terça-feira, 25 de dezembro de 2012

"A Revolução Traída" - Leon Trotsky

Resenha #46 "A Revolução Traída: o que é e para onde vai a URSS" - Leon Trotsky. Ed. Sundermann



Leon Trotsky nasceu no distrito de Oblast na Ucrânia em 1879. Iniciou sua trajetória política como um socialista independente: é no decurso da Revolução que adere ao partido bolchevique de Lênin. Destaca-se como orador e agitador: é eleito presidente do soviet de Petrogrado e lidera o Comitê Militar Revolucionário que viria a concretizar a tomada do Palácio de Inverno, a queda de Kerensky e a tomada do poder pelos bolcheviques.

Uma vez consumada a Revolução de Outubro, Trotsky exerceu as funções de Comissário do Povo para Negócios Estrangeiros (quando foi destacado para negociar com a Alemanha o pacto Brest-Litovski) e Comissário do Povo para os Assuntos Militares (quando viria a organizar e liderar o exército vermelho, instrumento militar decisivo para a sobrevivência da revolução durante a guerra civil (1918-1920).

“A Revolução Traída: o que é e para onde vai a URSS” foi escrita no ano de 1936, quando Trotsky encontrava-se no exílio no México. Vale recordar que, com a morte de Lênin, houve uma re-ordenação das forças internas do partido bolchevique. Já desde os últimos momentos de vida de Lênin, já se esboça tensões políticas acumuladas: em 1924, Trótsky publica “As Lições de Outubro” em que critica Stalin e a direção do Komitern por sua política frente ao levante operário na Alemanha em 1923. As mesmas hesitações daquele campo político, segundo Trotsky, também puderam ser vistas às vésperas da Revolução de Outubro. Outrossim, já naqueles anos, surge, de forma embrionária, a oposição entre duas estratégias para o movimento: a tese de Stálin (que é a personificação da burocracia) do “Socialismo em um só país” e a perspectiva internacionalista da Oposição de Esquerda e de Trotsky.

Em 1927, Trotsky é afastado do partido e, dois anos depois, é expulso da URSS. Poucos foram os personagens na história que foram tão perseguidos e caluniados por uma poderosa máquina burocrática: o trotskysmo é um inimigo declarado da burocracia, que irá caçar Trotsky e seus familiares até conseguir calar sua voz em 1940, com seu assassinato no México.

Foi no exílio que Trotsky produziu a maior parte de sua obra escrita. “A Revolução Traída” é um destes ensaios do tempo fora da URSS: a partir de uma vasta e crítica pesquisa de números oficiais e estimativas acerca da produção industrial, agrícola, da produtividade do trabalho e do nível de desenvolvimento das técnicas de produção, Trotsky elabora uma poderosa síntese histórica, buscando descrever a natureza política do estado soviético e o papel histórico da burocracia.

O Caráter do Estado Operário

Segundo Trotsky, a “ditadura do proletariado é uma ponte entre as sociedades burguesa e socialista. A sua própria essência confere-lhe, pois, um caráter temporário. O Estado que realiza a ditadura tem por tarefa derivada, mas absolutamente primordial, preparar a sua própria abolição”. Ora o que se via então na União Soviética era um movimento contrário: conforme se fortalecia o poder da burocracia, esta se afastava cada vez mais das massas e das organizações de democracia direta. Restaurava-se o direito burguês, com a finalidade de garantir a posse e usufruto de bens por parte da camada privilegiada. O Estado ao invés de agonizar, “torna-se cada vez mais despótico; se os mandatários da classe operária se burocratizam e a burocracia eleva-se acima da sociedade renovada, não é por causas secundárias, como as sobrevivências históricas do passado etc., é em virtude da inflexível necessidade de formar e de conservar uma minoria privilegiada enquanto não é possível assegurar a igualdade real.”

Enquanto já nos anos 1930, a burocracia soviética e seus “amigos do ocidente” como o casal Webb, já alardeavam solenemente o fim da divisão das sociedades em classes e uma realidade socialista na URSS, Trotsky, ancorado especialmente nos níveis de produção e produtividade do trabalho, entende que o Estado Operário, para se encontrar ainda no primeiro estágio do socialismo, precisa encontrar um equilíbrio entre produção e consumo, realidade bastante distinta da URSS. O mesmo podia-se dizer com relação ao nível de desenvolvimento das forças produtivas: naquela conjuntura, inferior aos países capitalistas. Vale ressaltar os inúmeros exemplos de desigualdade social, com o acesso aos bens de consumo e conforto exclusivos aos burocratas, enquanto parcelas significativas do proletariado e do campesinato persistiam em condições sociais análogas ao do tempo dos czares. Aliás, mesmo as relações de Mando, a restauração da hierarquia dentro das forças armadas e da polícia (os três fenômenos discutidos por Trotsky) só faziam com que o Estado Operário se aproximasse mais do passado feudal do que do futuro comunista. Assim, mesmo com a planificação da economia e o monopólio do comércio exterior, Trotsky não caracterizava o Estado Operário, naquele momento, como socialista: tratar-se-ia de um estado operário a meio caminho entre o capitalismo e o socialismo. A vitória do socialismo na URSS dependeria da vitória das revoluções operárias nos países avançados do capitalismo: uma nova revolução socialista na europa criaria a força e confiança para o proletariado e as massas russas avançassem sobre a burocracia, promovendo a necessária Revolução Política. Dois caminhos estavam em aberto para URRS naquela conjuntura: o perigo da restauração capitalista (reação) ou uma nova revolução, de tipo política, que viria a derrotar a burocracia e restabelecer o regime de produção planificada para melhor satisfação das necessidades humanas.

A Burocracia Soviética cumpre, segundo Trotsky, um papel análogo à “reação termidoriana”. O significado da expressão remete a derrubada do setor mais radicalizado da Revolução Francesa (Jacobinos), iniciando-se o período da reação, com a extinção das medidas revolucionárias e perseguições dos antigos líderes. A explicação para a equiparação da burocracia à reação encontra os seus fundamentos na história:

“O Caráter proletário da Revolução de Outubro resulta da situação mundial e de certa relação de forças no interior. Mas, na Rússia, as classes tinham-se formado no seio da barbárie czarista e de um capitalismo atrasado, e não tinham sido preparadas de encomenda para a Revolução socialista. Muito pelo contrário, foi precisamente porque o proletariado russo, em muitos aspectos, ainda atrasado, conseguiu dar o salto em alguns meses sem precedentes na História, de uma monarquia semifeudal para uma ditadura socialista, que a reação foi obrigada, inelutavelmente, a fazer valer os seus direitos no interior das próprias fileiras. Ela cresceu no decurso das ondas que se seguiram”.

Outra razão para o fortalecimento da burocracia deu-se na medida das derrotas do proletariado em nível mundial. Em contraposição à perspectiva do internacionalismo, a burocracia soviética (e sua tese de Socialismo em um só país) ganhava segurança, enquanto a classe operária dos países europeus sofria derrotas históricas: a derrota da insurreição na Alemanha em 1923, Estônia em 1924, a liquidação da greve geral na Inglaterra e a derrota da revolução chinesa em 1927 foram implicando na desilusão crescente das massas na perspectiva da revolução mundial, “permitindo à burocracia soviética elevar-se cada vez mais como alto farol indicando o caminho da salvação”.

Hoje, mais de oito décadas depois de “A Revolução Traída”, esta bela obra de história ainda tem força para formar politicamente e inspirar novas gerações à luta socialista. A defesa intransigente dos princípios marxistas acerca da revolução mundial e de seu sentido igualitarista – em contraponto à conformação de uma burocracia dirigente que viria a ser parte da restauração capitalista – ainda se mantêm bastante atual, quando parcelas da esquerda ainda depositam esperanças em torno de governos da Frente Popular, com deformações análogas ao stalinismo. A crítica radical à burocracia – buscando identificar como e porquê se fortalece – parece-nos ser o que há de mais atual em “A Revolução Traída”.

sábado, 15 de dezembro de 2012

"Rumo à Estação Finlândia" - Edmund Wilson



Resenha #45 “Rumo à Estação Finlândia: escritores e atores da história”  - Edmund Wilson


A Estação Finlândia sobre a qual  o título do ensaio do jornalista norte americano Edmund Wilson faz menção refere-se à estação de trem pela qual o líder do partido Bolchevique V. I. Lênin embarcou à Russia em abril de 1917.

Como se sabe, as lutas sociais contra a autocracia e o regime dos Czares na Rússia datam desde o final do século XIX. O próprio irmão mais velho de Lênin envolvera-se no grupo terrorista “Pervomartovtsi” e foi morto, aos 21 anos de idade, fato que teve implicações objetivas na vida de Lênin (dificuldade de acesso a estabelecimentos superiores de ensino em função do passado do seu irmão) e dos desdobramentos em sua política, que seria consolidada a partir do marxismo.

