domingo, 13 de janeiro de 2013

"Terra e Liberdade" - Ken Loach

Resenha Filme #4 “Terra e Liberdade” – Ken Loach




“Terra e Liberdade” aborda a Guerra Civil Espanhola a partir das experiências de David Carr. David é um jovem desempregado de Manchester, filiado ao Partido Comunista Inglês. Assistiu palestra sobre a luta contra o fascismo na Europa que o cativou a se inserir nas fileiras de batalha do campo Republicano, contra Franco e o Fascismo.

A questão do internacionalismo é reiterada ao longo do filme: das milícias do POUM (Partido Operário de Unificação Marxista) havia irlandês, francês, alemão e inglês. Sob outro aspecto o conflito apontava para o internacionalismo – o fascismo avançava sobre a Itália e Alemanha, de forma que a derrota de Franco poderia significar o fortalecimento tanto dos setores democrático-liberais, como dos partidos comunistas e socialistas naqueles países. Nesse sentido, a Espanha era observada pelo mundo e palco privilegiado da luta de classes.

David Carr, por uma questão de contingência e não, inicialmente, por opção política, adere ao POUM: ele havia conhecido militantes desta organizaão na sua viagem de trem para a Espanha.

A Guerra Civil Espanhola foi o produto de uma tentativa de golpe liderado por militares de Direita contra o governo legal e democrático. Em 17 de Julho de 1936, após um pronunciamento dos militares rebeldes, teve início a guerra. O POUM nascera em 1935, a partir de uma fusão da Esquerda Comunista Espanhola (trotskysta) e do Bloco Operário Camponês. Este último era de orientação comunista, implantado e com maior força na Catalunha, tendo como principal referência Joaquim Maurín.

O partido ao qual David se inseriu atuava na guerra por meio de milícias. Pelo filme de Ken Loach, nota-se que as brigadas mantinha tratamento equitativo entre homens e mulheres: as mulheres também tomavam parte das lutas nas barricadas e das discussões políticas. Após libertar um vilarejo do domínio fascista, o filme retrata o que seria uma primeira assembleia geral dos moradores do local. Os milicianos socialistas puderam, antes de assembleia, experimentar do ódio que aquele povoado mantinha pelos fascistas. Mães denunciavam o Padre local – que havia dedurado e provocado a morte de alguns jovens anarquistas. O ódio popular fez com que fossem feitas fogueiras e queimados os adereços da Igreja. Agora, na assembleia, ainda sob o calor daqueles acontecimentos, os moradores passaram a dirigir os rumos do povoado. Inicialmente os militantes do POUM buscavam não intervir e deixar os moradores deliberarem sobre o que fazer com as terras abandonadas. Convidados a participar do debate, os mesmos se dividem: uns defendem a imediata coletivização da terra e o fim da propriedade privada, enquanto outros defendem a manutenção da pequena propriedade e a liberdade de comerciar. Prevaleceu a 1ª tese após a defesa de um militante alemão do POUM que, oportunamente, lembrou que as hesitações e vacilações reformistas dos comunistas daquele país estava levando o fascismo ao poder – não poderiam cometer o mesmo erro na Espanha. Era parte da percepção daquele pequeno agrupamento revolucionário que a luta contra Franco caminhava junto com a revolução.

A desmobilização do POUM

No filme, podemos acompanhar cena de forte carga emotiva em que soldados do exército republicano apontam armas para os milicianos do POUM, exigindo a sua desmobilização, em troca de um exército regular, com hierarquias, sem mulheres e sem perspectiva revolucionária – um exército controlado pelo governo e internacionalmente apoiado pela URSS. A guerra revolucionária , que era então conduzida dentro desta perspectiva mobilizadora, com variações táticas, pelo POUM e pelos anarquistas da CNT, implicava na desestabilização política de um regime de conciliação com a burguesia. Além disso, uma revolução socialista em Espanha não interessava a União Soviética àquele momento – do ponto de vista diplomático a linha era não criar conflitos e ganhar tempo para se armar para o iminente conflito mundial. O Partido Comunista Espanhol stalinista entra em confronto com este campo político (Poum e anarquistas). Enquanto os fascistas eram alimentados pela máquina de Guerra da Alemanha e Itália, comunistas de um lado e anarquistas e socialistas revolucionários do outro lado da trincheira combatiam em armas nas ruas de Barcelona (Jornadas de Maio), ambos acusando-se reciprocamente de favorecerem o fascismo. O fato é que Stálin e sua teoria do socialismo em um só país via tanto como um risco revolucionário as milícias operarias que, por meio do PCE, tratava de impedir que as armas soviéticas chegassem aos milicianos. A radicalização e o transcrescimento da luta anti-fascista em uma mobilização na perspectiva socialista não estava na agenda dos burocratas de moscou. David Carr rasga sua carteira de membro do partido comunista inglês, mas, sem contarmos o final do filme, concluímos que Carr morreu ainda esparançoso quanto ao advento do socialismo. De fato a guerra civil espanhola teve como vitorioso o regime reacionário e detestável do fascismo. Mas a mobilização espontânea e generosa de milhares de brigadistas de todo o mundo e mesmo da Espanha para lutar nas trincheiras daquela guerra ainda nos lança esperança, até hoje, sobre a existência de pessoas em todo mundo que amam a liberdade e por isso estão dispostas a lutar até a morte contra o fascismo. Não Passarão!

