direitos trabalhistas na Inglaterra – Owen concedia educação plena aos filhos dos seus empregados e consta que nos períodos de crise era o único que mandava os empregados para casa e eles ainda continuavam recebendo salário.

 Será pois a partir da evolução das forças produtivas, do desenvolvimento e generalização da revolução industrial, do alargamento da classe proletárias e com ela o conflito entre as forças produtivas (trabalhadores e meios de produção) e o regime de produção (apropriação privada dos meios de produção, capitalismo) que engendrará as bases econômicas para o pensamento do socialismo científico. Neste momento evidencia-se por exemplo os antagonismos de classe e o sujeito revolucionário corporifica-se (enquanto, como vimos no socialismo utópico, existe uma colaboração de classes do tipo filantrópica como plano para redução das desigualdades). 

Karl Marx e Engels são os fundadores do socialismo científico, como se sabe. Encerraremos a resenha com uma passagem em que se expressa como o elemento científico está realmente presente, não só em palavras, mas enquanto projeto político, o que parece, neste tempos de hegemonia pós-moderna, algo perdido no marxismo.     

Ela representa já o que o socialismo científico busca, qual o seu escopo: uma organização não mais anárquica na produção e o fim da sociedade cingida em classes sociais.  É preciso resgatar esta bandeira que Engels apresenta, não como Utopia, mas como uma necessidade urgente, diante dos riscos que o capitalismo representa para o futuro.

“As forças ativas da sociedade, enquanto não as conhecemos e não as dominamos, atuam como as forças da natureza: de modo cego, violento e destruidor. Mas uma vez conhecidas, logo que se saiba compreender a sua ação, suas tendências e efeitos, está em nosso poder submetê-las cada vez mais à nossa vontade, e através delas, atingir os nossos fins. É o que ocorre, em especial, com as gigantescas forças modernas da produção. Enquanto houve resistência obstinada à compreensão do seu caráter – e a essa compreensão opõem-se tenazmente o modo de produção capitalista e os seus defensores – essas forças atuarão, apesar de tudo, contra nós, como expusemos minuciosamente. Mas uma vez apreendidas na sua natureza, essas forças converter-se-ão de senhoras demoníacas que eram, em servas submissas. É a mesma diferença que existe entre o poder maléfico da eletricidade nos relâmpagos e o pode benéfico da força elétrica dominada no telégrafo e no arco elétrico; a diferença entre o fogo destruidor e o fogo posto a serviço do homem. “ Friedrich Engels

Livro 2º    

                 

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

"Escritos de Marighella no PCB" - Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG)

"Escritos de Marighella no PCB” – Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG)
Resenha Livro #129 - “Escritos de Marighella no PCB” – Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG) – Coleção Biblioteca Comunista – Fundação Dinarco Reis

                Coube ao Partido Comunista Brasileiro, por meio da sua Fundação Dinarco Reis, lançar este conjunto de escritos políticos do militante comunista Carlos Marighella. Justa homenagem desde que o inimigo número um da ditadura militar dedicou boa parte de sua vida militante ao partido, ainda que seja mais frequentemente lembrado como dirigente da guerrilha urbana, após o rompimento com o PCB que, como se sabe, não optou por esta via tática durante a ditadura militar.
Carlos Marighella iniciou sua militância na juventude comunista quando estudante de engenharia na Bahia, Salvador, no ano de 1933 – na verdade, um ano antes já havia sido preso numa manifestação de rua contra a intervenção getulista na Bahia.

Os textos selecionados são praticamente todos do período em que esteve no PCB.

“Da  Assembleia Constituinte e O Partido Comunista” de 1946 discute a constituinte que deveria fazer uma nova constituição após o fim do estado novo com a consequente dissolução da carta constitucional fascista de 1934.  Fato pouco comentado nos livros de história é que os comunistas tiveram participação com deputados nesta assembleia constituintes, sendo Carlos Marighella um de seus representantes – o chefe da bancada foi Luiz Carlos Prestes.

Um dos textos mais preciosos desta coletânea corresponde justamente ao discurso pronunciado por Marighella em nome da bancada comunista em 04 de Junho de 1946 cujo título é “A Religião, o Estado, A Família”. Temos aqui uma oportunidade interessante de observar como os comunistas brasileiros de meados do séc. XX já defendiam bandeiras progressistas àquela época, diante de temáticas que ensejam até hoje perigosos retrocessos diante de bancadas parlamentares religiosas/conservadoras.