Em 1905, uma grande mobilização em São Petersburgo exigindo reformas democráticas e liberalizantes terminou com naquilo que ficou conhecido como domingo sangrento, quando a guarda imperial massacrou os manifestantes pacíficos em praça pública.  

Após o domingo sangrento, as forças da reação ganharam força, assim como as perseguições políticas, censuras e expurgos. Entretanto, o grande número de mortos russos na 1ª Guerra Mundial,  o descontentamento dos camponeses, submetidos à relação feudal de produção e a fome nas cidades criariam o caldo a partir do qual um conjunto de mobilizações culminaria nas  revoluções de fevereiro e outubro de 1917.

As conjunturas revolucionárias, esquinas perigosas da história, são capazes de surpreender até mesmo os mais bem preparados líderes políticos,  tal qual Lenin.  Assim, em 1922 de janeiro de 1917, Lenin disse a uma plateia de jovens, em uma conferência sobre a Revolução de 1905: “Nós, que pertencemos à Geração mais velha, talvez não vivamos o suficiente para ver as batalhas decisivas da revolução vindoura”. Pois é justamente o lado mais humano das personagens (com as suas contradições internas, seus traços de personalidade e suas relações pessoais), um dos aspectos que Wilson mais busca destacar dos seus “atores da história”.

“Rumo à Estação Finlândia” é um ensaio que versa sobre a história das ideias. Tem como ponto de partida a análise das ideias do historiador francês Michelet (autor de importante obra sobre a Revolução Francesa), fazendo um itinerário que vai do momento em que a burguesia ainda mantém uma perspectiva revolucionária, passando pela fase de declínio da tradição revolucionária burguesa em Renan, Taine e Anatole France. O movimento prossegue, agora descrevendo a origem do socialismo, primeiro por meio do socialismo utópico (Babeuf, Sain-Simon, Fourier e Owen), pelo socialismo científico de Marx e Engels, até, finalmente, atingir a estação Finlândia, correspondendo a momento de intervenção revolucionária do proletariado a partir de Lênin e Trótsky.

Vemos assim, a partir de uma leitura panorâmica de “Rumo à Estação Finlândia”, a correspondência entre as ideias, os escritores e os atores da história e a co-relação de forças entre as classes sociais, em determinado momento da história: Michelet foi pioneiro por ser o primeiro historiador a encarar seu objeto de estudo como produto da ação humana. A história, em Michelet, não é feita exclusivamente por grandes líderes que conduzem o processo histórico: “outra coisa que essa História  demonstrará com clareza, e que vigora em todos os casos, é que o povo era normalmente mais importante que os líderes. Quanto mais fundo escavei, mais me convenci de que o melhor estava no fundo, nas profundezes obscuras. E compreendi que é um grande erro tomar esses oradores brilhantes e poderosos, que exprimiam o pensamento das massas, como os únicos atores desse drama. Eles receberam impulsos de outrem muito mais do que o impediram. O ator principal é o povo”.

Michelet expressa as ideias da nova classe dominante burguesa: busca, nestes marcos de transformação social, criar um novo método para escrever sobre a história – e escreve, emblematicamente, sobre a Revolução Francesa, experiência que derrotou a monarquia e o feudalismo na França, repercutindo, o evento, por todo o mundo.

A voga revolucionária burguesa ganharia algum fôlego com a primavera dos povos de 1848. Entretanto, a classe burguesa, com o advento da revolução industrial e o surgimento do proletariado, passa a temer o crescimento deste novo ator político. Assim a revolução de fevereiro e outubro de 1948 em França contou com a participação de socialistas dirigidos por Auguste Blanqui, que dirigiu desde Paris uma insurreição em junho daquele ano, esmagada pela reação. Se à grande burguesia industrial interessava um regime liberal e constitucional, ao mesmo tempo, a agitação e radicalização política poderia colocar aqueles processos revolucionários fora do controle da burguesia. É nesses marcos que autores como Renan Taine ou Anatole France já representam um momento em que a produção das ideias burguesas perdem o ímpeto revolucionário. Entra em cena, do ponto de vista da teoria da história, a equiparação entre a mesma e as ciências naturais. Segundo Wilson, “o entusiasmo pela ciência que caracterizara o iluminismo persistia, sem o entusiasmo político do Iluminismo”.

Os personagens da história, para além do mito

Como analisamos, “Rumo à Estação Finlândia” aborda um conjunto de pensadores e escritores que viveram entre os séculos XVIII, XIX e XX. Trata-se de um ensaio que versa sobre a história das ideias: o leitor vai percebendo como o desenvolvimento do processo histórico caminha pari passu com o universo de escolhas e expectativas de cada autor para cada contexto histórico e para cada correlação de forças entre as classes sociais. Acompanhamos uma trajetória que vai da burguesia em sua fase revolucionária, da burguesia em sua fase conservadora desde que à frente da sociedade e sob a pressão da insurreição proletária, dos pensadores socialistas utópicos, do socialismo científico e do movimento socialista colocado em prática na Rússia de 1917.

Edmund Wilson foi um jornalista e crítico literário norte-americano. Foi editor da revista “Vanity Afair” e da “The New Yorker” (Revista que existe até hoje e que equivaleria a nossa Piauí). Não se trata de um autor marxista: muito pelo contrário, o autor, em diversas passagens, tece duras críticas a um dos pontos mais centrais do marxismo, a dialética. Segundo Wilson, a dialética, em Marx e Engels, quando relacionada à análise da história, assume, sem que os autores o percebam, um caráter metafísico. Assim, o ensaísta vai relatando uma série de textos e cartas de Marx e Engels que fazem crer que ambos tinham uma noção teleológica da história, o que é alcançado por meio de uma noção vaga do sentido de dialética.

O fato é que a dialética hegeliana, assumida pela teoria marxista, não corresponde a uma ideia irracionalista, mística, etc. A dialética é re-elaborada pelo marxismo, relacionando-a com os conflitos de classe que dão propulsão à história. Não se trata de um mecanismo “oculto” ou, como em Hegel, um movimento que leva o filósofo a uma espécie de verdade ideial, mas de método fortemente imbricada no materialismo, na análise concreta da realidade concreta.

Feita esta consideração, “Rumo à Estação Finlândia” é um livro que vale a pena ser lido, eventualmente para situar como um liberal (com vasto repertório cultural) interpreta e critica o marxismo, que reivindicamos. Trata-se de uma crítica que parte de um ponto de vista especial e incomum.

Citação Final

“Quanto aos objetivos e ideais do marxismo, há neles uma característica que atualmente é encarada com suspeita, e não sem razão. Não basta que o estado assuma o controle dos meios de produção e se estabeleça uma ditadura que defenda os interesses do proletariado para que esteja garantida a felicidade de ninguém – exceto dos próprios ditadores. (...) Porém, feitas todas essas considerações, resta algo mais importante que é comum a todos os grandes marxistas: o desejo de abolir os privilégios de classe baseados no berço e nas diferenças de renda; a vontade de estabelecer uma sociedade em que o desenvolvimento superior de alguns não seja custeado pela exploração – ou seja, pela degradação proposital – de outrem: uma sociedade que seja homogênea e cooperativa, algo bem diverso de nossa sociedade comercial (...)”.   

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Triologia Suja de Havana - Pedro Juan Gutiérrez


Resenha Livro #44 Triologia  Suja de Havana - Pedro Juan Gutiérrez




Triologia Suja de Havana narra a vida cotidiana do povo cubano durante o contexto de grave crise econômica por que passa Cuba durante os anos de 1990.

Como se sabe, Cuba, em 1959, passou por uma revolução popular que pôs fim à ditadura corrupta de Fulgêncio Batista. Inicialmente, a revolução cubana não teve um caráter socialista, tal qual a revolução russa de outubro de 1917. Tanto é verdade que mesmo o governo dos EUA inicialmente (antes das nacionalizações) viu com simpatia aquele movimento, sugerindo eventual adesão da Ilha aos ditames do imperialismo após a fase revolucionária. Na verdade, Cuba, até a revolução, foi um país dominado pelo imperialismo – seja em sua fase colonial por Espanha seja em sua fase independente pelos EUA. Com as nacionalizações e frente ao contexto geopolítico internacional da Guerra Fria, a nação Cubana aderiu ao campo socialista, colocando-se em lado oposto ao imperialismo norte-americano. No âmbito tanto da economia quanto da política, a ilha tinha a URSS como principal aliada: com o fim da URSS a partir de 1990 Cuba viveu uma grande crise econômica, desde que perdera uma parceira comercial que praticamente a sustentava economicamente.

