quinta-feira, 2 de outubro de 2014

“O Ateneu” – Raul Pompéia

Resenha Livro # 127- “O Ateneu” – Raul Pompéia – Editora Três


Sobre o Autor e Contextualização da obra
“O Ateneu” é a principal obra do escritor realista/naturalista Raul Pompéia.
Publicado em 1988, portanto no mesmo ano da abolição da escravatura do Brasil e um ano antes da proclamação da república do país, o livro repercute a tendência literária dominante tanto no Brasil como na Europa de fins do século XIX. A partir do esgotamento da tendência romântica que já em sua terceira fase (representada no Brasil com os primeiros contos e crônicas de Machados de Assis) já sinalizavam a temática da descrição/crítica das relações sociais nas cidades, será no realismo e naturalismo que tal tendência será levada até as últimas consequências.
As características da literatura realista/naturalista são: ao contrário do subjetivismo romântico e se espelhando na filosofia positivista muito em voga em fins do séc. XIX, parte-se sempre para uma tendência a tentar reproduzir fielmente uma realidade (objetividade na descrição tanto dos personagens quanto dos ambientes); maior presença do cenário urbano fazendo-nos crer como estas escolas literárias de certa forma representavam a expressão literária de uma certa burguesia ou pequena burguesia ascendente.
Destacamos aqui que Raul Pompéia ele próprio foi um bacharel em direito e jornalista e ao que tudo indica a história relatada em Ateneu, um internato, corresponderia a sua própria experiência no internato escolar.
Finalmente, e mais uma vez em contraponto ao romantismo, observa-se ausência de idealização dos homens com a correspondente ausência da figura de “heróis” e o predomínio do homem descrito em sua forma natural – consoante o determinismo muito em voga de fins do XIX, o homem aparece frequentemente escravo dos seus instintos, submetido às vontades da libido e eventualmente incapaz de submetê-las ao crivo da moral e da ética.
Este aspecto perpassa diversas passagens do “Ateneu” em que as crianças em suas interações sociais são quase equiparáveis a um estado de natureza hobbesiano, cada um por si e todas contra todas, onde impera os vícios, a lei do mais forte, a violência gratuita, as humilhações e chacotas diante dos mais fracos ou mesmo lances homossexuais às escondidas.
O que não deixa de ser interessante é como aquela experiência profundamente traumática – como veremos adiante – seria pelo próprio narrador – reconhecida como tendo um papel progressivo ou pedagógico.
Raul Pompéia nasceu em 12 de Abril de 1863 em Angra dos Reis. Estudou no tradicional Colégio Pedro II e posteriormente matriculou-se em direito na Faculdade de Direito de São Paulo – terminaria o curso na Faculdade de Olinda. Nos anos de Acadêmico, iria aderir ao movimento abolicionista junto a Luís Gama, ao movimento republicano e ao positivismo – contribuiria com diversos jornais durante toda a vida.
Pessoalmente, tinha um temperamento contraditório. Diz uma de suas biógrafas, Olívia Montenegro: “A vida de Raul Pompéia foi o seu tanto contraditória como sua obra. Cheia de altos e baixos vertiginosos, e que levam a marca dos dois sentimentos que parecem ter dirigido a sua ação particular e pública – o de uma grande timidez e de um grande orgulho”.
Ao que parece não se relacionou com mulheres e o isolamento social combinado com aqueles dois sentimentos – orgulho e timidez – o levariam ao suicídio com um tiro no peito aos 35 anos de idade.
O Ateneu
Ateneu é o nome de uma escola/internato para crianças e jovens. O relato é contato em primeira pessoa por Sérgio na forma de memória. Existem duas linhas narrativas concomitantes – uma linha corresponde à descrição de eventos de memória no internato, como os dias de festa e solenidades, as punições e castigos, os dias de visita, os dias de prova, os passeios públicos, etc., e a outra linha, correspondendo à reflexão psicológica que se desdobra daqueles fatos, expressando aqui reflexões do autor, já maduro, diante de todas aquelas experiências vividas.
O que o leitor de 2017 encontrará certamente surpreenderá já que a escola de fins de séc. XIX era muito mais rígida e punitiva do que hoje em dia.  
A vida no Ateneu não é nada fácil para as crianças. Há por um lado um rígido rigor moral por parte da direção personificada na figura do Dr. Aristarco, o diretor que mais se assemelha a um Monarca, e que literalmente conduz o seu colégio através de um severo código escrito. Há por outro lado (e aqui há a surpresa) uma relação de grande hostilidade e desavença entre as crianças – muitas brigas, muitas delações, pouca solidariedade). O ambiente se assemelha a uma cadeia, tanto que o comum é os calouros buscarem sempre a proteção de alguém mais velho e mais forte. No Ateneu, onde se espera aprenderem além das disciplinas acadêmicas, lições de companhia, moral e fraternidade, nada disso se vê: os alunos aprendem lições de vício e corrupção: há desde contrabando de cigarros e selos postais até casos considerados gravíssimos então de homossexualidade, puníveis com a maior das humilhações, a exposição pública.
De outra monta, a repressão por parte de cima engendra uma relação  - no entender da perspectiva realista/naturalista – de equilíbrio.  A dor educa.
“É uma organização imperfeita, aprendizagem de corrupção, ocasião de contato com indivíduos de toda origem? O mestre é a tirania, a injustiça, o terror? O merecimento não tem cotação, cobrejam as linhas sinuosas da indignidade, aprova-se a espionagem, a adulação, a humilhação, campeia a intriga, a maledicência, a calúnia, oprimem os prediletos do favoritismo os maiores, os mais fortes, abundam as seduções perversas, triunfam as audácias dos nulos? A reclusão exacerba as tendências ingênitas?
Tanto Melhor: é a escola da sociedade.
Ilustrar o espírito é pouco: temperar o caráter é tudo. É preciso que chegue um dia a desilusão do carinho doméstico. Toda a vantagem em que se realize o mais cedo”. (P. 201)
Ou seja, temos aqui uma perspectiva de educação diametralmente distinta da orientação predominante da dos dias de hoje. É impensável, lendo as páginas de “O Ateneu”, pensar em termos mais recentes da pedagogia atual como prevenção contra “Bullyng”. De acordo com as ideias daquela época, as durezas vividas no ginásio melhor preparavam as crianças para as durezas da vida. Seja qual for a orientação pedagógica do leitor, a leitura do “Ateneu” consiste numa viagem agradável ao Brasil de fins do séc. XIX. Conhecemos parte de seus costumes referentes à vida das crianças na escola e temos contato direito com a visão social de mundo de um homem do séc. XIX, Raul Pompéia sob o personagem Sérgio, especialmente com seu determinismo quanto aos traços psicológicos de seus personagens e seu realismo/naturalismo na descrição de ambientes e pessoas.  Tal procedimento literária promove além de belos resultados estéticos possibilidades de se conhecer melhor o passado e a história do cotidiano. 

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