sexta-feira, 22 de julho de 2011

"A Rebelião dos Marinheiros" - Avelino Bioen Capitani

Resenha livro #31 “A Rebelião dos Marinheiros” – Avelino Bioen Capitani. Ed. Expressão Popular




"A Rebelião dos Marinheiros" é, na verdade, uma auto-biografia de Avelino Bioen Capitani

Numa rápida busca pela internet encontramos poucas referencias do nome do marinheiro e ativista político. Encontramos e indicamos um artigo escrito pelo historiador Márcio Marquetto Cay (marido de uma prima de Capitani) com dados biográficos, uma fotografia de Capitani e alguns dos personagens descritos em "A Rebelião dos Marinheiros". (Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/resistencias-a-ditadura)

Surpreende negativamente a falta de informação sobre a história de Avelino Capitani. Igualmente, não nos consta haverem muitos relatos da história da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), importante na história das lutas sociais do país desde a sua fundação, ao resgatar a combatividade legada pela revolta dos marinheiros liderada por João Cândido, pela politização pela esquerda de setores importantes e de base das forças armadas e pela organização de ativistas que combateriam as forças armadas durante a ditadura.

Associação de Marinheiros

A história da associação de marinheiros e de sua Rebelião tem importância decisiva para se compreender como a polarização política do pré-1964 atravessava as forças armadas. O relato de Capitani sobre a história da associação e sua orientação política antes, durante e após o golpe revela como havia setores importantes da marinha (e mesmo do exército) preparadas e com real capacidade de reação ao golpe, disposição e combatividade para lutar por reformas internas das forças armadas no sentido de ampliação de direitos aos oficiais de baixa batente e, após o golpe, resistir à ditadura e lutar pela independência nacional.

A associação dos marinheiros foi a primeira tentativa de organização política pela base de membros do baixo escalão das forças armadas. Tinha um caráter sindical e lutava por direitos mínimos: reivindicava melhores salários à “marujada”, direito à folga e a não obrigatoriedade do uso de uniformes nas folgas. Foram, desde a fundação, reprimidos pela direção e atuavam em semi-clandestinidade. O fato dos associados serem trabalhadores e gente do povo (como o próprio Capitani, filho de camponeses) e a radicalização política da década de 1960 fizeram com que a associação se aproximasse do campo popular. Promove ações junto à UNE, busca apoio junto a sindicatos e movimentos sociais.

Capitani cita um evento ilustrativo e que serve para reflexão, particularmente frente à recente polêmica dentro da esquerda nacional sobre o caráter de classes dos bombeiros durante suas manifestações no RJ. A aproximação da Associação dos Marinheiros com o campo popular implicou em sabotagem de repressão de um acampamento das Ligas Camponesas em Goiás.

"O Local foi detectado pelos serviços de informação e o batalhão de fuzileiros, sediado em Brasília, recebeu ordens de reprimir. A subsede de Brasília informou a diretoria da associação e nós, imediatamente, repassamos o informe para Francisco Julião, líder nato das ligas, que resolveu pedir o nosso apoio. Tínhamos uma grande simpatia pelas Ligas e um bom relacionamento com Julião. Traçamos um plano imediatamente. Enquanto orientávamos a subsede para atrasar ao máximo a operação militar, Julião e seus companheiros deveriam sair do local.”

Igualmente, a forma de mobilização particular dos marinheiros e sua capacidade de combate teriam repercussões no momento pós golpe de 1964. Capitani participa da guerrilha de Caparaó, ajuda no treinamento militar e em ações de resistência à ditadura: fugas de presos políticos, tentativa frustrada de roubo a banco, recolhimento de armas para a guerrilha. Em diversas passagens sinaliza-se o fato de que os grupos guerrilheiros, mesmo contando com militantes treinados em Cuba, cometiam erros grosseiros, decorrentes da falta de conhecimentos técnicos acumulados pelos marinheiros. (Evidentemente, não se afirma aqui que as guerrilhas não lograram derrotar a ditadura por falta de capacidade militar e Capitani em diversas passagens identifica a desconexão entre a guerrilha e o movimento de massas como real origem da derrota. Aliás, já no exílio em Cuba, Capitani convence-se da não aplicação do foquismo à realidade brasileira).

De qualquer forma, o importante aqui é destacar alguns elementos da luta dos marinheiros de maneira a sinalizar possibilidade de ressuscitar movimento parecido no país. A possibilidade de se obter informação privilegiada e sabotar iniciativas de repressão aos movimentos sociais, o caráter popular das bandeiras levantadas pela associação dos marinheiros e o repertório de conhecimentos de práticas militares - indispensáveis para uma revolução que ponha em marcha as massas contra as forças de repressão da ordem - não podem ser desconsideradas em função de caprichos teóricos que, eventualmente, sejam resultados de mera tentativa de diferenciação de posição dentre forças políticas da “vanguarda”.