Pedro Juan narra como os cubanos vão sobrevivendo frente à crise.  Seu texto dialoga com o jornalismo, desde que as histórias narradas contêm uma forte carga de realismo e mesmo de objetividade.  Em meio a uma situação de escassez de alimentos, de moradia digna e de acesso a algum serviço público de qualidade, os personagens aparecem como indivíduos abandonados e que lutam pela sobrevivência diariamente: muitas das mulheres (e alguns homens) optam pela prostituição enquanto outros lidam com contrabando, compra e venda de alimentos e outros bens de baixo valor, além dos trabalhos estatais muito mal remunerados.

Do ponto de vista político, a impressão que o leitor tem é a de que a perspectiva da criação de um novo mundo socialista, em que os valores de solidariedade, fraternidade e coletividade sejam hegemônicos, choca-se  com uma realidade de escassez, de fome e de miséria do povo cubano. A luta pela sobrevivência vem antes da luta abstrata por um outro tipo de sociedade. Cada história individual relatada mostra personagens que passam fome e em extrema penúria, passando-se em branco eventual interesse pela grande política por parte da esmagadora maioria dos personagens. Se por um lado há a expectativa de que, num país que reivindica o socialismo, houvesse a percepção crítica da população acerca da realidade e dos problemas pelos quais passam, o que se percebe é uma sensação de indiferença com relação à política: luta pela sobrevivência e o contexto de total escassez criam condições para uma situação que remete à animalização do homem. A sexualidade exacerbada do narrador Pedro e dos demais  aparece repetitivamente no ensaio. São relatadas a todo momento cenas de sexo, como se o ato sexual fosse um mecanismo de compensação à vulnerabilidade da vida.

Raramente, há críticas sutis à burocracia, sugerindo que eventuais indivíduos bem relacionados com o governo não estivessem sofrendo as mesmas agruras que o povo. Entretanto, como afirma José Rubens Siqueira, “os personagens deste livro são sobrevivente que não questionam o comunismo revolucionário do sistema e ao mesmo tempo não acreditam nele”.  Ou seja, os desafios da construção de uma nova sociedade passam longe dos interesses daqueles que a cada dia buscam o mínimo para sobreviver.

Assim, os anos de crise são marcados por desilusão, sem que a mesma se traduza em algum momento em revolta ou rebelião contra a ordem dominante.

A leitura deste livro pode chocar muitos que ainda interpretam Cuba como um país isento de contradições, particularmente frente à consolidação de uma burocracia dirigente em detrimento da conformação de um socialismo “de baixo para cima”, a partir da tomada do poder político pelas massas. Como se sabe, é impossível construir o socialismo em um país só e a tragédia cubana, além do bloqueio econômico, refere-se à ausência da generalização do socialismo em nível mundial.  

Não se pode, por outro lado, perder de vista a existência de inimigos do socialismo que podem tirar proveito dos relatos de “Triologia Suja de Havana” para denunciar a suposta inviabilidade do socialismo de maneira geral. Além do embargo promovido pelos EUA, a crise relatada no livro é parte da crise do socialismo em nível mundial. A incredulidade com relação ao socialismo generalizou-se mundialmente a partir da emergente hegemonia neoliberal, também a partir dos 1990. 

Seja como for, é por meio da contextualização histórica que o livro de Pedro Juan Gutiérrez deve ser visto: como parte de um momento histórico de crise de alternativas societárias ao capitalismo e isolamento geopolítico total de Cuba. As derrotas do socialismo não devem servir de base para uma restauração capitalista, mas pela renovação deste modelo societário, fazendo-se autocríticas e aprendendo sempre com os erros do passado.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cultura e Sociedade no Brasil - Carlos Nelson Coutinho


Resenha livro #43 “Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas” – Carlos Nelson Coutinho



O livro coresponde à compilação de ensaios de Carlos Nelson  Coutinho escritos num intervalo de 30 anos. O que unifica os ensaios é a análise da cultura e, particularmente, da produção artística do Brasil a partir da opção teórico-metodológica marxista. Dentro do campo marxista, o autor serve de categorias como “revolução passiva” , “Via prussiana”, “Sociedade civil” ou “intimismo a sombra do poder” dentre outras expressões decorrentes do pensamento de destacados intelectuais marxistas, a saber: G. Lukács, A. Gramsci e V. Lênin.

A opção teórico metodológica de Coutinho parece não sofrer grandes mudanças ao longo destes 30 anos. Há a sensação de que os escritos têm como mínimo denominador comum o esforço de relacionar a arte e a cultura de forma geral com as transformações econômicas e políticas de maiores proporções, partindo do Brasil colônia, passando pela modernização conservadora e inserção do país ao capitalismo em suas fases industriais (a partir dos anos de 1930) e o capitalismo monopolista de estado (a partir do golpe e do regime militar).  

Nas palavras do autor, “(...) não proporia uma leitura conjunta destes ensaios se não estivesse convencido de que eles possuem uma unidade substancial, tanto de método como de conteúdo”. Assim, o autor tem como fio condutor de suas analises da produção literária no Brasil as interações entre arte/cultura e as relações sociais dominantes de determinada conjuntura.  Os artigos reiteram ser somente possível entender os “fenômenos artísticos e ideológicos quando estes aparecem relacionados dialeticamente com a totalidade social da qual são, simultaneamente, expressões e momentos constitutivos”.

Tomada de posição política e Contextualização Histórica

Esta unidade entre artigos escritos em um intervalo de três décadas é possível de ser percebida não só  pelas escolhas das categorias sociológicas para análise da realidade, mas também pela própria orientação política de Coutinho, para quem uma arte superior  seria produto de uma verdadeira cultura nacional popular, realidade que apenas teria concretude numa sociedade socialista.   

A opção teórico metodológica marxista igualmente repercute nos ensaios quando o autor “historiciza” os fenômenos culturais ou a produção literária e intelectual de pensadores e escritores brasileiros.  “Historicizar” significa contemplar as obras também como produto das relações sociais dominantes em cada período. Significa analisar o universo de escolhas possíveis a cada autor/artista, e interpretar o porquê de cada escolha, apontando para o conteúdo político do resultado final das obras intelectuais. Significa, portanto,  analisar o contexto histórico geral (economia, sociedade e política) a partir da qual o artista/autor intervem,  sem cair no anacronismo, ou seja, determinando que a obra de arte “poderia ter tido um resultado diferente”, não considerando o universo/repertório de possibilidades de escolhas de cada momento histórico. (Anacronismo, portanto, é desconsiderar que determinada opção simplesmente não estava colocada em dado período histórico).

Desta forma, dificilmente haveria no Brasil do início do séc. XX autores que tivessem acesso às obras marxistas, além da “sociedade civil” (Gramsci) não estar estruturada o suficiente de forma a criar uma arte nacional popular verdadeiramente aliada aos setores explorados pelo capitalismo. Lima Barreto simpatiza com a Revolução Russa, mas sua simpatia é antes intuitiva do que resultado de uma profunda convicção política. Ainda assim, o autor de Policarpo Quaresma, ao estabelecer uma crítica radical e irônica aos poderes políticos de sua época, aponta para um novo tipo de arte que supera a lógica ornamental e formalista decorrentes da relação de subordinação dos intelectuais  ao poder– realidade que marca o romance brasileiro do séc. XIX e é produto do “intimismo a sombra do poder”. (Lukács).

A busca de uma interação entre as produções culturais e a totalidade das relações sociais de cada conjuntura histórica implica, em Coutinho,  na não adesão a uma certa crítica literária que centra sua análise exclusivamente nos traços biográficos do autor. Assim, a análise de Lima Bareto não está ancorada em evidenciar o alcoolismo ou eventuais patologias individuais do escritor/jornalista, mas sim estabelecendo sua obra (contestadora e intuitivamente socialista/igualitarista) como o resultado da percepção de mundo do autor e a do repertório cultural disponível no Brasil do início dos anos 1920: há também de se considerar as possibilidades abertas para uma nova posição social do intelectual a partir das transformações por que passa o país (urbanização, gênese de uma incipiente classe operária e  inserção do capitalismo pela “via prussiana”, o que significa a sobrevivência e a coexistência de elementos pré-capitalistas no processo de modernização conservadora). Além de Lima Barreto, são objeto de análises específicas Graciliano Ramos, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes.  

