terça-feira, 28 de janeiro de 2014

“O Marxismo e os Sindicatos” – Paulo Aguena (Org.)

Resenha Livro #100 - “O Marxismo e os Sindicatos – Marx, Engels, Lênin e Trótsky” – Paulo Aguena (Org.) – Ed. Sundermann



A proposta desta compilação de textos marxistas é abordar o problema da organização dos trabalhadores em suas lutas econômicas (sindicais) e políticas (partidárias e revolucionárias), a partir da seleção de textos clássicos sobre sindicatos.

A iniciativa desta edição visou contemplar as discussões teóricas e práticas engendradas pelo movimento de reorganização sindical no Brasil aberto pelo surgimento da Conlutas (hoje, “CSP-Conlutas”), entidade sindical fundada em 2006.

Os textos estão subdivididos em três partes. A 1ª parte abrange textos de Marx e Engels, de resoluções da I Internacional e artigos redigidos por Engels,  publicados no periódico Labour Standard. A 2ª parte contém a contribuição de Lênin e da III Internacional. Há trechos de trabalhos famosos de Lênin como “O Que Fazer” em que o revolucionário Russo aponta os limites da consciência espontânea dos operários, sendo necessário um movimento exterior ao movimento proletário que lhe dê uma consciência política revolucionária a partir do marxismo; há também o famoso capítulo do “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, em que Lênin polemiza com os anarquistas acerca da intervenção dos revolucionários nos sindicatos reacionários.

Esta temática da luta do movimento operário dentro de sindicatos cooptados pela burocracia sindical e pela aristocracia operária será uma preocupação constante nas análises de Trótsky sobre os sindicatos. Aqui, textos como “Os erros de princípio do sindicalismo” e “A questão da unidade sindical” retomam o problema já abordado por Lênin sobre a atuação dos comunistas nos sindicatos reacionários. E Trótsky segue a mesma orientação política leninista: não se deve abandonar o trabalho de base nos sindicatos reacionários, sob a pena de deixar a massa dos trabalhadores sob a influência e direção dos líderes reformistas e conciliadores. Os comunistas não se devem abalar por todas as manobras que a burocracia sindical impõe: devem ser os mais consequentes defensores da unidade sindical, não a entendendo como fenômeno formal, mas como a efetiva coalização das massas trabalhadoras desde as lutas pontuais por melhores salários e condições de trabalho, buscando transformar as lutas econômicas em luta política pela tomada de poder pelo proletariado.

Trótsky bem assinala que são justamente os oportunistas/reformistas que mais temem uma unidade sindical, em especial quando esta possa implicar em mobilização que vá além dos estritos limites sindicais.
Para manter os comunistas afastados dos sindicatos, a burocracia utiliza-se de expulsões e perseguições aos comunistas, de forma que passa a ser mais uma vez recomendável, mesmo em sociedades democráticas, o trabalho clandestino nos sindicatos oficiais. A consigna da independência sindical é justificadamente analisada sob formas diferentes em Trótsky e Lênin. Justificadamente, pois os momentos históricos e as situações político-sociais são distintas. Já sob o estado operário, justifica-se a intervenção do sindicato como instrumento que já mobiliza massas de trabalhadores: este precioso instrumento deve se articular junto ao estado proletário, de forma a contribuir na direção da produção, na aferição da produtividade e na propaganda e agitação política nas fábricas. Já em Trótsky, há atenção para as relações entre o desenvolvimento dos monopólios capitalistas e as novas funções do sindicato. Em especial nos regimes fascistas, os sindicatos também aparecem como entidades ligadas ao estado – a diferença é que se trata aqui de estados capitalistas e imperialistas, sendo a estatização dos sindicatos o esforço de desmobilização dos trabalhadores, o seu controle policial e burocrático imposto pela classe capitalista por meio de seus intermediários. Aqui a luta pela independência dos sindicatos em relação ao estado assume um caráter progressivo. Em Lênin, na situação criada pela revolução russa, a independência é regressiva.  

É interessante tentar extrair desta compilação de textos as linhas-mestras, os elementos em comum nas análises que perpassam as orientações políticas da I, II e III Internacionais, sobre o problema sindical. A necessidade de não reduzir a luta sindical aos limites estritamente econômicos é uma preocupação que perpassa todos os autores. Em Marx e Engels, fala-se de uma luta que faça com que as mobilizações mais ou menos espontâneas por melhores salários se transforme numa luta contra o regime assalariado e pelo controle operário sobre a produção. Lênin e Trótsky vão ambos retomar esta consigna, fazendo a devida mediação com as situações concretas do movimento operário.

Outra questão que perpassa os autores em distintas épocas refere-se ao problema da organização sindical. Marx e Engels chamam a atenção para o elemento extremamente progressivo de unidade forjada nas lutas sindicais entre os proletários de forma espontânea. A regra comum sob o capitalismo é o da livre venda da força de trabalho no mercado, fazendo com que, via de regra, o operário lute com o outro pelo emprego e pela sobrevivência. Pois é nos movimentos de resistência que esta competição transforma-se em solidariedade.