Os comunistas defendiam a separação entre Igreja e Estado apontando um dado curioso: a constituição de 1891 feita pelos militares republicanos fortemente influenciados pelo positivismo acabava sendo mais progressista que a carta constitucional de 1934. Isso se observa quanto à exigência do ensino leigo (1891) enquanto posteriormente passa-se a reconhecer o ensino religioso (1934) pelo estado. Ambiguidades semelhantes se observam quanto ao casamento civil e religioso. 

O que devemos destacar ademais é como os comunistas destrinchavam os assuntos não só do ponto de vista teórico (marxismo-leninismo), mas do ponto de vista jurídico, disputando desde a tribuna de debates da constituinte cada possibilidade/brecha legal possível. Até a bíblia foi citada no discurso!

Neste pronunciamento os comunistas defendem ainda o direito ao divórcio (sendo aqui discutida a evolução histórica da família), a liberdade de todos os credos religiosos e o ingresso da mulher na vida econômica (“É necessário pois colocarmos a mulher no verdadeiro papel digno que lhe compete não somente dentro da família mas também a fazendo participar da produção social”).

Da leitura dos textos de Marighella, pode-se extrair igualmente algumas linhas gerais da orientação tática e estratégica e algumas nuanças/mudanças tanto do PCB quanto do próprio Marighella entre meados dos 1940 com o fim do estado novo e 1966, com a Carta de Desligamento da Comissão Executiva do Partido Comunista Brasileiro.

De uma forma Geral, a política do PCB nos anos do governo Dutra é de combate àquele que ficou para história como um dos governos mais entreguistas e pró-imperialistas do país – talvez até mais do que os governos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso.

Há de se lembrar que o período histórico em nível mundial é o do pós- II Guerra Mundial e a eleição de Dutra significa um alinhamento incondicional ao campo imperialista norte-americano em contraponto ao campo soviético dentro dos primórdios da Guerra Fria. Não é à toa que seria este mesmo governo que colocaria posteriormente o PCB na ilegalidade sob o pretexto de não ser um partido nacional mas uma legenda estrangeira soviética.

A orientação política principal do PCB é a luta anti-imperialista traçada contra o inimigo principal, os Estados Unidos e os seus prepostos aqui no Brasil. Tratava-se de uma luta pela paz e pela democracia contra a guerra e contra o imperialismo; contra o latifúndio sendo a todo momento por Marighella reiterada a necessidade de se organizar a aliança operário-camponesa; pela conformação de uma frente ampla, de massas que inicialmente as organize para lutar por suas reivindicações mais imediatas (“Comitês de Panela”, luta pela terra, esgoto, saúde, etc).

Ademais, a luta do PCB é uma luta de libertação nacional e por isso deve reunir os setores nacionalistas em campanhas contra a espoliação dos recursos naturais ou contra o envio de soldados brasileiros às guerras imperialistas (Coréia).

Posteriormente, com o golpe militar de 1964, Marighella em sua carta de desligamento da direção do partido observa diversos desvios importantes dentre os quais se destaca o reboquismo dos comunistas e do proletariado a uma burguesia vacilante representada por Goulart que não reagiria ao golpe de estado; à uma confiança equivocada no dispositivo militar diante de uma não compreensão marxista do que significa as forças armadas nos quadros do estado burguês; finalmente, ilusões de classe que levaram o partido a deformações importantes, como o apoio eleitoral à líderes burgueses como Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e (Pasmem!) o populista direitista Adhemar de Barros.

Estas auto críticas prenunciariam a ruptura de Marighella com o PCB (1966)– após sua viagem à Cuba que em 1959 assistira a uma revolução popular triunfar e ascendera os ânimos dos revolucionários por toda América Latina, Marighella defende a tática da luta armada contra a ditadura.

