sexta-feira, 17 de outubro de 2014

"Escritos de Marighella no PCB" - Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG)

"Escritos de Marighella no PCB” – Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG)
Resenha Livro #129 - “Escritos de Marighella no PCB” – Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG) – Coleção Biblioteca Comunista – Fundação Dinarco Reis

                Coube ao Partido Comunista Brasileiro, por meio da sua Fundação Dinarco Reis, lançar este conjunto de escritos políticos do militante comunista Carlos Marighella. Justa homenagem desde que o inimigo número um da ditadura militar dedicou boa parte de sua vida militante ao partido, ainda que seja mais frequentemente lembrado como dirigente da guerrilha urbana, após o rompimento com o PCB que, como se sabe, não optou por esta via tática durante a ditadura militar.
Carlos Marighella iniciou sua militância na juventude comunista quando estudante de engenharia na Bahia, Salvador, no ano de 1933 – na verdade, um ano antes já havia sido preso numa manifestação de rua contra a intervenção getulista na Bahia.

Os textos selecionados são praticamente todos do período em que esteve no PCB.

“Da  Assembleia Constituinte e O Partido Comunista” de 1946 discute a constituinte que deveria fazer uma nova constituição após o fim do estado novo com a consequente dissolução da carta constitucional fascista de 1934.  Fato pouco comentado nos livros de história é que os comunistas tiveram participação com deputados nesta assembleia constituintes, sendo Carlos Marighella um de seus representantes – o chefe da bancada foi Luiz Carlos Prestes.

Um dos textos mais preciosos desta coletânea corresponde justamente ao discurso pronunciado por Marighella em nome da bancada comunista em 04 de Junho de 1946 cujo título é “A Religião, o Estado, A Família”. Temos aqui uma oportunidade interessante de observar como os comunistas brasileiros de meados do séc. XX já defendiam bandeiras progressistas àquela época, diante de temáticas que ensejam até hoje perigosos retrocessos diante de bancadas parlamentares religiosas/conservadoras.

Os comunistas defendiam a separação entre Igreja e Estado apontando um dado curioso: a constituição de 1891 feita pelos militares republicanos fortemente influenciados pelo positivismo acabava sendo mais progressista que a carta constitucional de 1934. Isso se observa quanto à exigência do ensino leigo (1891) enquanto posteriormente passa-se a reconhecer o ensino religioso (1934) pelo estado. Ambiguidades semelhantes se observam quanto ao casamento civil e religioso. 

O que devemos destacar ademais é como os comunistas destrinchavam os assuntos não só do ponto de vista teórico (marxismo-leninismo), mas do ponto de vista jurídico, disputando desde a tribuna de debates da constituinte cada possibilidade/brecha legal possível. Até a bíblia foi citada no discurso!

Neste pronunciamento os comunistas defendem ainda o direito ao divórcio (sendo aqui discutida a evolução histórica da família), a liberdade de todos os credos religiosos e o ingresso da mulher na vida econômica (“É necessário pois colocarmos a mulher no verdadeiro papel digno que lhe compete não somente dentro da família mas também a fazendo participar da produção social”).

Da leitura dos textos de Marighella, pode-se extrair igualmente algumas linhas gerais da orientação tática e estratégica e algumas nuanças/mudanças tanto do PCB quanto do próprio Marighella entre meados dos 1940 com o fim do estado novo e 1966, com a Carta de Desligamento da Comissão Executiva do Partido Comunista Brasileiro.

De uma forma Geral, a política do PCB nos anos do governo Dutra é de combate àquele que ficou para história como um dos governos mais entreguistas e pró-imperialistas do país – talvez até mais do que os governos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso.

Há de se lembrar que o período histórico em nível mundial é o do pós- II Guerra Mundial e a eleição de Dutra significa um alinhamento incondicional ao campo imperialista norte-americano em contraponto ao campo soviético dentro dos primórdios da Guerra Fria. Não é à toa que seria este mesmo governo que colocaria posteriormente o PCB na ilegalidade sob o pretexto de não ser um partido nacional mas uma legenda estrangeira soviética.

A orientação política principal do PCB é a luta anti-imperialista traçada contra o inimigo principal, os Estados Unidos e os seus prepostos aqui no Brasil. Tratava-se de uma luta pela paz e pela democracia contra a guerra e contra o imperialismo; contra o latifúndio sendo a todo momento por Marighella reiterada a necessidade de se organizar a aliança operário-camponesa; pela conformação de uma frente ampla, de massas que inicialmente as organize para lutar por suas reivindicações mais imediatas (“Comitês de Panela”, luta pela terra, esgoto, saúde, etc).

Ademais, a luta do PCB é uma luta de libertação nacional e por isso deve reunir os setores nacionalistas em campanhas contra a espoliação dos recursos naturais ou contra o envio de soldados brasileiros às guerras imperialistas (Coréia).

Posteriormente, com o golpe militar de 1964, Marighella em sua carta de desligamento da direção do partido observa diversos desvios importantes dentre os quais se destaca o reboquismo dos comunistas e do proletariado a uma burguesia vacilante representada por Goulart que não reagiria ao golpe de estado; à uma confiança equivocada no dispositivo militar diante de uma não compreensão marxista do que significa as forças armadas nos quadros do estado burguês; finalmente, ilusões de classe que levaram o partido a deformações importantes, como o apoio eleitoral à líderes burgueses como Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e (Pasmem!) o populista direitista Adhemar de Barros.

Estas auto críticas prenunciariam a ruptura de Marighella com o PCB (1966)– após sua viagem à Cuba que em 1959 assistira a uma revolução popular triunfar e ascendera os ânimos dos revolucionários por toda América Latina, Marighella defende a tática da luta armada contra a ditadura.

A tese da luta armada tinha a sua razão de ser e é explicitada na sua carta de desligamento: de fato uma luta pacífica aos moldes do pré-1964 como defendia o PCB não faria cair a ditadura militar pelo motivo evidente da participação direta do imperialismo da queda de Jango: os EUA que já atuavam no Vietnã e viam o Brasil como um aliado estratégico não permitiriam uma nova cuba no coração da América Latina de forma pacífica de forma que necessariamente a derrubada da ditadura se desenrolaria num conflito armado. Certamente, esta tese de Marighella estava correta: o problema estava na análise da co-relação de forças, não observando as peculiaridades do Brasil e buscando adequar a exitosa revolução cubana (que se dá numa Ilha numa conjuntura política em que os próprios EUA apoiavam a deposição de Batista num dado momento) com a situação brasileira - quando o imperialismo enviou navios de guerra para dar suporte militar para a queda de Goulart, contando com prévio dispositivo militar, treinamento de forças paramilitares de direita. etc.

Marighella foi morto em 4 de Novembro de 1969 pela repressão. Deve ser saudado sempre por todos os comunistas brasileiros não só por sua coragem e ação, mas também pela sua intervenção política, desde a tribuna como deputado, até como dirigente do PCB nas publicações do partido. Daí a importância dos “Escritos” publicados pela Biblioteca Comunista do Partido Comunista Brasileiro.
Livro 1º

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