sábado, 12 de janeiro de 2013

"A vida de Lênin" - Louis Fischer

Resenha livro #48 “A vida de Lênin” – Louis Fischer – Volume II


capa

Tivemos acesso unicamente ao volume II desta majestosa biografia do líder do partido bolchevique e da Revolução Russa Vladimir I. Lênin. Nossa edição contém do capítulo 25, “A Paz é uma Arma”, correspondente aos anos de Guerra Civil, até o capítulo 51, “O Fim”, com relatos da reação popular e da burocracia à morte do principal dirigente do país, àquela altura, já incapacitado para o trabalho.


Sobre o autor


Louis Fischer (1896-1970) foi um jornalista norte-americano que teve a oportunidade de ver de perto a realidade da Rússia dos primeiros anos pós-revolução. Iniciou a carreira trabalhando como correspondente na Revista The Nation, a mais antiga publicação em forma de revista dos Estados Unidos. Fischer participou como correspondente durante a Guerra Civil Espanhola e efetivamente tomou parte na brigada internacional contra o fascismo. Finalmente, Fisher deu aulas sobre a URSS na Universidade de Princeton, até a sua morte.

Visão panorâmica da obra

Ao contrário do que ocorre com alguns biógrafos, Fischer consegue manter certa distância crítica de seu objeto de estudo. Não hesita em estabelecer críticas e traça um panorama o mais realista possível da vida de Lênin, desde os anos do comunismo de guerra, passando pela NEP, a disputa pelo poder e a conformação da burocracia, corroborando para ascensão de Stálin - falo aqui, por suposto, do volume II da obra. Todo o relato é embasado por documentação extensa, que envolve correspondências pessoais, documentos oficiais e relatos pessoais de pessoas que conheceram Lênin.

Também a personalidade do líder é extraída de suas correspondências e de relatos de jornalistas, políticos estrangeiros, militantes do partido e diplomatas que puderam conhecê-lo pessoalmente. Em geral, a impressão pessoal destas pessoas fazem-nos crer que Lênin, pessoalmente, era uma pessoa afável e que tendia a escutar mais do que falar. Tinha estatura baixa e certa mania de forçar a vista e os olhos quando estava diante de seu interlocutor. Gostava de gatos e deixou-se fotografar em algumas ocasiões com felinos. Tal temperamento aparentemente doce contrasta com sua intransigente defesa de princípios e das suas ideias da tática e estratégia políticas, em geral. A ineficiência da administração do governo soviético, com os atrasos de abastecimento, a falta de produtos e as dificuldades de relacionamento com os camponeses implicavam em cartas bastante duras, apontando onde há o erro, condenando os responsáveis e ditando o que se devia fazer.

É bastante perceptível a clareza de Lênin quanto à necessidade de outras revoluções estourarem na Europa ocidental: esta seria pré-condição para o êxito total da Revolução Russa. Seu internacionalismo já contrastava tanto com a linha de Stálin acerca nas minorias nacionais em Rússia, quanto com a teoria stalinista de socialismo “em um só país”. Muito provavelmente, e teoria do “socialismo em um só país” deveria ter provocado risos ou, talvez, revolta e indignação em Lênin, se tivesse vivido ao ponto de conhecê-la.

Por último, o biógrafo lembra que Lênin era capaz de manter alguma separação entre relações pessoais e políticas. Ainda que os primeiros anos da revolução tenham exigido censura, prisões e pena de morte aos elementos contra-revolucionários, Lênin, por exemplo, dizia gostar da pessoa de Molotov, apesar das divergências políticas. Por outro lado, segundo Fischer, Trótsky – que, principalmente nos anos imediatamente anteriores à morte de Lênin, juntou-se a Lenin contra Stálin quanto à questão da Geórgia –não causava uma boa impressão pessoal ao líder do partido bolchevique. Lênin achava Trótsky excessivamente vaidoso e muito focado no aspecto administrativo e não político dos problemas. Entretanto, em sua carta testamento, não deixou de citar Trotsky como um dos militantes mais capazes. (Stálin não é citado por Lênin).
 