Sínteses 

Os diversos ramos da nossa literatura e produção intelectual têm a ver inicialmente com a posição social dos intelectuais frente à inserção do Brasil ao capitalismo. A reiteração do fato do Brasil ter passado por um processo de "revolução passiva" (Gramsci), serve, nos ensaios, para justificar as dificuldades dos intelectuais de superarem sua subordinação à classe dominante, criando condições para a ocorrência de uma arte Ornamental, vício que será superado a partir da literatura realista e humanista de Lima Barreto e Graciliano Ramos. Há, na tradição literária brasileira, o fato dos intelectuais estarem condicionados ao “intimismo a sombra do poder”.  O escritor de valor superior é aquele que, escrevendo sobre as questões de seu tempo, consegue, outrossim, criar personagens de caráter universal expressando possibilidades de interpretação que vão além do mero relato do tempo presente, havendo mesmo projeções em direção ao futuro em suas obras.  

A leitura “Cultura e Sociedade” é de difícil assimilação, desde que a crítica literária parte do pressuposto de que o leitor tenha certo repertório cultural inicial para melhor compreender os exemplos comparativos de diversos autores, escritores e intelectuais citados por Coutinho. A leitura do livro, outrossim, pode ser pedagógica, talvez menos pelas interpretações pessoais de Coutinho acerca do valor literário de cada escritor e mais em função do seu método de análise. O nome da compilação “Cultura e Sociedade” deixa claro, desde já, que a tarefa do crítico literário não pode se resumir à interpretação da obra e do autor “em si”, mas na complexa interpretação das relações entre arte/cultura e a totalidade das relações sociais. Estudar a literatura e a produção cultural no Brasil é parte do esforço maior de análise da realidade nacional, tarefa necessária àqueles que têm como meta a superação da sociedade capitalista e a transição rumo ao socialismo. 

domingo, 22 de abril de 2012

Palestra - Alex Callinicos - Marxism Festival

Palestra #3 – Alex Callinicos


Esta palestra foi proferida durante a edição de 2009 do “Marxism Festival”. Este evento reúne intelectuais e ativistas de todo o mundo para dialogar e debater as pautas mais importantes da agenda da esquerda anticapitalista, socialista e revolucionária. Esta palestra teve como tema “O Que Significa Ser Um Revolucionário Hoje”. A mesa é composta por Callinicos e o famoso filósofo esloveno Slavoj Zizec.

Alex Callinicos é dirigente do Socialist Workers Party (SWP), principal partido anticapitalista da Inglaterra.

Seguem alguns destaques da intervenção de Callinicos. O objetivo desta resenha é contribuir com aqueles que não dominam a língua inglesa e desejem conhecer as teses de Callinicos. Outrossim, não se trata de uma tradução do debete, mas de alguns destaques pessoais que podem eventualmente ser objeto de debates e controvérsias quanto à tradução e/ou interpretação do que é dito.

O link do debate é: http://www.youtube.com/watch?v=qDJEwfTOGcI

1- Pensar sobre o que significa ser um revolucionário hoje deve partir da análise do capitalismo hoje, destacando em particular o fato de o capitalismo passar por sua maior crise desde 1929. (O vídeo data de dois de Julho de 2009. A crise em questão é aquela iniciada no ano de 2008).

2- A natureza desta crise é uma combinação da super- acumulação e financeirização da economia. É uma crise que tem a ver com a própria natureza do capitalismo. O que a torna particularmente perigosa é o fato de que aqueles que lidam com a crise diretamente (economistas, jornalistas econômicos e políticos burgueses) não apresentarem saídas fora do espectro do capitalismo, estimulando a criação de novas bolhas especulativas e retro- alimentando a própria crise. Por ser uma crise do tipo de super- acumulação, o incremento da financeirização da economia não resolve, mas agrava o problema.

3- Enquanto isso, os economistas marxistas já vinham destacando as contradições da lógica da super acumulação e os riscos de uma crise de grandes proporções no capitalismo a partir de sua própria lógica interna de funcionamento. Estes pensadores marxistas podem ser reivindicados, pois suas previsões se mostraram empiricamente corretas.

4- Esta “satisfação” dos marxistas por terem acertado o prognóstico da crise com anos de antecedência não pode ser superdimensionada. O paradoxo da situação é que, apesar da crise ser hoje uma realidade, os movimentos anti- capitalistas em todo o mundo encontram-se fracos e desorganizados. Existe um enorme vácuo entre as análises marxistas da economia e nossa capacidade de operar em termos práticos, apresentar alternativas políticas e organizativas à crise capitalista.

5- Slavoj Zizec é uma importante fonte para aqueles que estão em busca de saídas políticas. Em particular, Callinicos destaca sua contribuição acerca de Lênin, organizando uma conferência sobre o revolucionário russo, além da publicação de um livro acerca de Lênin. (Publicado no Brasil pela Boitempo - "Lênin - Às Portas da Revolução").

6- Marx na obra "Ideologia Alemã" diz ser o comunismo não uma mera ideia, mas o movimento real em direção à abolição do sistema vigente. Esta ideia é hoje bastante atual: é necessário pensar menos o comunismo teoricamente e mais como um movimento político real.

7- Gramsci vivencia um período histórico parecido com o nosso e pode ser uma importante fonte para os marxistas de hoje. Ele analisa a partir da prisão o capitalismo passando por sua 1ª Grande Crise (Crise que se inicia em 1929). Assim, seus cadernos do cárcere apontam temas como a economia global e as bases para uma intervenção política dos marxistas frente à uma situação de crise.

8- Uma análise marxista sobre a crise econômica passa por observar as oportunidades criadas, os espaços criados pela crise para agitar e intervir politicamente, tirando proveito das "brechas" abertas pelos momentos de crise. Esta lição de Gramsci pode ser aproveitada para o momento presente.

9- O marxismo é uma teoria que aborda as contradições, os conflitos são parte essencial da filosofia da práxis (forma como Gramsci chama o marxismo), tornando atual o projeto revolucionário, que não é a simples e pacífica tomada de poder pelas classes subalternas, mas a expressão de um movimento ele-próprio eivado de contradições.

10- O marxismo não é apenas um meio de apontar as contradições da ideologia dominante, mas um meio de criticar as próprias ilusões criadas por dentro dos movimentos populares e dos trabalhadores. É por meio do marxismo, por exemplo, que se pode estabelecer a crítica radical que interprete, por exemplo, a adesão de parcelas importantes do proletariado e do povo alemão e italiano ao nazi-fascismo.

11- A esquerda pode iludir-se e isso costuma ocorrer com maior frequência nos momentos de refluxo. A criação de ilusões não só pelas classes dominante mas pelas classes populares devem ser objeto da crítica marxista.

12- A filosofia da práxis em Gramsci igualmente diz ser o momento em que as classes populares aprendam a arte e governar.Não no sentido da "pequena política" parlamentar, mas no sentido da "grande política" (Gramsci), considerando o poder político para além da mera lógica parlamentar. Neste ponto, Callinicos busca se diferenciar de autores (como Tony Negri) que afirmam “mudar o mundo sem a tomada do poder”. Até por ser dirigente de um partido político, Callinicos não poderia concordar com esta tese.

13- Ainda que o centro determinante do capitalismo seja as relações de produção (portanto, o centro do capitalismo é sua esfera econômica), as contradições econômicas encontram-se condensadas nos aparelhos políticos, no Estado. Assim, os socialistas devem direcionar suas forças contra o estado e não simplesmente ignorar a questão do poder político.

14- A necessidade da luta a longo prazo pelo poder é parte do que "é ser um revolucionário hoje". A organização política também se torna importante, apesar da atual desconfiança com relação aos partidos políticos. Um dos desafios dos revolucionários de hoje é reivindicar a organização partidária, levando-se em consideração a tarefa de organizar para contra-atacar as forças dominantes, organizar para desenvolver consciência política dos trabalhadores e do povo, organizar para a tomada do poder político e educar politicamente as classes dominadas, etc.

15- A experiência do NPA (Novo Partido Anti-capitalista) na França revela a tentativa tanto de manter a ideia da necessidade de se construir partidos revolucionários, quanto da tentativa de fazê-lo sob uma “nova forma” (daí a expressão “novo partido"). Esta nova forma a ser criada é um dos desafios dos revolucionários de hoje.

16- Lukács diz que o intermediário necessário entre teoria e prática políticas é promovida pela organização política. E a organização política dá-se por meio do partido político em Callinicos.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Gilmar Mauro - Vídeo Palestra - Poder Popular e Organização dos Trabalhadores

Vídeo Palestra #2 - O poder popular e a organização dos trabalhadores - Gilmar Mauro.


http://www.youtube.com/watch?v=0TDwsfhPuiY





Gilmar Mauro é dirigente do MST-SP e, neste vídeo, tem como interlocutor Valério Arcary (Dirigente do PSTU). O tema da palestra é poder popular e instrumentos de luta no Brasil e no mundo. Seguem alguns destaques da intervenção de Gilmar Mauro.


