quarta-feira, 23 de julho de 2014

“São Bernardo” – Graciliano Ramos

Resenha Livro #115 “São Bernardo” – Graciliano Ramos – Ed. Record (1)



Panorama Geral: Autor e Obra
Graciliano Ramos nasceu em 1892 em Quebrangulo no estado de Alagoas. É um dos mais destacados escritores da literatura nacional. A crítica literária costuma inseri-lo dentro do conjunto de artistas e escritores do movimento modernista, ou, mais especificamente, da 2ª Fase do Modernismo. O traço distintivo do modernismo e sua importância para a cultura nacional foi a de lançar as bases para a criação de uma arte genuinamente brasileira.
A semana de arte moderna de 1922 foi nesse sentido um marco histórico importante e é tomada pelos historiadores da arte como um ponto de partida: até então a arte produzida no Brasil tinha como pressuposto modelos importados do estrangeiro, especialmente da europeus e especificamente dos franceses e alemães, do Romantismo byronista, do Realismo  de Machado de Assis  e do Naturalismo de Aluízio de Azevedo e Lima Barreto.
Certamente em Lima Barreto com seu “Triste Fim De Policarpo Quaresma” ou mesmo em Machado de Assis há importantes traços de originalidade nacional, além do fato importante das narrativas estarem, já desde o Realismo do séc. XIX, descrevendo a sociedade brasileira, as relações sociais derivadas da escravidão, da transição entre a monarquia e a república, etc.
O que há assim de novo com o movimento modernista de 1922? Trata-se de uma nova pretensão de introduzir também na forma artística uma independência em relação ao que é dominante na Europa. Daí a importância dos quadros de Tarcila do Amaral que não só retratam a natureza do Brasil, mas o fazem sob uma forma que revoluciona e transgride modelos até então importados desde fora.
O mesmo pode-se dizer de “Macunaíma” de Mário de Andrade que para além de ser uma história fantástica relacionada a um índio (lembrando que o tema indígena já era preocupação dos românticos do XIX desde sua primeira geração com José de Alencar) mas criando uma narrativa original e nesse sentido genuinamente nacional.
Apenas para pontuar, vale ressaltar que aquele movimento modernista não está restrito ao âmbito das artes, mas também se desdobra no âmbito das ciências sociais. É justamente entre 1922 e 1930-45 que surgem os primeiros trabalhos e esforços no sentido de pensar e produzir trabalhos intelectuais que de alguma forma façam avançar a ideia de uma identidade nacional: no Brasil ocorre fenômeno curioso e distinto dos países europeus onde a criação da identidade nacional antecede e não sucede a formação do estado nacional.
Os três autores modernistas mais importantes daquele período são Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Gylberto Freire, cada um com uma linha teórico-metodológica distinta, mas com esforços comuns no sentido de pesquisar o passado do Brasil para a partir da análise histórica ajudar a criar aquela identidade nacional, uma tarefa histórica que se colocava claramente no Brasil dos anos de 1922-30.  
Voltando ao Graciliano Ramos, o autor alagoano começou a trabalhar como periodista na cidade de Palmeira dos Índios. Em 1915 muda-se para o Rio de Janeiro  onde trabalha no Correio da Manhã. Em 1927 assume o cargo de prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, cargo que renunciará em 1930. Em 1936 é preso sem processo durante o estado novo de Getúlio Vargas – desta experiência escreverá um livro baseado no tempo de prisão, “Memórias do Cárcere”.   Quinze anos depois em 1945 Graciliano ingressa no PCB sem contudo ter uma vida ativa dentro do partido comunista – é antes um escritor do que um militante comunista engajado. Viajou pelo leste europeu e escreveu relatos sobre os países que conheceu. Fumava compulsivamente e bebia. Morre em 1954.
São Bernardo
Este romance de Graciliano Ramos foi publicado em 1936. Narrado em primeira pessoa, relata a vida de Paulo Honório, um personagem agreste e seco como o clima e ambiente da fazenda de São Bernardo na zona da mata nordestina. Paulo nasceu pobre e sozinho, foi adquirindo patrimônio, sem o auxílio de familiares e qualquer apoio de terceiros, sempre através de métodos violentos. Sua personalidade se relaciona com as dificuldades brutais que teve para ascender: de pobre e só a um latifundiário poderoso, dono das terras de São Bernardo, num contexto social de coronelismo onde o poder político está fundado na propriedade.
Paulo Honório vê a vida sob o prisma do utilitarismo. A reificação o leva a subverter as relações humanas e o torna um proprietário particularmente cruel, incapaz de conceber o amor da mulher e a amizade dos amigos. Não julgamos Paulo Honório por isso: o fato da narrativa ser feita em 1ª pessoa contribui para o leitor criar uma empatia com a personagem e o fluxo de seus pensamentos demonstra a forma como pensa aquele que entende a vida como um amontoado de interesses egoístas. O homem como o lobo do homem.
A personagem Madalena surge na narrativa como um elemento contingencial e irá mudar radicalmente os rumos de São Bernardo e da vida de Paulo Honório. O drama do resenhista de romances é a velha dúvida: devemos contar o final da história? Não! Não queremos tirar a curiosidade do leitor, mesmo por que um dos objetivos desta resenha é incentivar que os leitores do blog vão atrás dos livros resenhados.
Apenas concluímos dizendo que a experiência amorosa junto à Madalena (observar o nome da Mulher, a prostituta do texto bíblico) revoluciona a percepção de Paulo, o utilitarista. Não, Paulo não capitula ao amor. São Bernardo é uma história triste. Aliás, esta é uma característica das histórias de Graciliano Ramos. O final de suas histórias não costuma ser feliz. Este é um dos motivos pelos quais este escritor de resenhas tem o Graciliano Ramos como ser romancista favorito, ao menos dentre os romancistas em língua portuguesa: são histórias que escapam da zona de conforto do senso comum.

Superior à “São Bernardo”, só “Angústia”.