Posteriormente, Lênin e Trótsky desenvolvem o problema já em termos concretos de organização dentro do movimento sindical: conforme o problema ia se colocando de forma prática, Lênin e Trótsky são obrigados a desenvolver melhor o problema da organização. Entende-se o sindicato como a entidade  voltada ao trabalho e contato direto com as massas proletárias. Nesse sentido, os comunistas não devem ter uma postura sectária, nem podem, mesmo sob o estado operário (e assim ocorreu na URRS), exigir dos filiados aos sindicatos adesão ideológica ao comunismo. O que deve haver é a organização dos comunistas por meio de seu partido dentro dos sindicatos, de forma a buscar atrair aquelas massas operárias para o campo revolucionário, fazer avançar a consciência justamente a partir do núcleo mais consciente do proletariado, a vanguarda organizada no partido comunista. A unidade deve ser buscada a todo custo – e Trótsky trabalhará com esta verdade a partir da experiência do movimento sindicalista francês, recomendando a união entre CGT (Reformista) e CGTU (Revolucionária).    


A leitura desta compilação de textos é um bom ponto de partida para iniciar um debate não só teórico, mas prático, sobre os desafios do movimento sindical no Brasil e no Mundo. Longe de oferecer “fórmula pronta”, a teoria é um “guia para ação”, sendo necessário conhecer todo este vasto passado histórico do movimento operário e sindical, de maneira a identificar os limites e possibilidades oferecidos pela nossa conjuntura ao trabalho sindical revolucionário.      

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

“Sobre os Sindicatos” – V. I. Lênin


Resenha livro 99# - “Sobre os Sindicatos” – Lênin – Editora Polis 1979 – Coleção Teoria e História 4



“O princípio fundamental, o primeiro preceito de todo movimento sindical, consiste no seguinte: não confiar no “Estado”, confiar unicamente na força de sua classe. O Estado é a organização da classe dominante”. V. I. Lênin Pravda nº 90 Jun 1917

Tivemos acesso a esta compilação de escritos de Lênin acerca dos sindicatos (e questões corelatas, como as greves e a organização dos camponeses) promovida pela Editora Polis.  São mais de 50 excertos extraídos de resoluções de congressos do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), trechos de artigos de jornais, polêmicas dentro do partido operário junto aos economistas, aos mencheviques e aos liquidacionistas e recomendações pessoais de Lênin aos trabalhos já no âmbito da construção do socialismo.

É possível arriscar uma periodização dos textos conforme as diferentes fases da evolução histórica do movimento revolucionário na Rússia. Os primeiros artigos, correspondentes a uma primeira etapa nas análises, datam de 1895/1896 e vão até o ano de 1905. A questão premente, que perpassa os artigos, é a preocupação em articular a luta econômica (sindical) com a luta política (contra o tzar, pela República). A organização dos operários russos de então, o POSDR, apresenta como plataforma a unificação entre estas duas dimensões da luta – trata-se de transformar as lutas sindicais em lutas de classe, passar de uma mobilização pontual entre assalariados e patrão a uma união de toda a classe proletária contra os patrões de toda a Rússia. Se os capitalistas em todo mundo rompem as barreiras das fronteiras nacionais e se articulam mundialmente (por meio, por ex., das sociedades anônimas), uma organização de resistência operária deve também passar por um processo de unificação, nacional e internacional, que deveria ser levada a cabo pelo partido operário, o setor mais consciente da classe.

Aqui surge a polêmica com os “economistas”, setores do movimento operário que descartam a luta política sob o argumento de que a mobilização partidária “divide” e “enfraquece” os operários. Contra este ponto de vista, Lênin e seus seguidores relacionam o ponto de vista do “economismo” com os interesses da burguesia liberal, que acaba defendendo um programa parecido de reformas de “conciliação de classes”, além de advogarem a circunscrição dos limites das lutas operárias dentro dos marcos sindicais. É importante ressaltar aqui que o ponto de vista de Lênin e seus seguidores não é o de negligenciar ou rebaixar a segundo plano a luta sindical. Os Iskristas sabiam bem como o incipiente e progressivo movimento grevista na Rússia de inícios do séc. XX expressava uma possibilidade de revolução: ocorre que justamente para converter a greve econômica em luta política, torna-se necessária a participação partidária nos sindicatos, justamente conscientizando e educando os operários para as políticas do proletariado revolucionário. Lênin advoga a criação de células do partido dentro de agremiações sindicais, bem delimitando uma organização da outra – e contra, portanto, um entendimento de “flexibilização” do partido, no sentido de torná-lo “mais amplo”.

Uma segunda etapa pode ser delimitada das jornadas de lutas de 1905 até a tomada do poder pelos bolcheviques em outubro 1917. Como se sabe, a partir do fatídico ano de 1905, o número de greves expandiu-se rapidamente por todo território russo em escala jamais vista. O próprio Lênin destaca algumas particularidades do desenvolvimento capitalista na Rússia como elementos que irão engendrar as enormes greves do período: na Rússia a ausência de leis sociais sob o tzarismo, a enorme concentração fabril em alguns poucos distritos e a situação de exploração total dos operários (largas jornadas de trabalho, cobrança de multas pelos patrões aos operários, falta de meios de auxílios aos acidentados no trabalho) todos estes elementos criaram um verdadeiro barril de pólvora que estourou em 1905, o denominado ensaio geral da revolução russa de 1917.

Um artigo redigido por Lênin e publicado no órgão Proletari faz uma minuciosa descrição da greve política das lutas de rua em Moscou. Vejamos uma passagem do artigo:

“No domingo, 25 de setembro (8 de outubro), os acontecimentos tomam feições ameaçadoras. Desde as onze da manhã começam as concentrações operárias nas ruas. A multidão canta a Marselha. Improvisam-se comícios revolucionários. São destroçadas as oficinas gráficas que se recusam a acompanhar a greve. O povo assalta as padarias e os depósitos de armas: os operários necessitam de pão para viver e de armas para lutar pela liberdade (exatamente como se diz numa canção revolucionária francesa). Os cosacos (polícia) só conseguem dissolver os manifestantes depois da mais tenaz resistência”.