Comunismo de Guerra

O livro inicia-se narrando a difícil situação do Estado Operário, diante da guerra imperialista e da contra-revolução burguesa, envolvendo desde elementos que vão do antigo feudalismo russo, até mencheviques e socialistas revolucionários (partido socialista moderado com maior adesão no campo), todos engajados em desestabilizar o regime dos Soviets. Durante os primeiros momentos da revolução russa, o Estado Operário buscou estabelecer um controle total sobre economia e sociedade. O monopólio do comércio exterior por parte do estado, a proibição da comercialização e a distribuição de terras aos camponeses, com o fim do comércio neste setor, tinha a ver com o próprio esforço de sobrevivência da Rússia. O país, que já sofrera com os efeitos da guerra e com a guerra civil, via seu parque produtivo completamente desorganizado, levando ao desabastecimento nas cidades, à fome e epidemias, como de tifo. A vitória definitiva do exército vermelho sobre as forças da reação ainda não resolveriam outros impasses significativos naquela país. Uma dificuldade particularmente significativa era a falta de quadros capazes de assumir o Estado e mesmo as tarefas administrativas: muitos dos revolucionários bolcheviques tombaram na sangrenta Guerra Civil.

Em síntese o comunismo de guerra implicou no controle estatal direto da economia, em decorrência da fuga dos capitalistas, da destruição do mercado pela guerra e relação de desconfiança com a classe camponesa. A tensão entre cidade e campo expressava um desnível nas relações sociais entre a Rússia e os demais países capitalistas. Enquanto estes já possuíam um proletariado em expansão e organizando-se, a Rússia ainda era um país predominantemente rural, com maioria populacional camponesa. Inicialmente, os bolcheviques distribuíram as terras aos camponeses, montaram algumas cooperativas agrícolas, estatizaram fábricas e proibiram o comércio. Havia distribuição de tíquetes e talões de racionamento no lugar de pagamentos em moeda e trocas diretas de produtos. Ainda assim, ao longo do livro somos constantemente deparados com uma Rússia extremamente carente materialmente, com enormes dificuldades de locomoção sobre seu enorme território, com a fome e as mortes assombrando a cidade e o campo.

Em termos práticos as primeiras medidas tomadas pelo estado operário envolviam: requisição de cereais, o que era feito com muita dificuldade já que os camponeses escondiam parte da produção para comercializar clandestinamente; nacionalização de todos os bancos, fábricas e terras; decreto do trabalho obrigatório; requisição da produção agrícola; Retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial, estabelecida por meio do meio do Acordo de Brest-Litovski.

Paz, Terra e Pão

Sobre a questão da primeira guerra mundial, é válido um pequeno destaque. Deve se observar que ela é um dos motivos que explicam a própria Revolução Rússia. Tratou-se a guerra de um conflito extremamente impopular naquele país, em particular em função dos cerca de quatro milhões de russos mortos. O descontentamento da guerra e as desersões foram instrumentalizados politicamente pelos bolcheviques.

Após a Revolução de fevereiro, com a vinda de Lênina da Finlândia, de forma clandestina e com anuência dos alemães, o dirigente manifestou aquilo que ficou conhecido como as teses de abril. O pilar da tese era “Paz, Terra e Pão”, palavra de ordem da subsequente à revolução (ou golpe?) de outubro de 1917.

Em meio a toda esta turbulência, Lênin veio a se destacar como líder por meio de suas intervenções nos órgãos do partido e nos veículos de imprensa. Defendia suas posições com ênfase e força, mas quando era derrotado, centralizava-se pelo partido. Fischer cita alguns pontos de divergência entre os bolcheviques, destacando-se, particularmente, a questão das nacionalidades, o problema do comércio exterior, a relação conflituosa com os camponeses e estreitamento cada vez maior (implicando em maior autoritarismo político) entre estado e partido.

A Questão Nacional

A questão nacional colocou-se com vigor em um país de proporções continentais. Não é difícil perceber a enorme tarefa que estava à frente dos bolcheviques: articular diferentes etnias, línguas e culturas dentro de uma União de Repúblicas Soviéticas. “Como se fora gerente de uma empresa gigante, Lênin sabia que não podia ser rígido, tinha de manobrar, para que as coisas pudessem andar. Para espalhar a revolução, ordenou ao exército vermelho avançar Polônia adentro no verão de 1920. Mas ordenou contenção na reconquista das áreas do antigo império czarista”.