- Não se deve separar luta econômica da luta política sob o risco de se separar o sujeito da luta econômica do sujeito da luta política. Esta separação se traduz na ideia do movimento social fazer exclusivamente luta social e o partido político fazer luta política. Sujeito aqui pode ser entendido não só como indivíduo, mas como sujeitos coletivos.

- A luta pela reforma agrária inicia-se como uma luta econômica pontual que se traduzirá em uma luta política. Daí a vedação desta oposição entre o econômico e o político.

- Entretanto, o movimento social é incapaz de universalizar as lutas pela sua própria natureza reivindicatória pontual. (O MST - tal qual o partido bolchevique - seria capaz de ser a vanguarda de uma revolução socialista no Brasil? Parece-me que não).

- Mas Gilmar chama atenção se não seria o caso de fazer a mesma problematização com os sindicatos. Também não estão os mesmos presos numa lógica economicisita?

- Distanciamento das direções e suas bases e lógica economicista levaram a burocratização de sindicatos e partidos políticos.

- Para Gilmar, tal contradição não é apenas um problema de direção. Caso o fosse, apenas o Brasil estaria em crise. Toda a esquerda mundial encontra-se num impasse histórico. Lembrar as passagens de Mészaros em que ele aponta as ilusões parlamentares e a tática de luta por meio do estado (desconsiderando a penetração do capital nos aparelhos de estado) como parte do impasse histórico mundial da esquerda, para além de "traições pessoais" da social-democracia no poder.

- PT cumpriu um papel de articulação de diversas lutas. Hoje não é mais um partido relacionado à revolução. Em parte o erro da esquerda foi criar ilusão em torno do PT e do PT no poder. Ainda assim, foi uma experiência histórica importante no país.

- Estamos numa conjuntura em que é possível fazer atividades massivas. Por isso é necessária uma nova cultura política que agregue mais pessoas, evitando sectarismo. Isto é necessário pois é possível que venha uma conjuntura em que reuniões massivas sejam inviáveis – como na época da ditadura militar, quando pequenos grupos de vanguarda se mobilizavam no sentido de solicitar a adesão popular, sem sucesso. Esta política não é possível desde que nenhuma revolução se sustenta sem apoio do movimento de massas.

- Regatar todas as experiências históricas das lutas socialistas, mas sem deixar de pensar na construção de novos instrumentos. Instrumentos são meios, não fins. Como a enxada hoje é obsoleta, hoje pode ser necessários novos instrumentos como o trator. Para isso, é necessário um balanço histórico e novas experiências políticas afim de construir novas ferramentas de luta.

domingo, 15 de abril de 2012

Marxismo e Direito - Márcio B. Neves

Resenha livro #43 – “Marxismo e Direito” – Márcio B. Neves



O livro de Márcio Neves tem como objetivo resgatar as ideias forças do pensador soviético Pachukanis, centralmente a partir da obra “Teoria Geral do Direito e Marxismo”. A contribuição do autor russo é relativizada desde que, ao longo de sua vida, Pachukanis fez retificações de suas teses conforme os desdobramentos históricos da União Soviética – reavaliou o papel do estado e do direito conforme as exigências da conjuntura.

Assim, na principal obra do autor russo (que data dos anos 1920), verifica-se maior radicalidade política a partir da constatação da impossibilidade de um “direito socialista”, mas da perspectiva da abolição do direito conjugada com a abolição das classes sociais. O direito é equiparado à noção de mercadoria de Marx, devendo, junto com o estado, serem abolidos.

Já a partir do stalinismo verifica-se um movimento inverso. Há a autocrítica das teses levantadas em “Teoria Geral do Direito de Marxismo” e o reconhecimento do estado e do direito como fontes de um “direito socialista” ou “direito operário”, além de maior destaque ao normativismo em suas teses. (Normativismo signfica maior centralidade da forma jurídica, das leis e normas, em detrimento de aspectos sociológicos e a crítica ideológica do direito de uma forma geral).

Interessante pensar como e porquê concide o resgate do "positivismo" jurídico de coloração socialista e a edificação de uma burocracia que centralizava o poder do estado, corroborando para a conformação, na URSS, de um novo e particular capitalismo de estado. Mais uma vez, o direito pareceu ser rendido pelas exigências do poder político, no caso, a consolidação do stalinismo, da burocracia que perpetua a exploração capitalista, mudando as relações de propriedade sem as respectivas mudanças nas relações de produção. O resgate do "positivismo jurídico" e do direito com coloração "socialista" - perdendo de vista a perspectiva da extinção do direito - cumpre papeis políticos bastante perceptíveis para quem acompanha a evolução do socialismo na URSS ao longo do séc. XX.

Transição

“O direito burguês puro só pode ser destruído pela revolução proletária, em virtude da existência do estado burguês. O direito soviético seria um direito correspondente a um estágio ainda inferior ao direito burguês sem burguesia, mas igualmente seria dele distinto. É justamente esse direito burguês não genuíno, o direito que se extingue no período de transição”.

Há aqui uma boa síntese de como o autor russo via, em sua fase jovem e mais radical, o papel e a conformação do direito no momento de transição. Ele parte aqui de referência à Marx que na Crítica ao Programa de Gotha também fala de reminiscências do direito burguês na fase de transição a serem, por suposto, eliminadas no socialismo. O abolicionismo jurídico em Pachukanis é explícito, particularmente na passagem que serve de prefácio da obra:

“O Problema da extinção do direito é a pedra de toque pela qual nós medimos o grau de proximidade de um jurista do marxismo e do leninismo”.

É importante destacar que a passagem de orientação do autor, do abolicionismo e da crítica radical às teses próximas do stalinismo foi interpretada de várias formas pelos leitores de Pachukanis. Marcelo Neves parece ser mais condescendente com Pachukanis: entende haver na auto-crítica do autor russo elementos de coerção frente aos desdobramentos políticos da URRS e do Stalinismo, para além de uma real revisão das posições políticas.

Seja como for, o livro, como introdução a obra de um dos mais destacados autores do marxismo jurídico mundial, é fundamental para aqueles preocupados em pensar o que será do direito numa sociedade pós-capitalista e socialista. Sua leitura não é fácil, mesmo para estudantes de direito, porém, necessária e atual.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Slavoj Zizec - Vídeo Palestra - Destaques

Resenha Palestra #1 - http://www.youtube.com/watch?v=_GD69Cc20rw

Trata-se de debate realizado no encontro “Marxism 2009” organizado pelo SWP (Socialist Workers Party) da Inglaterra. A mesa da qual Zizec participou teve como tema “O que significa ser um revolucionário hoje”. Seu interlocutor é Alex Callinicus, dirigente do SWP e do IST – International Socialist Tendency.

O objetivo deste texto é resgatar e destacar alguns tópicos da intervenção de Zizec. É bastante válido (para aqueles que falam Inglês) assistir ao vídeo antes de ler e discutir os destaques. Para quem não consegue entender inglês, estes destaques podem contribuir traduzindo algumas ideias do pensador esloveno.

12 destaques de ideias de Slavoj Zizec



1- A partir de Adorno, Zizec lembra que, quando estamos abordando filósofos verdadeiramente significativos, a pergunta que devemos fazer não é: o que o “grande filósofo” tem a contribuir para a análise dos dias presentes, mas o contrário: como o tempo presente apareceria aos olhos deste “grande filósofo”? E é a partir deste ponto de partida que Zizec propõe pensarmos o comunismo no século XXI: como a situação atual pode ser percebida a partir das ideias e das noções estabelecidas pelo comunismo?

2- A dialética do velho e do novo torna necessária a atualização da ideia do comunismo, fazendo contraponto àqueles que, a cada momento, inventam novos termos: sociedades de risco, sociedades pós- industriais, etc. Segundo Zizec, são estes autores, que estão a cada momento inventando novos conceitos para explicar a realidade, incapazes de perceber aquela dialética entre o velho e o novo, e consequentemente enxergar o que há de novo na época contemporânea.

3- O comunismo é uma ideia eterna não no sentido de ser aplicável mecanicamente a cada momento histórico, mas pelo fato do comunismo poder ser “reinventado” em cada situação da história – a noção de ideia universal e eterna do comunismo remete a Hegel e sua noção de universalidade. A universalidade do comunismo estaria em sua adaptabilidade a cada momento.