Uma terceira etapa referente à periodização dos distintos debates sobre o sindicato no movimento russo inicia-se com a tomada e a consolidação do poder nas mãos dos operários. Num momento anterior, os revolucionários discutiam a questão sindical inserida num quadro de luta contra o tzarismo (e o governo provisório, quando a revolução passa de seu momento democrático-burguês para propriamente socialista). E num estado operário, qual deveria ser o papel dos sindicatos? O ponto de vista de Lênin é o da assimilação dos sindicatos ao estado proletário – os sindicatos não se “dissolvem” dentro do estado, mas sobrevivem e continuam com o seu papel de defesa dos interesses dos trabalhadores, acrescentando, agora, tarefas relacionadas à direção da produção, à disciplina no trabalho e a propaganda e agitação política nas fábricas. Os comunistas devem aproveitar as entidades sindicais existentes, tirar proveito de uma base operária mais ampla do que o partido, como meio de efetivar o controle operário sobre a produção – e avançar na socialização dos meios de produção.

Existe uma diferença crucial, outrossim, entre a atuação do sindicato combativo no estado capitalista e no estado operário: no estado capitalista, o movimento sindical (a luta econômica) deve ser um momento específico de uma luta maior, uma luta política, uma luta de classes envolvendo proletariado e burguesia – e esta luta volta-se em algum momento contra o estado dos capitalistas. Quando o proletariado detém o poder político,  os sindicatos atuam na defesa dos interessas trabalhistas e também em defesa do estado proletário, de sua manutenção frente aos conspiradores e sabotadores. Em Lênin, assim, o sindicato, no âmbito do estado soviético, é um instrumento político que avança na tarefa de educar o proletariado a administrar a produção, a liderar o estado. Se há um denominador comum em todas as distintas fases históricas em que o problema sindical foi discutido no movimento russo, este denominador refere-se ao papel pedagógico dos sindicatos. Para utilizar uma expressão de Lênin, os sindicatos devem ser uma “escola de comunismo”.

Trótsky contra Lênin.

É comum escutar trotskystas argumentando ser o seu trotskysmo “a” continuação “legítima” do marxismo-leninismo. No que trata ao problema sindical, eis uma passagem da opinião de Lênin sobre a tese trotskysta acerca dos sindicatos:      

“Conclusões: nas teses de Trótski e Bukharin há toda uma série de erros teóricos. Uma série de inexatidões de princípio. Politicamente, toda a análise da questão equivale a uma absoluta falta de tato. As “teses” do camarada Trótski são uma coia nefasta no sentido político. Sua política, em suma, é uma política de limitação burocrática dos sindicatos. Estou seguro de que o congresso de nosso Partido condenará e rechaçará esta política”.


O que Lênin critica em seu artigo – de 1921 – é a falta da disposição dos bolcheviques em estudar e analisar a experiência prática dos trabalhos levados a cabo pelo Conselho Superior de Economia Nacional, os sindicatos e tribunais disciplinares (para o trabalho). Ao invés de se deter na experiência prática do movimento, Trótski faz uma discussão abstrata e meramente teórica, criando divergência onde não há diferenças de fato. Este é o eixo principal da crítica de Lênin em seu artigo “Sobre os sindicatos, o momento atual e os erros de Trótski”. 


sábado, 18 de janeiro de 2014

“A Esquerda Militar no Brasil” – João Quartim de Moraes

Resenha Livro #98 “A Esquerda Militar no Brasil: da conspiração republicana à guerrilha dos tenentes” – João Quartim de Moraes – Edições Siciliano

*Imagem de ilustração. Tivemos acesso ao volume da editora Siciliano. 


Tivemos acesso ao primeiro volume da história da esquerda militar no Brasil de João Quartim de Moraes. O volume vai dos momentos iniciais da formação do exército nacional após a independência, conflitos sociais e a ação do exército durante a regência e o Império,  da  conspiração republicana, do movimento abolicionista, do movimento florianista, da relação entre os militares e as chamadas políticas de salvação nos estados, dos primeiros levantes armados rebeldes como a revolta da armada (pela direita) e a revoluta da chibata (pela esquerda), pela resistência do forte de Copacabana (1922), até o movimento tenentista a partir de 1924.

Ainda que o foco do ensaio seja a especificidade das forças progressistas (“de esquerda”) do exército, como não poderia deixar de ser, esta história envolve a história dos militares brasileiros e a história política brasileira, do Império ao fim da República Velha, até a revolução de 1930.
Existem duas maneiras de se entender as diferenciações entre “esquerda” e “direita”. Como se sabe, esta denominação decorre da revolução francesa: à esquerda as forças progressistas relacionadas a projetos de transformação no sentido do igualitarismo; à direita as forças retrógradas, ou conservadoras da ordem desigual ou francamente reacionárias.

Já desde o ponto de vista marxista, a distinção entre “esquerda” e “direita” assumiria um sentido menos indefinido e vago. A esquerda marxista é revolucionária e alinha-se às classes produtoras e exploradas, que no capitalismo, são eminentemente o proletariado. Já a direita, desde o ponto de vista marxista, é o partido de todas as classes exploradoras, a burguesia nacional e internacional. No que tange a história da “esquerda militar”, como não poderia deixar de ser, estamos nos referindo ao sentido derivado da revolução francesa e não do marxismo.