O fato é que um encaminhamento satisfatório para a questão das nacionalidades no interior da União Soviética envolvia a análise de cada caso em concreto – haviam regiões muçulmanas, e outras em que vigorava forte tendência anti-russa. Lênin advogava pela “independência” destes países, buscando relacionar a intervenção soviética como parte de uma luta geral anti-imperialista. Divergia de Stálin (ele próprio georgiano) que advogava um controle mais duro junto a tais nacionalidades. Ambos não abriam mão da liderança do Estado Operário frente às minorias étnicas da rússia. A diferença foi a de que Stálin advogava um controle ainda maior e mais duro, sem concessões.

Luta de classes sob o estado operário

Não só o descontentamento e o espírito separatista ou nacionalista de alguns povos da Rússia punham em risco a coesão e estabilidade do governo. O fato é que se observa a reprodução da luta de classes dentro do Estado Operário. O descontentamento dos marinheiros de Kronstadt (1921), uma rebelião operária esmagada pelos bolcheviques, e que ainda hoje divide ativistas quanto à conduta dos bolcheviques e de Trótsky. Greves ocorreram durante os anos 1920 da URSS e o descontentamento aumentava – na cidade pela falta de abastecimento, pelas epidemias, pela ineficiencia administrativa e corrupção, e no campo especialmente pela política de requisição forçada. Neste contexto, o governo operário adota a NEP (Nova Política Econômica), uma tentativa de restaurar elementos do capitalismo para avançar no desenvolvimento material e administrativo de um estado ainda esfacelado pela revolução e guerra civil. Lênin escreve artigos defendendo a implantação de empresas estrangeiras na Rússia – só assim, poderiam desenvolver as técnicas de produção, já que a produtividade do trabalho era muito baixa na Rússia. No campo ainda se trabalhava com os arados da época medieval. Outras diretrizes da NEP: liberdade de comércio; autorização para o funcionamento de empresas particulares; liberdade de salário para os empregados. O slogan pelo qual ficou conhecida a restauração parcial capitalista na URSS é "dar um passo para trás e dois para frente."

Últimos momentos da vida de Lênin

Lênin dedicou inteiramente sua vida à causa da Revolução. A partir da tomada do poder político pelos bolcheviques, relata-se que o mesmo trabalhava de 12 a 14 horas por dia. Todos os médicos foram unânimes em dizer que a gradual convalescência tinha a ver com o excesso de labor. Em sua sala de estudos, empilhavam-se livros sobre história, economia, relatórios da produção industrial e agrícola da Rússia, jornais e periódicos internacionais. Lênin dizia não ter tempo para ler romances, saia pouco, ia pouco ao teatro, e estava sempre acompanhado de Krupskaja, companheira e militante bolchevique. Antes de morrer, uma das principais preocupações de Lênin era a burocratização do poder, observada por por meio de uma série de exemplos de ineficiência administrativa ou mesmo corrupção – ineficiência que, por suposto, criava descontentamento popular e punha em risco mesmo a sobrevivência do estado operário. Lênin via se formar um contingente de burocratas intermediários sem qualquer preparo técnico para dirigir as fábricas, conduzir e administrar os serviços estatais, etc. Nos últimos anos de vida, já havia observado a excessiva concentração de poder nas mãos de Stálin. Para Lênin, o mais importante era a sobrevivência do governo soviético russo, mesmo havendo de fazer concessões.

A Nova Política Econômica é parte desta preocupação em fazer concessões para salvar o governo operário, assim como a diplomacia soviética e a condução política das nacionalidades remotas da Rússia. A falta de “democracia” e a centralização do poder não se explicam, naquele contexto, como algum desvio, ou o fruto de um temperamento “autoritário” de Lênin. Como político genial que foi, tenha certo senso pragmático (a teoria, para Lênin, é um guia para a ação). Entendia o partido como uma organização centralizada, com hierarquia e disciplina - sem este tipo de organização, pensava Lênin, jamais poderiam ter se organizado, principalmente nos anos de repressão czarista, até a tomada do poder político. Fischer nos faz crer que para um país atrasado como a rússia, avançar e dar passos em direção à industrialização, era necessário um regime mais centralizado.

Lênin também sabia bem que no campo havia uma tendência pró-capitalista e para garantir a direção do proletariado no governo, tinha de fazer concessões. Sabia e reiterava francamente que tanto do ponto de vista do desenvolvimento das técnicas de produção, quando do nível educacional, cultural e civilizatório do povo russo naqueles anos estava inferior à situação média dos países capitalistas.

O legado

O legado de Lênin traduz-se pelo seu exemplo de vida: foi um homem que vivem cada minuto da vida adulta pensando e agindo em torno da luta socialista. Literalmente, morreu de tanto trabalhar. Sua obra teórica igualmente merece lembrança, como parte do legado do que há de mais importante dentre os autores ligados à tradição marxista.