A tese da luta armada tinha a sua razão de ser e é explicitada na sua carta de desligamento: de fato uma luta pacífica aos moldes do pré-1964 como defendia o PCB não faria cair a ditadura militar pelo motivo evidente da participação direta do imperialismo da queda de Jango: os EUA que já atuavam no Vietnã e viam o Brasil como um aliado estratégico não permitiriam uma nova cuba no coração da América Latina de forma pacífica de forma que necessariamente a derrubada da ditadura se desenrolaria num conflito armado. Certamente, esta tese de Marighella estava correta: o problema estava na análise da co-relação de forças, não observando as peculiaridades do Brasil e buscando adequar a exitosa revolução cubana (que se dá numa Ilha numa conjuntura política em que os próprios EUA apoiavam a deposição de Batista num dado momento) com a situação brasileira - quando o imperialismo enviou navios de guerra para dar suporte militar para a queda de Goulart, contando com prévio dispositivo militar, treinamento de forças paramilitares de direita. etc.

Marighella foi morto em 4 de Novembro de 1969 pela repressão. Deve ser saudado sempre por todos os comunistas brasileiros não só por sua coragem e ação, mas também pela sua intervenção política, desde a tribuna como deputado, até como dirigente do PCB nas publicações do partido. Daí a importância dos “Escritos” publicados pela Biblioteca Comunista do Partido Comunista Brasileiro.
Livro 1º

sábado, 11 de outubro de 2014

“Casa de Pensão” – Aluísio de Azevedo

Resenha Livro # 128- “Casa de Pensão” – Aluísio de Azevedo – Editora Escala



“Casa de Pensão” foi livro publicado em 1884, correspondendo a um dos mais conhecidos romances do escritor naturalista Aluísio de Azevedo, junto a “O Mulato” (1881) e “O Cortiço” (1890).  O escritor maranhense, nascido em 1857, é provavelmente o mais importante expoente daquela escola literária no Brasil, que teve origem na frança a partir dos romances de E. Zola.
Basicamente, o naturalismo tem como ponto de partida as ideias cientificistas muito em voga na Europa e no Brasil em fins do séc. XIX. Na literatura estas ideias fazem contraponto ao subjetivismo da escola romântica e buscam sempre explicar a conduta das personagens a partir das orientações dos instintos, dos traços biológicos ou mesmos de caracteres raciais ou ambientais. Há nos romances de Aluízio de Azevedo o determinismo, que significa basicamente a ideia de que o homem não está capacitado a agir pelo livre arbítrio mas está sempre sujeito de forma incondicional às forças do meio, dos instintos sexuais e de impulsos de certa forma incontroláveis.
Há de se constatar que será justamente em fins do séc. XIX que uma série de acontecimentos históricos coincidem com esta projeção no âmbito da história das ideias.
O recrudescimento do imperialismo europeu e a partilha da Ásia e da África por países de unificação tardia como Alemanha e Itália em fins do XIX e início do XX (fenômenos que iriam posteriormente engendrar a 1ª Guerra Mundial) seriam ideologicamente justificados por teorias racistas, como as ideias de Spencer e seu darwinismo social. Enquanto o Darwinismo advoga a seleção natural e a sobrevivência da espécie mais forte, o Darwinismo social faz uma analogia com as “raças” apontando os brancos como os mais adaptados e assim como autorizados a dominar negros, asiáticos, etc. Aluísio de Azevedo não demonstra um racismo tão explícito, todavia, tal visão social de mundo racista está bastante presente em fins do séc. XIX e, vale destacar, é uma decorrência da ligação entre a biologia e ciências sociais.
Esta coincidência entre as ideias da ciência e da biologia e da vida social seriam também observadas de uma certa forma nos romances naturalistas, não necessariamente num viés escancaradamente racista, mas definitivamente caracterizada pela: (i) objetividade na descrição dos personagens; (ii) pelo determinismo, ou seja, pelo homem condicionado pelo meio e muitas vezes vítima de seu próprio instinto; (iii) pela temática da crítica social e dos costumes, o que já vinha sendo prenunciado pela 3ª fase do Romantismo (a 1ª fase trata do nacionalismo e do indianismo, e a 2ª fase refere-se ao byronismo e especificamente à temática amorosa).
No que se refere à linguagem ou à forma descritiva, Aluísio de Azevedo assimila um tom objetivo procurando repercutir de forma fiel os diálogos das personagens, incluindo as interjeições (“arres”, “ixes”, etc), remetendo a narrativa naturalista a uma fonte histórica preciosa para aqueles que desejam conhecer a sociedade, a cultura, o universo estudantil e boêmio do Rio de Janeiro de fins do séc. XIX. Em outras palavras, por se pautar pela objetividade, o romance naturalista tanto corresponde à peça literária quanto à uma fonte histórica, ainda que baseada em ficção.
A história da "Casa de Pensão" refere-se à história de Amâncio de Vasconscelos, maranhense, filho de comerciantes ricos, que vem à corte (Rio de Janeiro) estudar medicina e aqui, pela primeira vez, aos vinte anos, longe da disciplina familiar, viria a buscar pela primeira vez uma vida de liberdade. A sua expectativa na corte está muito longe de avançar nos seus estudos – esta é a última das preocupações de Amâncio, ainda que consiga com muito esforço ser aprovado no primeiro ano de curso. O jovem estudante vivera uma infância marcada pela rígido controle disciplinar e falta de afeto do pai, apenas compensado pelos cuidados da mãe.
Amâncio chegou ao Rio de Janeiro, provavelmente como muitos outros jovens, muito mais interessado nos bailes, nos passeios públicos, na boemia e especialmente nas formosas damas da corte. E assim a narrativa se desenvolve, com o estudante se instalando primeiro na casa do comerciante Campos, amigo de seu pai, o velho Vasconcelos, e posteriormente, na pensão de Coqueiros.
As aventuras e desaventuras amorosas de Amâncio e seu trágico fim ficam por conta do leitor. Por suposto esta resenha não detalhará o enredo da história para cativar a leitura de “Casa de Pensão”. Terá uma boa oportunidade de conhecer particularidades da sociedade carioca de fins do séc. XIX que passam despercebidas dos livros de história mais tradicionais por não se referirem aos denominados “grandes eventos” (fatos políticos) mas à história do cotidiano – o dia a dia na casa de pensão, os almoços e jantares familiares, os relacionamentos amorosos bem como as traições conjugais, as pandegas dos estudantes, os processos judiciais e suas repercussões nos pasquins e jornais populares, e um longo etc.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