A Incrível história de Bioen Capitani

Ao final do livro, Capitani afirma ter a sensação de ter vivido 200 anos. A trajetória e toda a vida dedicada à militância política (cuja orientação, ao longo do tempo, aproxima-se das referencias da esquerda latino-americana, Che Guevara e Simon Bolívar) implicaram num livro bastante inspirador, particularmente àqueles que se identificam/atuam com/na luta popular.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

"Jerusalém" - Gonçalo M. Tavares

Resenha Livro #30 - "Jerusalém" Gonçalo M. Tavares - Ed. Companhia das Letras




Julgamos ser muito mais difícil resenhar uma obra de arte do que ensaios políticos, artigos acadêmicos, enfim textos e imagens com objetivos mais específicos e determinados. No caso de "Jerusalém" (2006), a dificuldade é ainda maior, desde que o texto do escritor português Gonçalo Tavares tem tantas possibilidades de implicações e desdobramentos (decorrentes de reações muito pessoais acerca do tipo de história narrada em "Jerusalém"), que ficamos em dúvida no como resenhar uma obra de arte.

É possível falar sobre o autor, o contexto histórico da obra, trazer dados mais ou menos objetivos sobre a relação entre o romance e a situação da literatura/arte contemporânea. É possível narrar em síntese as histórias dos personagens de "Jerusalém", o estilo literário, as opções da linguagem e da forma geral como a história é contada.

Optaremos, todavia, por um outro caminho. Vamos escrever a resenha sem se ater à história e aos personagens, mas tentando estabelecer relações entre o romance como um todo e o discurso político das emoções pessoais intensas. Tentaremos estabelecer vínculos entre obras aparentemente sem qualquer conteúdo político (o caso de "Jerusalém") e as implicações políticas da inviabilidade (presente na trajetória dos personagens da história) da possibilidade da solidariedade social e do amor altruísta, além da reiteração (por meio dos fins trágicos dos personagens em "Jerusalém") do egoísmo e da solidão.

Jerusalém

Os diversos personagens tem seus destinos determinados por uma certa indeterminação causal, de maneira a fazer com que cada história particular se encontre, uma à outra, confluindo todos os personagens a fins trágicos. O médico Theodor Busbeck, por exemplo, deseja pesquisar a história do horror, escreve um tratado sobre o assunto: sua intenção é projetar a sua existência para além da sua morte fazendo uma obra que ajude gerações futuras. Acaba tendo o filho (deficiente) morto, a mulher internada num hospício e, posteriormente, na cadeia. Sua obra de pesquisa a qual dedicou toda a vida é esquecida em pouco tempo: termina sua participação no enredo frente-a-frente com uma prostituta decadente que ofende sua dignidade oferecendo uma genitália castigada pelo uso/tempo. Os outros personagens, igualmente, têm fins semelhantes: um é preso, outros dois são mortos, um terceiro é completamente abandonado pelo mundo. O leitor, ao final de "Jerusalém", deve se sentir solitário e entendendo ser mundo hostil a convivência pacífica, mesmo aos bem intencionados. A sensação é a de que os encontros entre os personagens seguem um descompasso essencial, de maneira a fazer com que toda a barbárie e horror das vidas não se relacionassem em nada com o trabalho, com a história, com a economia, com a política. A barbárie decorre de uma condição humana pautada por conflitos intensos e imprevisíveis, decorrentes daquele descompasso permanente.

O descompasso pode ter a ver com dificuldades de entendimento entre as pessoas: incapacidade de apreender o que o outro sente decorrente de um estranhamento essencial entre os homens.

O acaso também tem um papel importante nos fins de cada personagem de "Jerusalém". O que fica inconcluso em Jerusalém é entender em que medida os destinos trágicos dos personagens são inevitáveis. Neste ponto, imaginamos com toda a humildade de um leigo no assunto teoria literária, ao texto de Gonçalo Tavares falta luta de classes.

Política

Existe espaço para a luta de classes quando tratamos de conflitos emocionais intensos? O problema da política, aqui, dificilmente pode ser relacionado aos conflitos individuais de cada personagem, desde que a experiência política, necessariamente, dá-se socialmente, através de interações sociais. Os conflitos emocionais intensos, caso sejam entendidos como decorrentes de uma descompasso universal e essencial nas relações entre os personagens, não podem ser apreendidos politicamente. Caso, por outro lado, façamos o esforço de relacionar as ações e os pensamentos dos personagens com os problemas do machismo, com a alienação do homem, com o problema da mercadoria dentro da vida dos homens, com os sentidos do trabalho, etc., pensamos ser possível complementar a interpretação de Jerusalém de maneira, entre outros, a dar mais sentido humano às histórias: compreender os limites daquela inevitabilidade e dar mais protagonismo aos personagens, fazê-los mais responsáveis.

