quarta-feira, 26 de outubro de 2011

"Che Guevara - Política" - Ed. Expressão Popular

Resenha Livro #35 “Che Guevara – Política” – Eder Sader (org.)



Ernesto Che Guevara foi e é um dos mais conhecidos dirigente da revolução cubana junto a Fidel Castro e Camilo Centrifuegos.


A imagem de Che foi assimilada por um amplo número de pessoas por meio da disseminação de um certo senso comum que combina o engajamento político revolucionário com uma espécie de “romantismo de juventude”. Estas mediações correspondem não só a relatos e a história das lutas populares do séc. XX narradas em forma de livros e filmes, mas, principalmente, pela Indústria Cultural e publicidade comercial.



A imagem de Che, sua boina, as longas barbas e olhar expressando alguma severidade referenciada pelo comprometimento político “hasta la muerte” pela revolução, nem sempre evidenciam e favorecem o entendimento do sentido e das implicações históricas do movimento rebelde de 26 de Julho, da revolução cubana em seus diversos momentos e da construção do socialismo dentro de condições adversas – isolamento comercial em decorrência do embargo norte-americano e mesmo a própria violência bélica do imperialismo sob o a América Latina durante o séc. XX. Na verdade, os estereótipos afastam-nos de um maior entendimento dos personagens históricos, particularmente quando as caricaturas servem antes para vender camisetas do que para saudar e reivindicar as ideias do dirigente de uma das maiores revoluções populares do século passado. (Maiores em termos tanto de participação popular e camponesa, sem a qual a revolução não sairia vitoriosa, quanto no sentido do seu significado político naquela conjuntura).


O desafio aqui é o de trazer a tona em primeiro lugar o significado político da imagem de “Che” como um “idealista” ou “romântico”: tratar-se-ia de um "romântico" por ser também um inconseqüente ou sem os devidos "pés no chão". Ainda conforme a caricatura, a inspiração de Che apenas serviria de inspiração desde que a ação política seja circunscrita a um quadro domesticado – a “rebeldia” daquele estereótipo teria levado o “romântico revolucionário” à morte, o que, ainda segundo a construção ideológica, sinalizaria a inviabilidade do projeto revolucionário nos dias de hoje.

Poderíamos, finalmente, fazer menção à própria significação dada pela direita à Che Guevara, como um assassino cruel e bárbaro, igualmente sinalizando a forma como a interpretação acerca do passado revela expectativas de futuro.


Seja como for, a assimilação da imagem de Che Guevara por meio da publicidade comercial, por si só, contradita a percepção anti-capitalista que perpassa os textos e a prática política de Che, particularmente atento à construção de novos valores e de um novo homem sob o socialismo. O que gostaríamos de pontuar para introduzir e convidar o leitor a conhecer os textos originais de Che Guevara é que as diversas mediações a partir das quais a imagem de Che e a história da Revolução Cubana foram difundidas (seja para fins comerciais, seja como forma mais ou menos consciente de isolar o conteúdo revolucionário daquele movimento e sua projeção atual) podem ter esvaziado politicamente algumas premissas do pensamento e da prática daqueles que lideraram a Revolução Cubana de 1959.


E é a partir de uma leitura atenta dos escritos originais de Che Guevara que o livro (editado pela Expressão Popular) pode contribuir para uma melhor definição do sentido histórico daquele movimento e da própria participação de Che na Revolução Cubana, fugindo-se dos esteriótipos ou das mediações que buscam isolar a atualidade do projeto revolucionário dentro da perspectiva da construção do socialismo. E, ao mesmo tempo, interpretando aspectos do socialismo em Che que, na nossa opinião, não se mostraram eficazes historicamente, particularmente a tese do "socialismo em um único país".

Leitura dos textos originais de 'Che'

A seleção dos textos coube ao importante ativista político brasileiro Eder Sader – líder estudantil, militante da Liga Socialista Independente (de orientação luxemburguista) e da Polop. A seleção dos textos buscou contemplar em certa medida a própria evolução/amadurecimento político de Che. O livro começa a partir dos relatos da experiência das guerrilhas, o papel do campesinato e a teoria da revolução baseada em focos (o “foquismo”, como estratégia política que, como se sabe, foi igualmente praticada por organizações guerrilheiras da América Latina).