4- As lutas que surgem desde Esparta, passando pela idade média e modernidade remeteriam à capacidade do comunismo reinventar-se a cada conjuntura. Para mantermos o comunismo como uma ideia eterna, hoje, ele necessita manter suas ideias forças e, ao mesmo tempo, ser reinventando – dentre outras coisas Zizec chamará atenção para uma nova noção do conceito de proletariado ou “proletarização”.

5- Deve-se criticar algumas noções do socialismo do séc. XX – socialismo estatal, ilusões parlamentares da social democracia e mesmo a noção de conselhos e democracia direta. Tais noções devem ser reavaliadas criticamente, segundo Zizec, sempre considerando a exigência de “reinventar” o comunismo.

6- Ser um revolucionário hoje tem como marco inegociável entender as contradições sociais do mundo a partir do capitalismo – ou seja, a natureza das opressões de gênero, o racismo, a devastação do meio ambiente, etc., não podem ser entendidas como desvios reparáveis do capitalismo, problemas tecnológicos, políticas autoritárias ou não eficazes, mas como sintomas diretos do capitalismo em sua totalidade. Nesse sentido, ser um revolucionário para Zizec é ser um anti-capitalista.

7- Não é possível reformar o capitalismo de forma a garantir saúde e educação universais, tratamento humanitário aos imigrantes, pleno emprego, etc. As contradições do capitalismo não são desvios, erros a serem acertados por meio de reformas, mas realidades estruturalmente necessárias para a própria existência e perpetuação do capitalismo. Daí ser um marco central, para os revolucionários de hoje, lutar contra o capitalismo em sua totalidade. Não é possível atingir o sonho da universalidade capitalista sem os seus sintomas (Zizec aqui faz crítica direta a tese do pensador “relativamente progressista” norte-americano John D. Caputo).

8- É utópico o pensamento de John Caputo igualmente por estarmos nos aproximando de uma conjuntura revolucionária. Zizec chama atenção para um fato interessante: nas conjunturas revolucionárias, o pensamento pragmático (“step by step”) acaba se tornando o pensamento utópico. É utópico, numa conjuntura revolucionária, analisar e “resolver” de forma isolada e particular cada uma das diversas contradições que emergem nestas conjunturas. É a percepção totalizante e revolucionária a verdadeira percepção pragmática nos momentos de crise.

9- Os revolucionários devem participar das lutas pontuais contra o racismo, o machismo e a destruição do meio ambiente, contanto que não alimentem a ilusão de ser possível resolver tais problemas sem um confronto direto contra o capitalismo, sem uma mediação entre as lutas pontuais e uma luta geral de emancipação humana. Devemos inclusive denunciar a cumplicidade daqueles que lutam isoladamente contra as opressões, pelo meio ambiente, etc. – o capitalismo, mais uma vez, é uma totalidade, de maneira que as lutas dos “liberais” (no sentido de “progressistas”) pode significar um esforço de atenuar os sintomas da doença capitalista, contribuindo, outrossim, para a sua própria perpetuação.

10- Há o exemplo do Afeganistão. Houve um incremento do “fundamentalismo cultural” naquele país, não em função da religião ou cultura “naturalmente” opressiva dos muçulmanos. O aumento do fundamentalismo foi determinado centralmente pela inclusão deste país no sistema capitalista global. Zizec lembra de um passado em no Afeganistão havia uma esquerda secular e mais direitos civis. O colapso das organizações de esquerda contribuiu para a “fundamentalização” do Afeganistão. Fenômeno parecido ocorre no Kansas nos EUA: onde há derrotas da esquerda e esta perde espaço, ganha projeção o fundamentalismo ou mesmo o fascismo. (A tese é de Walter Benjamin: o fascismo é o resultado de uma revolução derrotada).

11- Hoje há condições de se radicalizar a noção marxista de proletariado ou de “proletarização”: trabalhadores e seres humanos terem reduzidas a sua substância de vida, sobrevivendo apenas e na medida da possibilidade de reproduzir sua própria prole. A proletarização da vida corresponde a noção hegeliana de “redução da subjetividade sem substância”. (Trata-se de uma tradução da passagem 13:00 do vídeo. Necessário verificar uma tradução melhor para o que Zizec entende por proletarização e sua definição hegeliana).

12- É necessário radicalizar a noção de proletarização a um nível existencial, para além do que Marx imaginou quando falou em proletariado. A crise ecológica nesse sentido significa fazer como que o homem seja impedido de ter acesso aos bens naturais mais elementares, ou a noção de propriedade intelectual que também retira do homem sua “substância simbólica”. Zizec fala portanto a radicalizar a noção de proletarização a um nível “apocalíptico”, desde que Marx não poderia ter sido capaz de prever tais eventos (propriedade intelectual, catástrofes ambientais, mapeamento e controle genético dos homens, etc.). Para Zizec, o reinventar do comunismo pode ter como ponto de partida esta nova dimensão do proletariado.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

De Rousseau a Gramsci – Carlos Nelson Coutinho

Resenha livro #42 De Rousseau a Gramsci – Carlos Nelson Coutinho



O livro publicado pela editora Boitempo corresponde a uma série de ensaios do filósofo carioca, tendo como fio condutor as distintas noções de democracia, política (teoria política x ciência política) e a questão da revolução do modo de produção. Os temas são enfocados a partir das contribuições dos mais destacados autores de teoria política de um período que vai da consolidação da burguesia como classe dominante até o momento em que se destacam os críticos da sociedade capitalistas: de Rousseau e Hegel a Marx e Gramsci, contando com um capítulo final com alguns destaques do marxista húngaro Lukács.

Autor

Carlos Nelson Coutinho integra um grupo de intelectuais marxistas do Brasil com destacada importância no sentido de repercutir as ideias da filosofia da práxis no país fugindo sempre do dogmatismo e da ortodoxia que marcaram o marxismo oficial de verniz stalinista durante o séc. XX.

Enquanto Leandro Konder aprofunda a noção da dialética e Celso Frederico discute as ideias do Jovem Marx, Carlos Nelson tem contribuição decisiva na introdução e generalização das ideias do filósofo A. Gramsci no Brasil – no ensaio há, aliás, um capítulo bastante interessante dedicado a explicar a forma como os cadernos (um total de 29 cadernos, todos eles escritos na prisão) foram editados na Itália e no Brasil. Descreve algumas polêmicas quanto ao agrupamento dos textos e o fato de Brasil e Argentina terem sido um dos primeiros países a ter acesso aos textos do autor italiano.

Com relação à obra, sua atualidade refere-se em primeiro lugar a reivindicação do estudo da política para além daquilo que Gramsci chama da “pequena política” e o discurso do senso comum (reproduzido mesmo na universidade) que afirma a “ciência política” como um conhecimento “neutro”, baseado em “sistemas” passíveis de serem medidas por meio de análises estatísticas, etc.

Já em Rousseau e a partir deste autor, o autor identifica o esforço de se pensar a política enquanto uma totalidade, evolução que atravessa gradualmente os demais auores: pelo pensamento de Hegel até chegar a Marx, quando, na obra Questão Judaica, este último reivindica, para além da emancipação política, a emancipação humana geral, remetendo à exigência de se pensar os fenômenos sociais como parte de processos históricos globais, inter-relacionados e, mais importantes, com projeções sobre a totalidade das relações sociais. (Aquilo que Gramsci chamará de Grande Política).

Importante destacar: a divisão entre pequena política e grande política tem a ver com os interesses políticos da classe dominante: a pequena política de gabinete que acompanhamos nos jornais e na televisão despolitiza as grandes questões determinantes, sendo a grande política, a decisão acerca dos rumos da economia e da organização da produção e distribuição da riqueza na sociedade sempre discutidas prioritariamente e exclusivamente pelas classes dominantes. Isto, alerta Coutinho, não é uma regra fixa, podendo haver momentos em que há uma inversão de papeis quanto a pequena e grande política, sempre ao sabor dos interesses imediatos das classes dominantes. Às vezes a grande política pode ser discutida pelo conjunto da sociedade, principalmente em momentos de impasse histórico. (Pensar no momento de crise estrutural do capitalismo quando as saídas keynesianas não se mostram suficientes para dar conta das contradições e da própria natureza destrutiva do capitalismo).

Algumas críticas – o Reformismo em Coutinho

Na página 74 do livro, há uma passagem em que Coutinho aponta uma implicação da alteração da tendência do capitalismo de redução da exploração do trabalho por meio da mais valia absoluta e aumento da exploração do trabalho por meio da mais valia relativa (aumento da produtividade). A implicação é uma melhoria relativa da qualidade de vida das classes exploradas. Ainda que persista a exploração do trabalho, há a criação de um novo equilíbrio, havendo a possibilidade de aumento simultâneo tanto dos salários quanto dos lucros dos capitalistas (realidade que estaria mais presente no Estado Social do Séc. XX o qual, por suposto, Marx não presenciou).