“O Ateneu” – Raul Pompéia

Resenha Livro # 127- “O Ateneu” – Raul Pompéia – Editora Três


Sobre o Autor e Contextualização da obra
“O Ateneu” é a principal obra do escritor realista/naturalista Raul Pompéia.
Publicado em 1988, portanto no mesmo ano da abolição da escravatura do Brasil e um ano antes da proclamação da república do país, o livro repercute a tendência literária dominante tanto no Brasil como na Europa de fins do século XIX. A partir do esgotamento da tendência romântica que já em sua terceira fase (representada no Brasil com os primeiros contos e crônicas de Machados de Assis) já sinalizavam a temática da descrição/crítica das relações sociais nas cidades, será no realismo e naturalismo que tal tendência será levada até as últimas consequências.
As características da literatura realista/naturalista são: ao contrário do subjetivismo romântico e se espelhando na filosofia positivista muito em voga em fins do séc. XIX, parte-se sempre para uma tendência a tentar reproduzir fielmente uma realidade (objetividade na descrição tanto dos personagens quanto dos ambientes); maior presença do cenário urbano fazendo-nos crer como estas escolas literárias de certa forma representavam a expressão literária de uma certa burguesia ou pequena burguesia ascendente.
Destacamos aqui que Raul Pompéia ele próprio foi um bacharel em direito e jornalista e ao que tudo indica a história relatada em Ateneu, um internato, corresponderia a sua própria experiência no internato escolar.
Finalmente, e mais uma vez em contraponto ao romantismo, observa-se ausência de idealização dos homens com a correspondente ausência da figura de “heróis” e o predomínio do homem descrito em sua forma natural – consoante o determinismo muito em voga de fins do XIX, o homem aparece frequentemente escravo dos seus instintos, submetido às vontades da libido e eventualmente incapaz de submetê-las ao crivo da moral e da ética.
Este aspecto perpassa diversas passagens do “Ateneu” em que as crianças em suas interações sociais são quase equiparáveis a um estado de natureza hobbesiano, cada um por si e todas contra todas, onde impera os vícios, a lei do mais forte, a violência gratuita, as humilhações e chacotas diante dos mais fracos ou mesmo lances homossexuais às escondidas.
O que não deixa de ser interessante é como aquela experiência profundamente traumática – como veremos adiante – seria pelo próprio narrador – reconhecida como tendo um papel progressivo ou pedagógico.
Raul Pompéia nasceu em 12 de Abril de 1863 em Angra dos Reis. Estudou no tradicional Colégio Pedro II e posteriormente matriculou-se em direito na Faculdade de Direito de São Paulo – terminaria o curso na Faculdade de Olinda. Nos anos de Acadêmico, iria aderir ao movimento abolicionista junto a Luís Gama, ao movimento republicano e ao positivismo – contribuiria com diversos jornais durante toda a vida.
Pessoalmente, tinha um temperamento contraditório. Diz uma de suas biógrafas, Olívia Montenegro: “A vida de Raul Pompéia foi o seu tanto contraditória como sua obra. Cheia de altos e baixos vertiginosos, e que levam a marca dos dois sentimentos que parecem ter dirigido a sua ação particular e pública – o de uma grande timidez e de um grande orgulho”.
Ao que parece não se relacionou com mulheres e o isolamento social combinado com aqueles dois sentimentos – orgulho e timidez – o levariam ao suicídio com um tiro no peito aos 35 anos de idade.
O Ateneu
