segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"Em torno de Marx" - Leandro Konder

Resenha livro #37 “Em torno de Marx” – Leandro Konder. Ed. Boitempo.




Leandro Konder nasceu em 1935, formou-se em Direito em 1958 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi advogado trabalhista. Com o golpe militar de 1964, foi preso, torturado e exilou-se em 1972, na Alemanha e depois na França. É professor da PUC-RJ e um dos principais intelectuais marxistas do país: junto a Carlos Nelson Coutinho, contribuiu para divulgar as ideias do filósofo húngaro Gyorge Lukács no Brasil.

Tem particular importância seus estudos sobre a recepção das ideias marxistas no Brasil: a obra “A Derrota da Dialética” expõe as dificuldades que houveram na interpretação e generalização dos textos de Marx no Brasil, seja a partir de dificuldades técnicas de tradução, seja pelo pouco acesso a textos (alguns inéditos no Brasil) e seja pela forte presença do pensamento positivista, influência pela qual o marxismo Brasileiro não é imune (Konder chama atenção para o fato de as ideias marxistas terem encontrado melhor terreno na Argentina, já na passagem do séc. XIX para o XX, por meio de Juan Bautista Justo (1865-1965), tradutor pioneiro do primeiro volume do Capital para o Espanhol).

“Em torno de Marx” trata de algumas premissas básicas do marxismo (sua relação com moral, com a religião, a questão da dialética, etc.) para, depois, discutir como as ideias do filósofo alemão tomaram corpo ao longo do séc. XX. A partir da parte II, há uma coletânea de ensaios sobre alguns autores importantes ligados ao marxismo ocidental, como Theodor Adorno e Walter Benjamin. Os autores são apresentados em capítulos curtos e sintéticos, oferecendo ao leitor uma visão panorâmica das principais ideias e obras aqueles que estão “em torno de Marx”.

A escolha por relatar e discutir os legados de Lukács, Gramsci, Sartre, além dos autores da chamada escola de Frankfurt sinaliza uma certa perspectiva sobre o marxismo, presente em todas as demais obras de Leandro Konder.

O marxismo em Konder reivindica a dialética e procura se afastar da chamada “linha-justa”, de orientações metodológicos mecanicistas e ortodoxas. Mesmo o texto do ensaísta carioca flui de forma diferente de manuais ou abordagens dogmáticas e formalistas do marxismo. Os autores analisados possuem particularidades próprias e cada um é apresentado de forma analítica e histórica, buscando relacionar como suas vidas dialogam com suas ideias políticas, como a teoria e a prática política de cada autor se manifestam em torno de uma práxis particular: Lukács, por exemplo, foi um homem de partido, o que, somado aos seus densos estudos teóricos, criou dificuldades pessoais, exercícios reiterados de “auto-críticas”, além de variações em sua linha de pensamento. Já Adorno foi diretor do Instituto de Pesquisa Social ligado à Universidade de Frankfurt: quando o mesmo instituto foi ocupado por estudantes em meio às turbulências do maio de 1968, Adorno solicitou a presença policial para a retirada dos estudantes e foi duramente criticado por Marcuse.

Igualmente, as práticas políticas (analisadas a partir de dados biográficos, correspondências, relatos, etc.) e as ideias teóricas formam um todo a partir do qual é possível lançar luz sobre os demais autores ligados à tradição marxista, levando em consideração as potencialidades das obras, mas igualmente aspectos contraditórios e zonas indefinidas de cada contribuição: uma perspectiva crítica que não faze das ideias dogmas.

“Em torno de Marx”, oferece ainda um capítulo sobre o Marxismo no Brasil e um estudo bastante interessante tratando como a direita, já em fins do séc. XIX, toma partido e denuncia as ideias marxistas: muito provavelmente sem a leitura dos originais, conforme se observa por artigos e livros de padres e bacharéis da elite acerca do “marxismo”, “comunismo” e “bolchevismo russo”. A contribuição de Konder, neste ensaio, é a de oferecer, sempre de forma acessível, elementos gerais para a compreensão de Marx e a forma como o marxismo influenciou e influencia a história das ideias.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"Lênin e a Revolução Russa" - Christopher Hill

Resenha Livro #36 “Lênin e a Revolução Russa” – Christopher Hill – Ed. Zahar




Como se sabe, Lênin foi um dos dirigentes da Revolução Russa, membro da direção do Partido Operário Social Democrata Russo (fundado em 1898) e, após a cisão ocorrida no seu segundo congresso em 1903, articulador/criador do Partido Bolchevique (Partido da “maioria”).

Os Bolcheviques defendiam, por meio da publicação Iskra (“faísca” em russo), a via revolucionária e a ditadura do proletariado com participação camponesa, enquanto os Mencheviques (“minoria” em russo) atuavam pela aliança com setores da burguesia e pelo desenvolvimento do capitalismo em Rússia, etapa necessária para o desencadear da revolução.

