quarta-feira, 17 de agosto de 2011

"O Mulato" - Aluísio Azevedo

Resenha livro # 32 - "O Mulato" - Aluísio Azevedo - Ed. Martin Claret





"O Mulato" (1881) foi escrito quando Aluízio Azevedo tinha 20 anos de idade. Segundo o prefácio do próprio autor, o livro foi feito e sentido a partir da perspectiva de um jovem escritor. Poderia haver aqui indicação de que a obra corresponderia à certa fase em que um dos inauguradores do naturalismo na literatura ainda não tivesse atingido total maturidade. Entretanto, surpreende, sim, a maturidade política e artística do texto - perceptível a partir das críticas às instituições tradicionais da sociedade patriarcal do Maranhão e de certa sensibilidade capaz de captar sensações bastante íntimas das personagens.

Há, igualmente, certa auto-referência no texto, como se a história do "Mulato" contemplasse as expectativas do jovem Aluísio Azevedo, particularmente quanto às críticas do provincianismo maranhense. Assim como o protagonista Raimundo planeja o quanto antes sair do Maranhão para a corte, Aluísio, ele próprio, sairia do norte para residir no Rio de Janeiro, onde viria a se tornar escritor reconhecido. (Cumpre ressaltar que o lançamento de "O Mulato" foi hostilizado no Maranhão e bem recebido no Rio de Janeiro, conforme constata-se na biografia do autor no wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alu%C3%ADsio_Azevedo)

Enredo

A história descreve a trajetória de Raimundo, filho de um português e uma escrava, enviado muito jovem para estudar na Europa, sem ter conhecimento de sua origem familiar. Ao retornar à província, busca re-construir o seu passado, desde que os seus tutores portugueses nunca revelaram quem foram os seus pais e em que contexto o mulato nasceu.

Raimundo retorna à província para reaver algumas terras herdadas do pai falecido. Instala-se na casa do tio, o potuguês Manuel. Apaixona-se e é correspondido pela prima Ana Rosa, anteriormente prometida a um caixeiro do pai. O relacionamento de ambos é inviável à família de Ana Rosa e à toda sociedade do Maranhão, que ver-se-ia "escandalizada" com um casamento de uma branca com um "mulato que foi forro à pia", referência aos filhos de escravos que tornaram-se livres com a Lei do Ventre Livre.

No que se refere ao relacionamento amoroso dos primos, há aqui todos os ingredientes para o que poderia ser mais uma história típica do romantismo brasileiro em suas primeiras manifestações. Assim como nas histórias de José de Alencar, há certa expectativa de que "o amor vença as barreiras impeditivas da sociedade", consagrando-se o relacionamento do casal, que viveria um final. Felizmente, o romance, comprometido com uma descrição naturalística tento do ambiente quanto das relações humanas, acaba tendo um final nada previsível e que escapa bastante à tradição literária romântica.

Crítica Social

Seja como for, a presença do mulato naquele ambiente social e, particularmente, o relacionamento de Raimundo com Ana Rosa cria condições para o autor fazer críticas sociais. Há a crítica da escravidão como um todo, relatando-se o tratamento bárbaro dado aos escravos. A denúncia do racismo vai mesmo além da escravidão, refletindo-se nas falas das personagens acerca do Mulato, criando os melhores momentos para o leitor perceber como foi se consolidando ideias racistas na sociedade patriarcal brasileira e mesmo localizando certas falas que explicam um pouco a conformação histórica do racismo no âmbito do capitalismo brasileiro. As críticas de Aluísio Azevedo, pela boca do mulato "Raimundo", também incidem sobre a religião e toda forma de mistificação. Conforme as ideias europeias importadas por setores da classe dominante brasileira do final do Séc. XIX, o romance naturalista explicita a defesa do cientificismo e do método positivista como formas de apreensão do real, em oposição à filosofia religiosa.

Religião x Ilustração

A oposição entre modernidade/racionalidade/ ilustração e religiosidade/ tradicionalismo/ mistificação ganha esteira na própria oposição entre espaços geográficos e gerações. O atraso da província do Maranhão, suas superstições, as carolagens ridículas das beatas e as mentiras do padre Diogo encontram lugar na Província onde se passa a história e é reproduzida, particularmente, pelos mais velhos. No aspecto geracional, há muitas menções, particularmente da velha Amância, acerca da liberalização dos costumes sociais, sempre se criticando, por exemplo, o fato de mulheres criarem o hábito da leitura ou de tocar piano, associando o papel da mulher sempre à resignação completa perante o pai, marido e a religião. O Jovem Aluísio de Azevedo, por meio do jovem estudante Raimundo, representa um outro pólo, correspondendo à ilustração racionalista européia, o ceticismo com relação à religião e políticas associadas às teses republicanas do final do séc. XIX. No que se refere ao papel da mulher, não há um rompimento essencial com a tese da subordinação, mas, por meio de algumas falas de Raimundo, identificamos, ao menos, certo reconhecimento de maior autonomia para "uma mulher crescida decidir com quem deve se casar". O fim da trama sinaliza de forma bastante pessimista a quais termos chegam os conflitos decorrentes das oposições geracionais e geográficas.

A leitura de "O Mulato" torna-se peça fundamental para historiadores que eventualmente pesquisem temas relacionados ao racismo no Brasil, ao papel da mulher nas sociedades patriarcais e escravagistas e os conflitos geracionais decorrentes de uma sociedade em rápida transformação, tal qual o Brasil do séc XIX, experimentando o início do regime republicano, a abolição jurídica da escravidão e a disseminação da ideologia positivista.