E aqui aparece o que há de mais original e interessante neste ensaio de João Quartim de Moraes. Trata-se de seus balanços históricos – eventos históricos entendidos como progressista ou retrógrado. O que o autor faz é, na em medida que resgata a história política brasileira e os vários embates envolvendo os militares, o historiador vai delineando as posições progressistas e conservadoras de cada etapa histórica. O sentido marxista de “esquerda” não se enquadraria num país inteiramente agrário, virtualmente sem operariado. Assim, a “esquerda” militar foi, no final do séc. XIX, sintomaticamente denominada “jacobina”.

E os balanços dos vários embates políticos dentro dos quais os militares tomaram parte, ora penderam para a direita ora para a esquerda. Assim, no que tange ao problema da abolição, as forças armadas, e em particular o exército, tomam partido da liberação dos escravos, contra a vontade das classes latifundiárias que lutavam para perpetuar este odioso regime de trabalho. Segundo Quartim de Moraes, foi Nelson Werneck Sodré o primeiro a explicar o espírito abolicionista dos militares: na falta de contingentes para lutar na Guerra do Paraguai, o Império teve de se valer dos cativos, que lutavam heroicamente junto aos praças e oficiais mobilizados. Com o fim da Guerra, o retorno daqueles praças à condição de cativos revoltou seus colegas de farda.

E assim, segue a trajetória da esquerda militar brasileira. Um primeiro levante relacionado às más condições de vida dos Marujos foi a Revolta da Chibata liderada por João Cândido. O movimento teve como estopim justamente a punição de um marujo com 250 chibatadas. A repressão do governo foi brutal – e aqui não é difícil delinear qual era a “esquerda” e a “direita” no âmbito daquele conflito. Mesmo com promessas de anistias, os insurgentes foram presos, torturados e expulsos das forças armadas. Alguns anos mais tardes uma divisão análoga dentro das forças armadas pôde ser observada no movimento tenentista – alta patente em defesa da ordem e do governo e média e baixa patentes, além de voluntários do povo, junto às colunas rebeldes.  

Os tenentes iniciaram o 2º levante em São Paulo (o primeiro fora derrotado nas areias de Copacabana) e, concomitantemente, no Rio Grande do Sul. O objetivo do movimento era a derrubada do corrupto regime oligárquico: lutavam por eleições limpas, queria tirar do poder a elite agrário-exportadora que controlava a República, a valorização do exército e pela modernização do país.  O plano inicial dos tenentes envolvia a rápida tomada de São Paulo e a concentração de forças naquela cidade para a marcha até a capital, na época Rio de Janeiro.

A tomada de São Paulo não foi alcançada, mas os tenentes conseguiram bater em retirada de forma organizada e eficiente, após alguns dias de luta e bombardeio em São Paulo. Duas colunas, uma de São Paulo e outra do Rio Grande do Sul unir-se-iam em Foz do Iguaçu dando início à denominada Coluna Prestes, que percorreu 30 000 KM – mais espaço do que a Grande Marcha da Revolução Chinesa.
Um dos objetivos da obra de Quartim de Moraes delineado já na introdução é justamente desmentir pela história uma suposta inelutável tendência direitista das forças armadas no Brasil. Após o tenentismo, a esquerda militar daria mostras de existência pelo menos até 1964 com a revolta dos sargentos no RJ e sua adesão à campanha pelas Reformas de Base de Goulart.

Com o Golpe Militar direitista, houve sim a virtual eliminação de qualquer núcleo de esquerda dentro das forças armadas. Outrossim, é olhando para a história dos militares que veremos como em outras ocasiões, intervieram pela “esquerda” ou mais precisamente de forma “progressista”.

A doutrina positivista – hoje certamente retrógrada – conferiu aos militares do séc. XIX um elemento ideológico importante para a derrubada da monarquia – e certamente o fim da monarquia a instituição da república (ainda que fosse uma república dominada pelos clãs rurais) corresponderia a um avanço histórico. Hoje, o mínimo que se espera do exército é a sua não intervenção em assuntos internos – e mesmo na chamada “re-democratização” foi vista a utilização do exército para reprimir greves, como no caso de Volta Redonda, que culminou na morte de operários. Dada a nossa história política recente, temos razões para manter desconfiança junto às forças armadas, em especial caso ela opte por retomar o seu papel de interventora política nos momentos de crise – pelo lado da reação conservadora. Por outro lado, é certo que o projeto da Revolução Brasileira envolve uma frente militar, sendo também certo que a atual pecha direitista das forças armadas não signifique que novas intervenções pela esquerda não possam partir dos militares.   