Há, posteriormente, alguns textos interessantes sobre o problema da indústria, da economia e do trabalho na Cuba pós-revolução. Após a tomada do poder político pelo movimento revolucionário e sua posterior adesão ao campo socialista, são relatados, por meio de polêmicas em torno de questões práticas, as enormes tarefas colocadas àquele grupo de dirigentes políticos: a transformação das bases de produção e do sentido do trabalho em Cuba e a construção de um novo homem.

Muitas das respostas dadas pelo movimento, soube-se depois, não lograram obter os resultados esperados. Apenas a vontade individual ou de um punhado de militantes não logra substituir um movimento real de massas ancorados numa transformação em nível mundial da economia, da política e da sociedade. Entretanto, a leitura dos textos de Che ainda nos interessa e muito, seja para assimilar melhor os erros (para não repeti-los), seja para assimilar a mística revolucionária daquela figura pessoal cativante, sem se deixar levar pelo senso comum e pelos mitos criados pela Indústria Cultural.

sábado, 22 de outubro de 2011

"Introdução ao Fascismo" - Leandro Konder

Resenha Livro #34 “Introdução ao Fascismo” – Leandro Konder






“Introdução ao Fascismo” oferece uma interpretação marxista do fenômeno histórico do fascismo: há a proposta de se dar uma definição àquele movimento político e situá-lo dentro de um contexto histórico particular. A tarefa de se delimitar a significação do conceito de fascismo não se limita simplesmente a entender sob quais condições tal tendência política constituiu-se em cada país durante o século XX, mas entender mesmo como, nas condições de implementação do capitalismo monopolista de Estado, alguns elementos mais ou menos comuns ocorreram e ocorrem na história. Ampliar e melhor dominar o conceito de fascismo significa entendê-lo como uma tendência política particular do capitalismo e, portanto, viva, mesmo sob formas ocultas. Por outro lado, a generalização do termo fascista para cada ação autoritária e violenta de governos, polícia ou organizações políticas pode afastar os socialistas de uma análise correta acerca de cada fenômeno concreto, perdendo de vista alguns traços essenciais que diferenciam a mera violência estatal (comum e natural sob a lógica do capitalismo) de um movimento fascista.

Alguns traços essenciais determinaram a ascensão do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. No plano teórico, o fascismo “aproveita elementos das mais variadas linhas de pensamento reacionárias, reunindo-os de maneira eclética e em função de um uso muito claramente pragmático” (Lucácks). O fascismo, ainda, possui um claro caráter de Classe, estando intrinsecamente relacionado com a fase monopolista e imperialista do capitalismo. É politicamente conservador mesmo que eventualmente possa surgir sob uma roupagem “moderna”, como fora o caso do jovem e carismático duce. É um movimento chauvinista e que se serve da mistificação de um passado perdido a ser reconquistado (mitos), além do forte personalismo político, ambos, por suposto, relacionados a um projeto de poder fortemente autoritário, antiliberal e antisocialista.

No plano econômico, pressupõe a fase monopolística do capital a partir de um “certo nível de fusão do capital bancário com o capital industrial, isto é, a existência do capital financeiro” (Pg. 53).

No que se refere às classes sociais, o fascismo pressupõe a existência do que Konder afirma ser uma “sociedade de massas de consumo dirigido”. O fascismo serviu-se dos métodos então modernos de propaganda, incorporando as técnicas de estímulo ao consumo para a ação política. Assim, “no lugar da imagem dos políticos conservadores tradicionais, com seus fraques e cartolas, muitas vezes apoiados em bengalas seus vultos pálidos e senis, difundiu-se pela Itália inteira a imagem de um Duce cheio de vitalidade, viajando frequentemente de avião e ditando por telefone os artigos diários destinados aos leitores do seu jornal” (Pg. 47).

A interlocução dos líderes políticos com as massas por meio do rádio e da propaganda imagética (ambas facilmente manipuláveis) reforçou o caráter “modernizador” ou mesmo “revolucionário” do fascismo, disfarçando seu conteúdo político conservador e seu caráter social anti-popular.

Classes Sociais e aspectos econômicos

O apelo de massas das novas técnicas de propaganda criadas pela “sociedade de massas de consumo dirigido” sinaliza o conteúdo policlassista do movimento fascista. O apelo à unidade nacional, a criação de “inimigos comuns” e o mito da nação foi endossado a partir de um determinado contexto de desgaste de princípios do liberalismo, da democracia e do socialismo. Havia aquilo que Konder chama de uma “preparação cultural” para o fascismo, que envolve a difusão de preconceitos aristocráticos que influenciam inclusive as forças progressistas (abandonando o trabalho político com as massas e aumentando a confusão política destas).