Ateneu é o nome de uma escola/internato para crianças e jovens. O relato é contato em primeira pessoa por Sérgio na forma de memória. Existem duas linhas narrativas concomitantes – uma linha corresponde à descrição de eventos de memória no internato, como os dias de festa e solenidades, as punições e castigos, os dias de visita, os dias de prova, os passeios públicos, etc., e a outra linha, correspondendo à reflexão psicológica que se desdobra daqueles fatos, expressando aqui reflexões do autor, já maduro, diante de todas aquelas experiências vividas.
O que o leitor de 2017 encontrará certamente surpreenderá já que a escola de fins de séc. XIX era muito mais rígida e punitiva do que hoje em dia.  
A vida no Ateneu não é nada fácil para as crianças. Há por um lado um rígido rigor moral por parte da direção personificada na figura do Dr. Aristarco, o diretor que mais se assemelha a um Monarca, e que literalmente conduz o seu colégio através de um severo código escrito. Há por outro lado (e aqui há a surpresa) uma relação de grande hostilidade e desavença entre as crianças – muitas brigas, muitas delações, pouca solidariedade). O ambiente se assemelha a uma cadeia, tanto que o comum é os calouros buscarem sempre a proteção de alguém mais velho e mais forte. No Ateneu, onde se espera aprenderem além das disciplinas acadêmicas, lições de companhia, moral e fraternidade, nada disso se vê: os alunos aprendem lições de vício e corrupção: há desde contrabando de cigarros e selos postais até casos considerados gravíssimos então de homossexualidade, puníveis com a maior das humilhações, a exposição pública.
De outra monta, a repressão por parte de cima engendra uma relação  - no entender da perspectiva realista/naturalista – de equilíbrio.  A dor educa.
“É uma organização imperfeita, aprendizagem de corrupção, ocasião de contato com indivíduos de toda origem? O mestre é a tirania, a injustiça, o terror? O merecimento não tem cotação, cobrejam as linhas sinuosas da indignidade, aprova-se a espionagem, a adulação, a humilhação, campeia a intriga, a maledicência, a calúnia, oprimem os prediletos do favoritismo os maiores, os mais fortes, abundam as seduções perversas, triunfam as audácias dos nulos? A reclusão exacerba as tendências ingênitas?
Tanto Melhor: é a escola da sociedade.
Ilustrar o espírito é pouco: temperar o caráter é tudo. É preciso que chegue um dia a desilusão do carinho doméstico. Toda a vantagem em que se realize o mais cedo”. (P. 201)
Ou seja, temos aqui uma perspectiva de educação diametralmente distinta da orientação predominante da dos dias de hoje. É impensável, lendo as páginas de “O Ateneu”, pensar em termos mais recentes da pedagogia atual como prevenção contra “Bullyng”. De acordo com as ideias daquela época, as durezas vividas no ginásio melhor preparavam as crianças para as durezas da vida. Seja qual for a orientação pedagógica do leitor, a leitura do “Ateneu” consiste numa viagem agradável ao Brasil de fins do séc. XIX. Conhecemos parte de seus costumes referentes à vida das crianças na escola e temos contato direito com a visão social de mundo de um homem do séc. XIX, Raul Pompéia sob o personagem Sérgio, especialmente com seu determinismo quanto aos traços psicológicos de seus personagens e seu realismo/naturalismo na descrição de ambientes e pessoas.  Tal procedimento literária promove além de belos resultados estéticos possibilidades de se conhecer melhor o passado e a história do cotidiano.