Alto comando da Coluna Prestes em Porto Nacional, Goiás, 1925

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

“Mao e a China” – Roberto Buggiati

Resenha Livro #97 “Mao e a China” – Roberto Muggiati – Editora Record Livraria



Sobre o autor
Roberto Muggiati, jornalista brasileiro com formação no “Centro de Formação de Jornalistas de Paris”. Trabalhou em órgãos como BBC, Jornal do Brasil, Manchete e foi correspondente da Associated Press.
Uma questão costuma ser suscitada, em geral, pelos historiadores. Ocorre que o livro de Muggiati é um livro da história política e social da China, partindo-se dos primeiros movimentos nacionalistas contra a dominação estrangeira (acentuada pelo imperialismo japonês, britânico, russo e posteriormente norte-americano), passando pela formação do movimento comunista chinês, seus encontros e desencontros com o partido nacionalista Koumitang (KMT) de Chiang-Kai-Shek, a guerra contra o Japão, a guerra civil, a vitória dos comunistas em 1949 e o desenvolvimento do movimento chinês no poder. Mas se trata de um livro de história escrito por um jornalista. O estilo é objetivo e acessível. Parece uma grande reportagem. Do ponto de vista metodológico, pode-se dizer que é uma bem sucedida descrição e análise crítica tanto da história chinesa quanto de seu movimento comunista em particular. As fontes não se resumem aos documentos oficiais, mas trechos de reportagens, entrevistas feitas junto ao próprio Mao Tsé Tung, além de outros depoimentos colhidos por viajantes estrangeiros chineses.
Via de regra, o historiador costuma olhar com reservas os trabalhos empreendidos pelos seus colegas jornalistas na área de história. Neste caso em particular, porém, podemos dizer que Muggiati é um jornalista ou historiador bem sucedido. Sua isenção não implica numa falsa imparcialidade. O jornalista mostra autonomia apontando méritos e deméritos da experiência revolucionária chinesa, buscando aprofundar o seu objeto de estudo e desmistificar algumas versões correntes acerca da China – como aquela que seria propagada até pela aliada URRS, segundo a qual os chineses seriam um povo dedicado à guerra – o que serviria de argumento para os soviéticos negarem o acesso às fontes científicas para a construção da bomba atômica, que seria criada de todo modo pelos chineses, posteriormente.
A China é um país que teve sua história marcada por guerras, invasões estrangeiras e insurreições, quadro acentuado no séc. XIX pelas contradições promovidas pela intervenção imperialista no País. Um primeiro reflexo daquelas contradições seria a guerra dos Boxers, movida pelos chineses contra o imperialismo inglês que introduzira (e muito lucrava com) o ópio. Além do problema externo, havia falta de unidade nacional e territorial. A China durante o séc. XIX e início do XX fora um protetorado objeto de disputa entre ingleses, japoneses e russos. O Imperialismo se servia de um lucrativo comércio e dominava politicamente a China, nas condições mais humilhantes para os chineses. A fúria nacionalista contra a dominação britânica e japonesa era decorrente de uma situação vexatória na qual os estrangeiros eram cidadãos invioláveis no país. Este elemento nacionalista seria uma constante até a vitória definitiva da revolução chinesa.
Outrossim, a Revolução Chinesa tinha como desafio vencer os entraves feudais representados pelos “Senhores de Guerra”, donos de terras e de armas e que dividiam territorialmente o país nas suas áreas de influência. Para o Partido Comunista Chinês, fundado em 1921, a revolução teria de se voltar às duas frentes: à frente externa, contra o imperialismo; e à frente interna, contra os senhores feudais e posteriormente contra as forças do KMT.
A revolução
Um elemento distintivo da revolução chinesa refere-se à sua duração. A luta dos comunistas pelo poder dura nada menos do que 37 anos. Foram quase 4 décadas de uma luta constante e insistente, movida pelo Exército Vermelho, formado por camponeses e comunistas, sem operários, dada a incipiente industrialização chinesa antes da vitória em 1949.
Um elemento constitutivo daquela história seria a longa ou grande marcha, na verdade uma mobilização militar encabeçadas pelos comunistas – tendo Mao Tsé Tung como um dos líderes. O exército popular contava com 100 mil homens e percorreram em um ano quase 10.000 KM. Certamente foi uma mobilização heroica. Diante da inferioridade numérica das forças comunistas contra KMT, o Exército de Libertação Popular tinha como tática pequenos ataques de guerrilha de forma a surpreender o adversário, evitando sempre um confronto aberto e frontal. Moviam-se pelas matas e era ajudados pelos camponeses. Os comunistas tinham o apoio moral da população e cada vez mais ganhavam adesões. Isso porque o exército popular seguia uma estrita disciplina de respeito à população, além de introduzir o igualitarismo dentro do próprio exército – não havia no exército comunista soldados obedientes e subservientes e oficiais arrogantes e autoritários, mas um esforço no sentido da “disciplina consciente”, além de práticas saudáveis como sempre fazer com que os oficiais voltassem tempo a tempo a sua condição de soldado. Enquanto isso o exército nacionalista ia de encontro à desmoralização, diante de um governo corrupto e que logo se mostrou prostrado ao inimigo japonês. Foram justamente as vacilações de Chiang Kai Shek no combate aos japoneses aliadas ao enorme prestígio que ia desfrutando o exército vermelho, os elementos constituintes da vitória da revolução chinesa.
 A história da revolução chinesa não se encerra com a tomada do poder. Muggiati prossegue analisando o processo de industrialização chinês – um fenômeno descentralizado e que, segundo observadores em nada simpáticos ao comunismo, teria sido uma industrialização com inclusão social, em que o interesse da empresa não é apenas econômico, mas social, político e pedagógico.
Um capítulo à parte são as relações tumultuadas entre China e URSS que levaria, após a morte de Stálin, à ruptura sino-soviética de 1963. Stálin certamente cometera erros graves na análise de forças durante a revolução chinesa. Tendia a considerar o KMT como um partido aliado dentro da concepção etapista segundo a qual um país camponês e não industrializado deveria unir-se aos nacionalistas para uma revolução democrático-burguesa: o problema era que o governo de Kai Shek paulatinamente vinha capitulando ao imperialismo de forma a priorizar o combate ao “inimigo comunista” sobre o combate ao inimigo japonês. Outrossim, seria com a desestalinização e com a política de “coexistência pacífica” que viriam os atritos definitivos entre chineses e russos. Um dos efeitos mais graves da ruptura foi a retirada de cerca de 1720 técnicos russos da China, prática com efeitos catastróficos na economia chinesa.
O ensaio se encerra com análises daquele país até o fim dos anos 1960. Mas certamente, o que parece ser mais valioso para os comunistas brasileiros ainda é a heroica história da revolução.
A experiência chinesa ressalta o voluntarismo, a abnegação e o sacrifício do indivíduo em favor do coletivo. “Em determinadas circunstâncias, o subjetivo cria o objetivo”, dizia Mao, e aqui ele bem sintetiza o espírito daquela revolução.  Exemplos de batalhas militares entre vermelhos e brancos, na guerra civil, noticiam eventos em que os soldados vermelhos se destacavam como voluntários em tarefas em que sabiam ser quase certa a sua morte, como na tomada de uma ponte ante cidade ocupada pelo KMT. A própria longa marcha, com seu ascetismo, com caminhadas pela noite, com pouquíssima comida, além de temporadas em montanhas geladas, enfrentando o bombardeio do KMT a partir de aviões americanos, em si, expressa a enorme força de vontade dos comunistas chineses. Vale a pena conhecer esta história de abnegação e heroísmo que paira a história da revolução chinesa. Já os seus desdobramentos e a qualidade da China (hoje, aparentemente, um capitalismo de estado) passa a ser história para uma outra resenha.  
“Sem negar que o humanismo individualista burguês desempenhou um papel positivo durante um certo período histórico, estamos convencidos de que o humanismo proletário desempenhará um papel ainda maior. Certo, a burguesia destronou Deus para colocar o homem no centro do mundo. É o seu mérito. Mas o homem que ela colocou num pedestal é o seu homem, um burguês egoísta, impregnado de valores da sociedade de consumo. Em nossa sociedade um homem bem diferente e bem melhor está sendo formado”
Cheu Yang – dirigente do Partido Comunista Chinês
   