Além disso, o próprio capitalismo, como sistema econômico que engendra e difunde cultura, teria papel na disseminação do chauvinismo.

“O capitalismo, como sistema, jogara os homens uns contra os outros, numa competição desenfreada onde só uma coisa podia contar: o lucro privado. Desenvolveram-se enormes metrópoles capitalistas, povoadas por multidões de indivíduos solitários, amendrotados, cheios de desconfiança. As condições técnicas da produção industrial aproximavam os seres humanos, socializavam a vida deles, mas as condições privadas, exacerbadamente competitivas, criadas pelo capitalismo para a apropriação da riqueza produzida afastavam-nos uns dos outros” (pg. 44).

Se o terreno cultural – profundamente anti-socialista e com aspectos aristocráticos e individualistas – encontra eco na difusão do fascismo, este, mais uma vez, expressa tendências inerentes ao capitalismo, seja em função das próprias condições técnicas da publicidade assimilada pela política, seja pela criação da “sociedade de massas de consumo dirigido”, seja pela própria condição do homem comum (afastado de práticas solidárias e alienado do trabalho) sob o capitalismo.

Um último e pequeno ponto, eventualmente inconcluso numa obra de Introdução, seria o de uma maior averiguação da participação do proletariado (e as razões para tal) dentro do movimento fascista. Segundo Leandro Konder, a classe operária teria sido menos envolvida pelo fascismo do que a pequeno burguesia, mesmo reconhecendo que parcelas do proletariado em Itália e Alemanha tivessem aderido ao fascismo.

Mauro Iasi, no prefácio do livro, alerta para a lacuna, o que implica, aqui, pensar a respeito dos papeis das classes sociais em momentos de radicalização política: a classe operária alemã e italiana desempenharam qual papel durante os regimes de Hitler e Mussolini? Se o fascismo (como afirma Adorno) é o resultado de uma revolução derrotada, como avalizar o papel das forças socialistas revolucionárias, da social-democracia da II Internacional e da URSS para a ascensão do fascismo?

Quais lições a classe operária pode tirar no sentido de romper o cerco de uma ofensiva cultural fascista promovida pela sociedade do consumo e pelo capitalismo monopolista de Estado?

Para fazer avançar melhor entendimento do fascismo e armar teoricamente aqueles que lutam pela liberdade e emancipação humanas, o desafio colocado por Konder vai além da mera determinação formal do fascismo. Ao discutir, assim, a forma como o fascismo foi interpretado ao longo da história, as relações entre o fenômeno político e sua projeção econômica e as ligações entre o fascismo e a desmobilização do movimento de massas (por meio da força e de derrotas históricas da classe trabalhadora) o leitor de “Introdução ao Fascismo” deverá ter melhores condições para analisar criticamente movimentos que tangenciam ou que se revestem de caráter fascista na atualidade.

“As condições atuais da luta não animam o capital financeiro a correr o risco de apoiar partidos de massa, capazes de empunhar bandeiras com cruzes suásticas nas ruas: é prefirível tentar manipular a maioria silenciosa que fia discretamente em casa, entregue ao consumo da Coca-cola e da televisão. Novos padrões de conduta política passar a ser inculcados sob a capa de atitudes não políticas.
As circunstâncias exigem dos fascistas que eles sejam mais prudentes e mais discretos do que desejariam. Pragmaticamente, adaptam-se às exigências dos novos tempos. Mas continuam a trabalhar, infatigavelmente, preparando-se para tempos “melhores”, que lhes permitam maior desenvoltura” (P. 178).

domingo, 2 de outubro de 2011

"O Idiota" - Fiódor Dostoiévski

Resenha Livro #33 “O Idiota” – Editora 34 – Tradução Paulo Bezerra



“O Idiota” (1868) foi escrito sob determinadas circunstâncias da vida de Dostoiévski, de maneira que a história narrada e, particularmente, a forma como é contada, ecoa a vida pessoal do escritor. Fugindo de credores, em meio a dívidas e crises de convulsão, o volume (682 páginas) parece ter sido escrito com compulsão, acessos de ímpetos e refluxos por parte das personagens, além de um nível de tensão dramática alto e permanente – situações limites desatam as personagens ora a rir e gargalhar, ora a chorar, ora a discutir e humilhar, ora a confraternizar, num pequeno espaço de tempo.