Na verdade, a Rússia, desde o final do séc. XIX, já fora palco de conflitos sociais e políticos de toda a sorte: já antes do século XX há ações de grupos terroristas como Rabocheye Dielo ou a agitação política feita pelo grupo revolucionário e camponês dos narodniks. Grupos políticos tensionavam as relações sociais e produtivas do campo. Nas cidades, a industrialização incipiente e em condições desfavoráveis ao trabalhador ampliavam o descontentamento social e favoreciam a disseminação do marxismo. O pensamento e a cultura da Rússia de fins do séc. XIX envolve desde setores apoiados nas relações feudais do campo, nas ideias da igreja católica ortodoxa e na defesa do czarismo e da tradição russa, até liberais e socialistas moderados e grupos revolucionário.

O irmão mais velho de Lênin participou do grupo Pervomartovtsi, tendo participado de tentativa assassinar o Czar. Foi condenado à morte em 1887, fato que impressionara e faria parte do pensamento político de Lênin. Referencias a romances de Tolstoi (feitas por Christopher Hill) e mesmo outros escritores como Dostoievsky e Tchekhov sinalizam o universo cultural da Rússia, a mística camponesa que envolve a cultura russa (camponeses que teriam participação decisiva na revolução) e as influencias de ideias liberais, socialistas revolucionárias e populistas. É sobre estas condições gerais que se desenvolve o pensamento político de Lênin.

Indivíduos e a História

O objetivo do ensaio de Christopher Hill (publicado em 1947 na Inglaterra e em meados dos anos 1960 no Brasil) não é o de fazer uma biografia de Lênin, nem o de relatar como se deu a Revolução Russa em suas diversas fases, desde os conflitos de 1905, passando por fevereiro e outubro de 1917. O livro de Hill pretende analisar e descrever a forma como as ideias de Lênin evoluem conforme os acontecimentos na Rússia e, por outro lado, a forma como os acontecimentos na Rússia (dentre diversas determinações causais) são influenciados pelas ideias políticas do líder revolucionário. Da relação dialética entre o indivíduo e a história, o autor enseja algumas discussões importantes, particularmente o papel do indivíduo na história, a relação entre direção política e revoluções, além da própria forma como o pensamento político de Lênin não pode ser entendido como um conjunto monolítico e linear de ideias, mas como uma evolução que mantém relações diretas com acontecimentos dos quais não é um expectador, mas alguém que atua, intervem, etc.

Não temos muitas informações sobre autor do livro. Numa rápida busca pela internet, há menção no Wikipédia de que o autor é um historiador britânico marxista cujas posições estão ligadas a outros autores como Eric Hobsbawm (cujo provável livro mais conhecido no país é “A Era dos Extremos”) e Thompson (responsável pelo importante estudo “A Formação da Classe Operária Inglesa”).

Crise Política e a Revolução.

Como se sabe, a Rússia, antes da Revolução, era um país predominantemente agrário, em incipiente processo de industrialização. No país estava vigente o regime feudal e no âmbito político o czarismo apresenta, desde fins do séc. XIX, sinais de degeneração.

Christopher Hill chama atenção para a figura sinistra e bizarra de Rasputim (uma espécie de guru intelectual da czarina Alexandra) como forma de ilustrar as origens de um descontentamento massivo que iria impulsionar a revolução: “Rasputin era notoriamente depravado, visivelmente corrupto, e ao menos provavelmente manobrado pelos agentes alemães. Não obstante, através da czarina, achava meios para fazer seus amigos bispos e arcebispos, e até para canonizar um santo inteiramente novo; por fim, era praticamente quem ditava a formação dos quadros do governo, influindo assim diretamente nos rumos da política e da guerra”.

Destaca-se, portanto, o ambiente de descontentamento político generalizado, ampliado pelo fiasco da guerra entre a Rússia e Japão (1904-1905), durante a qual uma rebelião de marinheiros do couraçado Potemkin já sinalizaria uma situação de revolta.

As enormes baixas da Rússia ao longo da I Guerra Mundial e o despertar da revolução durante o conflito revelam a força das ideias revolucionárias sobrepostas ao chauvinismo da guerra. São válidas as menções feitas por Hill às condições subjetivas e objetivas pelas quais a Rússia passou naqueles anos, de forma a melhor compreender como um país atrasado economicamente foi palco da primeira revolução socialista da história, levando-se em consideração particularmente as dimensões territoriais e as condições adversas daquela luta: cerco do imperialismo, guerra em nível mundial e guerra civil articulada por agentes estrangeiros e a elite econômica local.

Lênin afirmava que, frente às contradições explosivas colocadas na Rússia antes de 1917, seria, naquele país, mais fácil do que na Europa ocidental iniciar a revolução. Entretanto, as mesmas contradições e o atraso econômico do país corroborariam para tornar mais difícil a construção do socialismo na Rússia de forma isolada. Havia, então, a expectativa de que a revolução se generalizasse pela Europa e tomasse um sentido mundial.

Revoluções

O ensaio de Christopher Hill supera obras de biografia que eventualmente lançam excessiva importância aos indivíduos em detrimento do movimento de massas, da situação econômica, social e política de cada conjuntura, etc. Um indivíduo projeta-se na história também por sua liderança dentro de uma luta concreta, mas sua intervenção individual não substitui as reais condições subjetivas/organizativas e objetivas de cada realidade.

Seja como for, a leitura do ensaio ainda nos é útil para compreender o que são conjunturas revolucionárias: num momento de crise estrutural do capitalismo, a saída revolucionária, mesmo reiteradamente deslegitimada pela ideologia dominante, é não só atual mas necessária.