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

"Fogo Morto" - José Lins do Rego

Resenha #96 - “Fogo Morto” – José Lins do Rego – Ed. José Olympio



Tivemos acesso à 36ª edição deste consagrado romance do escritor paraibano José Lins do Rego. O Volume conta com um prefácio redigido pelo jornalista (e amigo do autor) Otto Maria Carpeaux. Conta ademais com uma pequena resenha de Mário de Andrade, além de ilustrações e uma pequena nota biográfica.

Quanto à biografia, vale a pena reproduzir algumas linhas redigidas pelo próprio Lins do Rego, quando já era autor consagrado:

“Tenho quarenta e seis anos, moreno, cabelos pretos, com meia dúzia de fios brancos, um metro e 74 centímetros, casado, com três filhas e um genro, 86 quilos bem pesados, muita saúde e muito medo de morrer. Não gosto de trabalhar, não fumo, não durmo com muitos sonos e já escrevi 11 romances. Se chove, tenho saudade do sol, se faz calor, tenho saudade da chuva. Sou homem de paixões violentas. Temo os poderes de Deus, e fui devoto da Nossa Senhora da Conceição. Enfim, literato da cabeça aos pés, amigo dos meus amigos e capaz de tudo se me pisarem nos calos. Perco então a cabeça e fico ridículo. Não sou mau pagador. Se tenho, pago, mas, se não tenho, não pago e não pero o sono por isso. Afinal de contas, sou um homem como os outros. E Deus queira que assim continue”.

Dentro da evolução histórica da literatura nacional, José Lins do Rego costuma ser interpretado como expoente da 2ª Geração do Modernismo. O Modernismo no Brasil teria como marco e ponto de partida a Semana de Arte Moderna de 1922. Ao mesmo tempo em que aquele período realçava novas tendências artísticas da Europa, o modernismo, no Brasil, diz respeito a uma primeiro e bem sucedido esforço de criar uma arte genuinamente Brasileira, que abordasse a nossa especificidade e o fizesse sem se adequar a modelos europeus, como o romantismo e o realismo-naturalismo. Aliás, tratava-se de um esforço que não se resumia às artes. Nas ciências sociais, as obras “Casa Grande e Senzala” de Gylberto Freire, “Raízes do Brasil” de Sérgio Buarque de Hollanda e “Formação dó Brasil Contemporâneo” de Caio Prado Júnior lançavam as bases, respectivamente, de uma nova antropologia nacional, de uma nova sociologia nacional e de uma nova historiografia nacional.

A 2ª fase do Modernismo, da qual Lins do Rego é expoente, implica num passo adiante em torno do esforço de criação de uma arte brasileira em sua forma e conteúdo. No caso, ganha destaque o regionalismo e obras de cunho social, que analisam e dissecam as relações sociais, o ambiente regional, os trejeitos e modos de se falar, o mundo e a vida em particular no interior nordestino, onde graça o coronelismo, o latifúndio e o cangaço. Romances regionalistas foram escritos por Graciliano Ramos, Rachel de Queiróz e Amando Fontes. E José Lins do Rego.