Discordamos de Coutinho quando este diz que "[esta nova realidade] forçou o Estado capitalista a se abrir para novos interesses que não o da classe dominante”.

O estado, segundo Marx, é o comitê executivo dos interesses da burguesia, instrumento de dominação da mesma sobre o proletariado e sua natureza de classe não se exaure pelas concessões da burguesia (concessões que são sempre provisórias e aparentes, principalmente quando observamos neste momento os cortes sociais nos estados europeu em crise econômica). O horizonte estratégico dos socialistas é a abolição do aparato-repressivo-ideológico do estado burguês e a extinção do poder político por meio da generalização da socialização e a auto- gestão da produção e da política. Sem este horizonte, caímos na tragédia reformista da social- democracia.

Reforma ou Revolução, a obra de Rosa Luxemburgo continua aqui sendo central e atual.

Esperando Godot - Samuel Beckett

Resenha Livro #41 Esperando Godot – Samuel Beckett – Ed. Cosacnaify



Diálogos e Contranssensos

O cenário da peça é extremamente simples: há uma árvore retorcida no centro do palco, fumaça e neblina ao fundo. Poucos personagens em cena: uma dupla de miseráveis como atores principais (Estragon e Vladimir) que, enquanto aguardam Godot, deparam-se com personagens que estão apenas de passagem – o aristocrata Pozzo, o enigmático Lucky e o(s) menino(s) que dá os recados de Godot. (não se sabe rigorosamente se o menino do primeiro ato é o mesmo menino do segundo ato).

A espera de Godot torna-se o motivo central da peça do autor irlandês Samuel Beckett. A história é, nesse sentido, uma peça revolucionária por não se tratar de um relato com as temporalidades tradicionais de uma narrativa, por não se tratar daquelas histórias contadas em teatro eivadas de um ou vários confitos, turning points, clímax e um desenlace final com uma eventual “moral da história”. A sensação (intencional) é que o fim de “Esperando Godot” seja inconcluso. A peça não retrata uma história, mas um intervalo, ou seja, a narrativa de uma espera cujos marcos temporais podem se expandir ao infinito – a espera de um Godot que jamais surge ou retorna.

Sobre a história

Vladimir e Estragon são dois viventes miseráreis e aparentemente abandonados pelo restante do mundo – a sensação é a de que cada um depende do outro, remetendo os diálogos è existência de um amor não homossexual, havendo uma relação de aparente dependência entre ambos. (Estragon não consegue abandonar Vladimir e Vladimir não consegue abandonar Estragon, conquanto ambos persistem esperando Godot).
Os diálogos entre os protagonistas, outrossim, mereceriam um destaque especial: a comunicação parece estar eivada de falhas, como-se ambos não falassem coisa com coisa. Por outro lado, algumas passagens remetem relação de complementaridade entre as falas: isso faz com que ambos em certas passagens surjam como um “personagem comum”. Em outras palavras: o que cada um fala como diálogo poderia ser um monólogo de um “sujeito síntese” de Estragon e Vladimir, tamanho é o grau de intimidade e ligação entre ambos.

Seja como for, Vladimir e Estragon dialogam no sentido de expressar suas inquietações enquanto aguardam Godot. Não se sabe o que significa Godot e a que se refere a sua espera. O fato desta informação não estar presente na peça não é, por suposto, involuntário. Diversas teses foram então levantadas, apresentando Godot como um messisas a ser aguardado,como a morte, como a restauração de vida, como o totalitarismo em Alemanha e Itália: as possibilidades são infinitas, e é, mais uma vez, o caráter radicalmente polissêmico da história e das falas de “Esperando Godot” que fez da peça um marco no teatro mundial.

Passagem final

VLADIMIR

Não percamos tempo com palavras vazias. (Pausa. Com Veemência). Façamos alguma coisa, enquanto há chance!Não é todo dia que precisam de nós. Ainda que, a bem da verdade, não seja exatamente de nós. Outros dariam conta do recado, tão bem quanto, senão melhor. O apelo que ouvimos se dirige antes a toda a humanidade. Mas neste lugar, neste momento, a humanidade somos nós, queiramos ou não. Aproveitemos enquanto é tempo. Representar dignamente, uma única vez que seja, a espécie a que estamos desgraçadamente atadas pelo destino cruel. O que me diz? (Estragon não fala nada). Claro que, avaliando os prós e contras, de cabeça fria, não chegamos a desmerecer a espécie. Veja o Tigre que se precipita em socorro aos seus congêneres, sem a menor hesitação. Ou foge, salva sua pele, embrenhando-se no meio da mata. Mas não é esse o xis da questão. O que estamos fazendo aqui, essa é a questão. Foi-nos dada uma oportunidade de descobrir. Sim, dentro desta imensa confusão, apenas uma coisa está clara: estamos esperando que Godot venha.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Estudos Direito e Política #1

Estudos Direito e Política# 1 – MASCARO, Alysson Leandro. “Os Direitos Humanos e a Dignidade Humana”.




Fonte: http://revolucoes.org.br/v1/sites/default/files/direitos_humanos_e_dignidade_humana.pdf

Seguem alguns destaques do artigo do Profº Alysson Leandro Mascaro (Faculdade de Direito da USP).

- “Não há dignidade humana sem a afirmação dos Direitos Humanos, mas somente com Direitos Humanos não se alcança a dignidade humana”.

- Existe uma relação dialética entre direitos humanos e dignidade humana. (Neste sentido, poderíamos dizer que os direitos humanos determinam a dignidade humana ao mesmo tempo em que a dignidade humana determina os direitos humanos? Acho que pensar desta forma acaba excluindo de vista a necessidade de uma transformação total da sociedade. Em outras palavras, revolucionar o modo de produção. Não ficou claro para mim o significado da “relação dialética entre direitos humanos e defesa da dignidade humana”.).

- O direito estatal é fruto da nova dinâmica de exploração do trabalho viabilizada pelo capitalismo.

- Se nas relações pré-capitalistas, havia a hegemonia das relações de mando(rígidas hierarquias sociais),a partir do capitalismo, há uma certa margem de igualdade formal: todos são sujeitos de direito na medida em que todos são portadores de uma força de trabalho a ser vendida no mercado).

- “O capitalismo é uma forma de exploração indireta, cujo poder de dominação e exploração se verifica tanto no capital do burguês quanto no Estado. Os direitos humanos são a lógica menos torpe de tal exploração”.

- O autor coloca claramente que os direitos humanos se inserem dentro dos
limites máximos do capitalismo. A verdadeira afirmação da liberdade e da igualdade se dará pela superação do capitalismo.

- “Fomos bárbaros; hoje somos formalmente civilizados; amanhã, num mundo fraterno e socialista, seremos plenamente humanidade.”.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Estudos Economia Política #3

PINASSI, Maria Orlanda. “A ideologia da crise e o surto incontrolável da irrazão”. – Profª de Sociologia da UNESP – ARARAQUARA




Seguem alguns destaques do artigo de Maria Orlanda Pinasse e algumas reflexões pessoais

1- A burguesia vive uma crise ideológica desde a sua conformação como classe dominante, uma vez que ela é incapaz, por si só, de garantir de forma substantiva a liberdade e a igualdade – estas só existem formalmente ou estão apenas no plano teórico.

2- O ápice do desenvolvimento civilizatório do regime burguês data dos anos 1960: desde então, o capitalismo passa, segunda a teoria da qual a profª reivindica, por uma crise insolúvel: o capitalismo é “irreformável”.

3- Alguns desdobramentos práticos da crise civilizatória do capitalismo: desemprego, retirada de direitos trabalhistas. Dados da FAO (ONU): No Brasil, segunda a FAO, existem 14 milhões de famintos. (Precisa ver a data desta pesquisa!).

4- A tragédia ideológica dos apologistas do capital implica na disseminação da noção do “fim” da história, “fim” do trabalho, “fim” da luta de classes, etc. Ademais, a autora cita o discurso da “naturalização” da competição e de outras práticas associadas à sociedade capitalista, fazendo-nos crer, por exemplo, que a competitividade seria algo inato ao ser humano. (Aspecto negativo da ideologia dominante – mascarar as relações sociais históricas como relação essenciais ao ser humano)

5- Lukács defende a tese do irracionalismo generalizado como modelo a ser seguido. O irracionalismo é fruto de uma apropriação histórica da filosofia idealista alemã e pode ser verificado em termos práticos na política dos eua no pós-guerra. O imperialismo norte-americano do Pós-guerra, segundo Lukács, rejeita menos a imoralidade das mortes e assassinatos promovidos pelo nazi-fascismo e mais a forma como se conformou o imperialismo alemão naquele contexto histórico.