Para quem não está habituado ao texto do escritor, pode haver estranhamentos. Parágrafos com a extensão de páginas, repetições de palavras e reiterações de expressões do tipo “não obstante”, “ainda que”, “quero dizer...”, “por outro lado”, “por exemplo” “etc.”, expressam, aqui, a forma como a palavra sai de forma fugidia (e, nesse sentido, polissêmica) da boca dos personagens.

A despeito de alguns que julgam Dostoiévski um mal escritor, destacamos justamente o texto truncado, as palavras fugidias e polissêmicas das personagens, as longas orações e a falta de objetividade como aspectos que antes tornam “O Idiota” uma obra de arte de valor incomum do que manifestação de prolixidade. Ao longo da leitura, percebe-se certo domínio do narrador/escritor acerca dos fatos e, particularmente, das reações emotivas particulares de cada personagem. O “fugidio” e a “falta de objetividade” parecem antes ser manifestação de certo realismo do autor: o mesmo, de acordo com algumas notas de rodapé do livro, entendia ser o realismo antes produto de situações fantásticas do que de momentos ordinários, relatos objetivos de fatos cotidianos.

Na verdade, a intensidade dramática do texto, combinada com uma linguagem truncada que contempla fluxos de pensamentos e sentimentos irracionais, sugere-nos, antes, um completo domínio do autor sobre sua obra: o “realismo” em Dostoiévsky dá-se antes pela sua capacidade de descrever sentimentos contraditórios e ambíguos (igualmente expressos em palavras e ações “fantásticas”) tal qual eles (sentimentos) surgem-nos, muitas vezes: de forma indefinida, confusa e irracional.

O “realismo” aqui se deve, em sentido análogo, à provável percepção do autor de que a realidade fática antes se assemelha ao “fantástico” do que o que se pode entender como rotina. Mesmo diante daquelas circunstâncias em que o livro fora escrito (em meio a crises de saúde e cobranças financeiras), “O Idiota”, pareceu-nos, tratar-se de um relato fiel (e “realista”) da sociedade burguesa e aristocrática da Rússia do sec. XIX. As situações de elevada carga emocional, em Dostoiévski, parecer servir para criar condições para o leitor perceber e conhecer melhor o mundo descrito. A mesma intensidade dramática resulta tanto em uma forma textual diferente da habitual, quanto, mais importante, numa profunda viagem no coração e mente das personagens que vivenciam aquele momento histórico a partir das respectivas classes sociais (burgueses, pequenos burgueses e aristocratas).

O enigmático Príncipe Míchkin e questões políticas

Ora entendido como um louco, ora como uma criança, ora como um gênio, o protagonista de “O idiota” representa um contraponto às expectativas e aspirações comuns da sociedade russa do séc. XIX. Por meio do Príncipe (que faz lembrar Dom Quixote e Jesus Cristo), Dostoiévsky faz mostrar como na alta e média sociedade russa do séc. XIX um personagem com boas intenções pessoais é, antes de mais nada, um incompreendido.

Há um certo pessimismo aqui, havendo a ideia de que as ações boas e altruístas não encontram espaços em meios onde vigoram os valores burgueses e urbanos importados da Europa, co-existindo, não obstante, com o tradicionalismo Russo. A divisão de opinião acerca da modernização política e cultural da Rússia, pela via “ocidental” (“ocidentalistas”) ou por uma via tipicamente russa (“eslavófilos”) era objeto de debate, então. Não temos elementos suficientes para afirmar com segurança a qual grupo Dostoipevsky se filiava. Segundo informações bibliográficas – contidas na edição da “34” – o escritor era sim um crítico da linha ocidentalista, sem com isso ser um adepto sectário e sem críticas da linha eslavófila.

Seja como for, em “O idiota”, o Príncipe vê-se diante de uma sociedade em transformação, que importa valores e ideias liberais (havendo controvertidos diálogos acerca da “questão feminina”) e, não obstante, conserva entre alguns personagens valores e práticas antigas, como sinaliza as lembranças do general Ívolguin e algumas falas da velha Lisavieta Prokófievna. Excluído daquela sociedade por meios certamente injustos aos olhos do leitor, o Príncipe pode, hoje, retratar de maneira alegórica os limites dos discursos da ética, da justiça e do bem fazer em meio a um mundo movido pela busca incessante do lucro pessoal. O pessimismo dostoiésvkiano dá pistas da política de “O Idiota”.