“Fogo Morto” é um típico romance regionalista. Como bem coloca Otto Maria em seu ensaio, é uma obra sociológica mas que ao mesmo tempo transcende o sociológico. O interesse pela vida social, pelos costumes, pelas crendices religiosas, todo um cenário de uma época perpassa todo o romance. Trata-se de histórias vividas no interior nordestino entre meados e fins do séc. XIX. Observa-se em primeira mão a decadência da sociedade açucareira, em particular no caso do engenho de Lula de Hollanda, que decai economicamente, em grande parte pelo desleixo do seu dirigente, além de ir paulatinamente caindo aquela família fidalga na desgraça do povo, no esquecimento e na pobreza. Em “Fogo Morto” aqueles engenhos que outrora foram a base econômica da colônia e do império, com a expansão do café no sul e com a competição do açúcar do Caribe e do açúcar de beterraba europeu, houve aquela regressão econômica e social com implicações dramáticas nas vidas dos personagens.

A sensação dada ao leitor é o de que aquele cenário caminha numa marcha inexorável do fim, de uma época histórica que vai se esgotando. O eixo econômico e político do país passara à são Paulo e rio de janeiro em decorrência do desenvolvimento do café – na verdade já antes com o início do ciclo da mineração vinha a decadência dos engenhos.  Esta expansão econômica do café deslocou o centro do poder para a nova oligarquia produtora que afirma sua força durante a República Velha. E no nordeste, os velhos métodos de produção arcaicos, a utilização de escravos, tudo vai em sentido contrário à modernização no sul.

O livro se insere num momento de transição, em que a abolição surge como uma mudança formal: a maioria dos escravos deixa-se ficar com seus senhores, com exceção dos cativos do engenho do Coronel Lula, homem conhecido pela brutalidade com os cativos. Mas, o que é mais importante, é que a abolição não alterou em substância a condição do negro e este ainda é visto como um animal de trabalho, de última categoria, mesmo  pelo Mestre José Amaro e Vitoriano, dois homens do povo, mas brancos.

A falta da mão de obra foi um dos elementos da ruína daquela elite dos engenhos de açúcar. Fogo Morto remete a ideia de algo que se passou e esta é a sensação do leitor: estar em contato com um mundo em vias de decomposição e desaparecimento, o mundo da casa grande e da senzala, de negros tratados como animais de carga, de casamento determinado pela vontade do pai, senhor absoluto do lar, tempo de crendices criadas nas conversas dos negros na cozinha e reverberadas junto à família sobre lobisomem, curupira e o capeta. Tempo da política movida à bala, do coronelismo e do cangaço. Na verdade, retificamos! Talvez fogo morto signifique a ideia de que algo esteja morto e vivo: a chama do fogo perpetua-se, ao contrário da vida que tem morte. O que queremos colocar é que todos aqueles elementos “arcaicos” do cenário de Fogo Morto mostram-se mortos e de alguma forma vivos, ainda que sob novas formas. A brutalidade do Tenente que busca o cangaceiro Capitão Antônio Silvino, chega a prender e torturar o velho 
Vitoriano e um velho, negro, cego e inocente. A ironia de ver pessoas da lei torturando um cego acusado de manter contato com o bando do cangaceiro. Pois a intervenção da polícia militar nas favelas e morros do Brasil do séc. XXI é de igual ou maior brutalidade. Quanto às crendices, as igrejas evangélicas estão cheias hoje. Quanto à condição do negro, houve abolição, mas o racismo impera. Assim, a nossa conclusão acerca do livro é a seguinte: (i) é um livro maravilhoso, escrito pelas mãos de um “contador de histórias”, que recria os ambientes e explora aspectos da psicologia dos personagem que vão além de uma certa literatura que se diz popular e apresenta o povo como um ente uniforme e superficial. Lins do Rego tem a mesma capacidade de Graciliano Ramos de introjetar o leitor na consciência de personagens que são simples na origem social, mas que expressam enormes contradições pessoais[1].  (ii) Conforme dizia Otto Maria, Fogo Morto transcende o aspecto sociológico. Além de ser um documento em forma de fotografia da sociedade agrária do nordeste brasileiro em seu tempo de decadência/ruína econômica, política e moral. Além do interesse para as ciências sociais, Fogo Morto é uma bela história, uma preciosa obra de arte escrita por um brasileiro nascido na Paraíba.


       




[1] Um adendo se faz necessário. A forma como o autor divide o romance implica num corte na narrativa muito revelador. Revela como a forma como entendemos uma personagem sempre é relativa, relativa à sua relação com às demais. Cada uma das partes tem o nome de personagens centrais da história: (i) Mestre José Amaro (ii) Coronel Lula Hollanda (iii) Vitoriano. E em cada parte cada personagem corresponde ao núcleo da história. Assim, ficamos conhecendo Vitoriano desde o ponto de vista do seu compadre Mestre José Amaro. Aqui Vitoriano aparece como fracassado e fraco. Era assim que o via o mestre seleiro. E no capítulo em que Vitoriano próprio passa a ser o centro da narrativa, nossa percepção sobre ele muda, ao conhecê-lo melhor somos tentados a vê-lo com mais empatia e simpatia.

sábado, 4 de janeiro de 2014

“Movimento Operário No Brasil (1877-1944) – (Org.) Edgard Carone

Resenha Livro #95 - “Movimento Operário No Brasil (1877-1944) – (Org.) Edgard Carone – Ed. Difel