6- Existia nos anos 1920 nos EUA um alinhamento político entre a Ku Klux Klan e círculos de extrema direita nos EUA. Já nesse sentido, passa a ser um engodo a tese de que houvesse uma oposição entre a “democracia” norte-americana e a experiência nazi-fascista. “Portanto, para Losurdo, os termos liberdade e democracia, há muito tempo, carregam a insígnia da segregação sócio -racial e da dominação por meios explicitamente violentos, motivos pelos quais perderam, nos limites da perspectiva do capital, as prerrogativas de sua razão histórica”.

7- A autora traça um paralelo entre as práticas de extermínio dos Judeus na II Guerra (Progroms), e os extermínios do estado de israel, as “guerras cirúrgicas de combate ao narco-tráfico”, ou o extermínio de negros e pobres nas periferias do Brasil.

8- Há uma nota de rodapé em que a autora lembra que o aumento do efetivo policial nas periferias coincide com o aumento de ongs que realizam “serviço social” nas comunidades.

9- Dados do Brasil de mortes relacionadas à repressão policial: 1996 – 19 trabalhadores sem-terra mortos Eldorado dos Carajás (Pará); 111 assassinados no Carandiru em 1992; 446 mortos em ações policiais em represália aos ataques do PCC (que vitimaram por sua vez 47 pessoas).

10- Pogrom – massacres com o consentimento e apoio da população. Se consideramos todas as mortes legitimadas pelo discurso dominante (exterminar os terroristas; exterminar o tráfico de drogas; exterminar os “bárbaros” do MST), é fácil perceber como os pogroms do nazi-fascismo estão presente no âmbito do capitalismo e das democracias liberais.

11- Há o predomínio, inclusive no meio acadêmico, da “ilusão jurídica”, que atribui ao melhoramento do estado a possibilidade de restaurar a ordem.

12- O embate entre fascismo e democracia liberal tem como pano de fundo diferentes concepções políticas para se lidar com as crises cíclicas do capitalismo. As saídas keynesianas mostraram-se as mais eficazes.

13- Do ponto de vista da resistência do mundo e suas respectivas organizações políticas, a autora chama atenção para os movimentos sociais, organizações que estão propondo novas formas de se organizar – piqueteros na argentina, zapatistas no méximo, sem terras e sem tetos no Brasil.

Sínteses: É necessário demonstrar como a conformação histórica das instituições políticas, sob o capitalismo, não podem ser "naturalizadas". Por serem justamente o resultado de determinado processo histórico, as noções de igualdade e liberdade e as instituições parlamentares e do judiciário são muitas vezes apresentadas como a “única forma possível de se organizar a sociedade”, desconsiderando modos alternativos de se organizar a economia e a política.

Esta "naturalização" tem a ver com o próprio impasse ou “crise ideológica” da burguesia que, desde quando se conformou como classe dominante, não é mais capaz de levar até as últimas consequências as palavras-de-ordem correspondentes ao período em que a Burguesia fora uma classe revolucionária. Há um debate interessante proposto pela professora no sentido de entender o nazi-fascismo não como a manifestação isolada de um regime político particular de meados do séc. XX, mas como uma resposta dada em determinada conjuntura às crises cíclicas do capital: nesse sentido, o nazi-fascismo é também uma faceta do capitalismo, ou, mais precisamente, do capitalismo em tempos de crise. Entretanto, a alternativa keynesiana, associada ao modelo liberal-democrático, mostrou-se mais eficiente para lidar com as crises. Isso não significa que o nazi-fascismo ainda não seja uma forma possível que as distintas frações da burguesia possam optar como meio de sanar ou atenuar as contradições do capitalismo.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Estudos Economia política #2

“Capitalismo em Crise: a natureza e dinâmica da crise econômica mundial” Ed. Sunderman 2009.

Artigo de Ricardo Antunes – “A substância da crise e a erosão do trabalho”.




O artigo de Ricardo Antunes (professor da UNICAMP) aborda alguns apontamentos do pensador Istvan Mezáros, destacando como este autor aborda de forma original as origens, as consequências e o contexto histórico da crise do capitalismo – qualificada pelos economistas ligados ao status quo como uma “crise financeira”.

Seguem alguns destaques do texo:

- A Interpretação hegemônica da crise aponta-a como resultado de uma falha de confiança. O que há, na verdade, é uma “fenomenologia da crise” que oculta a intenção de manutenção do capitalismo, desta vez por meio do velho esquema keynesiano – em termos práticos, o estado paga pela crise criada pelos capitalistas.

- Mézaros é um dos autores da linha crítica que interpreta a crise como parte inerente do capitalismo. Na verdade o marxista húngaro já localiza a crise do capitalismo a partir das convulsões do maio de 1968, a crise do petróleo e a reestruturação produtiva do capitalismo a partir dos anos 1970.

- Numa nota de rodapé importante, Antunes lembra a diferenciação que Mézaros propõe entre capital e capitalismo. O capitalismo é uma das formas possíveis de realização do capital, mas o capital (uma relação social, a partir de Marx) existe antes do capitalismo (capital mercantil no contexto da baixa idade média/ início da modernidade), tendo havido mesmo sociedades “pós-capitalistas que não romperam com a lógica do capital”, como a URSS.

- Existe em Mézaros a noção de que a política acaba sendo colonizada pela economia. Existe uma crise estrutural e sistêmica do capitalismo, desde as últimas décadas do séc. XX, de maneira que os meios para “solucionar” a crise, apenas arrastam o problema para frente.

- A china é um caso ótimo para a análise, desde que parece ser igualmente um exemplo de país onde a proposta de diferenciação entre capital e capitalismo em Mézaros parece ser mais acentuada. O “sistema metabólico do Capital” em Mézaros abrange o tripé capital, trabalho assalariado e estado.

- O livro a Crise Estrutural do Capital – um grande compendio de textos em que o autor húngaro faz faz uma crítica radical às engrenagens do “sistema metabólico do Capital”.

- Características do sistema metabólico do Capital”: expansionista, destrutivo e incontrolável.

- Existe uma “tendência decrescente do valor de uso das mercadorias”. Pelo o que entendi deste conceito (ou seja, posso estar equivocado), com o desenvolvimento das forças produtivas (incluindo tecnologia ou incremento tecnológico dos meios de produção) , há a tendência de desvalorização da mercadoria (redução do tempo –trabalho para a criação da mercadoria). Por outro lado, as mercadorias tem um ciclo que envolve a produção e o consumo: com o aumento da produção, as mercadorias devem ter uma menor duração ou tempo útil de utilidade, para fazer com que o consumo também seja alinhado ao aumento da produção. Em termos práticos: ao fabricar um celular, o fabricante já o desenvolve diminuído a vida útil da mercadoria, dentro da perspectiva de fazer com que o ciclos de consumo/produção se equalizem. Mesmo intuitivamente, dá para perceber como existe um equilíbrio bastante frágil nesta relação entre consumo e produção, o que aparenta ter a ver com a “tendência decrescente do valor de uso das mercadorias”.

- Consequencias destrutivas da “tendência decrescente do valor de uso das mercadorias”: precarização do trabalho e destruição da natureza.

- “ O que será da humanidade quando menos de 5% da população mundial (EUA) consomem 25% do total de recursos energéticos disponíveis? E se os 95% restantes viessem a adotar o mesmo padrão de consumo? A tragédia chinesa atual, com sua destruição ambiental, é emblemática”.

- Outro problema central decorrente da crise estrutural do capitalismo é o problema do desemprego. O autor chama atenção para os conflitos sociais decorrentes do desemprego.

- Ocorre em países como Argentina, EUA, Inglaterra e Espanha um duplo movimento que envolve a redução dos direitos trabalhistas e aumento do desemprego, concomitantemente.

- Mézaros coloca claramente que não há uma crise financeira solúvel, mas uma crise estrutural e mesmo civilizatória, o que faz a gente pensar que o seu entendimento do atual momento histórico seja o de um período de transição. De proporções históricas. Analisar isto depois.

- É interessante notar que segundo Antunes, alguns prognósticos de Mézaros acerca da crise já datam de 1982, ou seja, numa época onde havia todo um otimismo sobre o capitalismo, corroborando, no início dos 1990, para a tese do Fim da História (o capitalismo seria o “estágio final da humanidade com o fim do socialismo).

-É necessário criar um novo modo de produção, segundo Mézaros. O capital, afinal, “criou um sistema voltado para a sua autovalorização, que independe das reais necessidades autorreprodutivas da humanidade”.