Engana-se quem procura neste livro uma análise sistemática do historiador Edgard Carone acerca da história do movimento operário no Brasil e suas origens em particular. À parte um curto prefácio introdutório, todo o mérito do historiador reside, aqui, na pesquisa, na organização/sistematização e na publicação das mais diversas fontes históricas relacionadas ao tema. São muitos e muitos artigos de jornais e revistas, panfletos, cartas e boletins ordenados numa antologia dividida em duas partes.
A primeira parte, denominada "Condição Humana", cuida dos problemas mais sentidos pelo nascente movimento operário brasileiro. Por meio dos textos vamos tendo contato com o trabalho na fábrica, a vida nos sindicatos e associações de ajuda mútua, além de seleção de diversos manifestos que cuidam de explicitar quais eram as bandeiras de luta do nascente movimento operário. 
Como se sabe, a abolição do trabalho escravo só ocorreu no Brasil em 1888, sendo mais ou menos deste período as primeiras manifestações operárias protagonizadas essencialmente por imigrantes (predominantemente da Itália) que vinham ao Brasil trabalhar sob o sistema de parceria. E não será à toa que uma das principais bandeiras de luta dos operários de então será contra a lei de expulsão dos estrangeiros, lei Adolpho Gordo, estratagema das classes dominantes para criminalizar e expulsar do país os elementos estrangeiros envolvidos em movimentos reivindicatórios. Outras frentes de luta importantes: contra o militarismo (com especial participação dos anarquistas), contra à I Guerra Mundial, contra o tratado de Versalhes, contra os integralistas e o fascismo, contra a carestia da vida que se expressa pela alta dos preços dos alimentos não acompanhada do aumento nos salários e os altos preços dos aluguéis. As comemorações do primeiro de maio, em homenagem aos mártires de Chicago, também aparecem em distintos materiais impressos.
A segunda parte desta antologia denomina-se “Organização e Ideologia”. Aqui o foco dos textos bem como a sistematização feita por Carone delimitam-se pelas particularidades das diversas correntes políticas que atuavam dentro do movimento operário de então. 
E aqui cabe um parênteses importante. 
A história tradicional do movimento operário brasileiro costuma acentuar o elemento anarquista como se fosse a única corrente política existente em nosso movimento sindical, até 1917 (Revolução Russa) e 1922 (Fundação do Partido Comunista Brasileiro), quando estes anarquistas de ontem teriam "aderido em massa" ao comunismo. As análises das fontes primárias vão em sentido contrário. Primeiro porque o anarquismo, antes de 1922 e 1917, não era a única orientação política de nossos primeiros sindicatos e obreiros em luta. Havia além dos anarquistas, centros e partidos reformistas (Partido Operário do RS – 1890; Partido Socialista Brasileiro – 1890; Partido Democrata-Socialista – 1896, e muitas outras experiências regionais). 
Estava muito  bem representado um certo sindicalismo “puro-sangue” que se pautava exclusivamente pela luta econômica e condenava a introdução de correntes de pensamento político por causarem divisão dentro do movimento operário. Com algumas variações nos discursos, muitas destas uniões profissionais até poderiam passar por anarquistas, em especial por também cuidarem de afastar a religião, também como meio disseminador da discórdia. Mas estes sindicalistas anti-políticos e anti-religiosos seriam mais bem caracterizados como coorporativistas do que como anarquistas. E finalmente, havia Centros Operário Católicos que buscavam conquistar as mentes e corações dos trabalhadores pela direita. Os centros operários católicos recomendavam aos trabalhadores cristãos afastarem-se dos "subversivos" anarquistas que “incitam o ódio e a inveja aos ricos”. Os reformistas, reconhecendo eventualmente as más condições de vida dos trabalhadores, advogavam soluções de conciliação: em muitos dos programas dos chamados partidos socialistas há a recomendação para a conformação de tribunais imparciais de arbitragem entre patrões e trabalhadores. Alguns reformistas se colocam contra a greve. Outros entendem-na como um mal necessário e apenas legítima em casos extremos. Sintomaticamente, um jornal denominado o Imparcial, advogava a conciliação entre patrão, operário e estado e o "equilíbrio social".
Agora o que certamente podemos oferecer como concessão aos anarquistas é o fato de que os seus jornais, àquela época, serem os que ofereciam uma crítica social mais radical e poderosa, destacando-se dois jornais que chamam nossa atenção para os temas que abordam de modo bastante avançado: Terra Livre de São Paulo (1905) dirigido por Edgar Leuenroth e o periódico Amigos do Povo também de São Paulo dirigido pelo anarquista português Neno Vascos (1904). São os anarquistas que tecem as críticas mais qualificadas à hipocrisia da Igreja que chama os operários a resignarem-se aos desmandos dos patrões; são os anarquistas que estabelecem uma distinção importante entre exército e polícia, defendendo a greve dos primeiros e se posicionando contra os segundos, estando aqui mais avançados daqueles que ainda hoje insistem em falar, no Brasil, em "desmilitarização da polícia"; são os anarquistas que puxam campanhas internacionalistas de solidariedade, como as de apoio ao fundador da escola Moderna, Ferrer, preso na Espanha.
O fato é que esta vasta documentação organizada por Edgar Carone contribui para avançarmos na compreensão das raízes do nosso movimento operário. Trata-se igualmente de um importante trabalho para aqueles interessados em estudar a história das ideias políticas do Brasil (em especial a segunda parte da antologia) bem como a história social de nossa classe obreira (em especial a primeira parte da antologia).