Identificar e descrever com bastante beleza e intensidade a barbárie e o horror é o ponto alto de Jerusalém. O descompromisso acerca dos porquês da barbárie (algo típico nos dias de hoje), por outro lado, empobrece a possibilidade de se obter mais empatia pelos homens e mulheres de "Jerusalém".

sexta-feira, 8 de julho de 2011

"Reflexões sobre o Socialismo" - Maurício Tragtenberg

Resenha livro #29 - "Reflexões Sobre o Socialismo" - Maurício Tragtenberg - Ed. Unesp




Maurício Tragtenberg foi professor universitário, ativista e teórico político. Não se definia como anarquista, mas como "socialista libertário": segundo Michel Löwy, o autor promove uma síntese original entre anarquismo e marxismo, "inventando um projeto revolucionário generoso e anti autoritário, um socialismo libertário e coletivista".

Lendo as críticas do autor acerca da burocratização das lutas e a conformação do capitalismo de estado nos países do leste europeu, sinaliza-se o entendimento do autor sobre o que é socialismo.

O socialismo em Tragtenberg se conforma a partir das lutas autônomas e independentes dos trabalhadores e da criação de associações horizontais ancoradas na auto-gestão da produção econômica. Meios e fins estão conectados, os meios são parte viva da própria construção do socialismo. Isto significa que a generalização das lutas autônomas e da auto-gestão da produção são inatas ao socialismo.

"Assim, socialismo é entendido aqui como o regime em que a autogestão operária extingue o Estado como órgão separado e acima da sociedade, elimina o administrador dirigente da empresa em nome do capital e,ao mesmo tempo, elimina o intermediário político, isto é, "o político profissional".

Se existe alguma unidade entre meios e fins, da auto-gestão enquanto parte do socialismo, vale pontuar implicações da concepção de socialismo e instrumentos de luta. Estes não são especificamente discutidos no livro de Tragtenberg: entretanto, como uma decorrência das análises do autor, interpretamos serem aqueles instrumentos reprodutores das práticas e do modelo de organização da auto-gestão.

Alguns princípios, enunciados pelos operários da Fiat Xerém em sua greve histórica de 1980, poderiam perfeitamente ser aplicáveis, aqui, a outros instrumentos de luta anti-capitalista. A história do Comitê de Luta (CL) dos operários de Xerém é relatada por Tragtenberg como forma de demonstrar como os trabalhadores, durante o desenvolvimento das lutas, criam formas mais ou menos espontânea de associação política horizontal.

Aqui, propomos trazer alguns dos princípios do Comitê de Luta (os 4 primeiros princípios de um total de 7) como espécie de "requisitos mínimos" de maneira a (tentar) evitar ao máximo a burocratização.

"Princípios do Comitê de Luta (CL)

1- Democracia Operária: submissão da minoria à maioria, inclusive da "vanguarda". A minoria tem o direito de se manifestar.

2- Autonomia e independência: os comitês de luta atuam no sindicato dirigido por pelegos (agentes patronais vinculados ao Estado), mas em hipótese alguma devem permitir ser atrelados à estrutura do sindicato oficialista. No comitê se manifesta a total autoridade do peão: "Quem manda é o peão". Portanto, o CL é apartidário, sem obedecer a qualquer organismo superior ou a qualquer partido.

3- Direção coletiva e combate às hierarquias: os CL não devem se subordinar a instancias superiores e muito menos criar instancias inferiores. Devem permanentemente lutar para que haja o máximo de divisão de tarefas, de informações para todos. Assim se criam condições para o exercício da direção coletiva. É um risco muito alto um pequeno grupo de ativistas controlar o grupo ou decidir por ele

4- Respeito à individualidade: os CL devem respeitar a capacidade individual de cada ativista. Para um bom desempenho da ação do comitê deve-se utilizar as capacidades individuais daqueles que reúnem melhores condições de levar as posições do comitê e da massa. Porém, isso não pode significar concentração de poder ou de informação nas mãos dessas pessoas. À medida que se democratizam ao máximo as informações, mais condições teremos de exercer a democracia operária.

(...) "


Decorrências políticas do Socialismo em Tragtenberg

Os requisitos mínimos têm como ponto comum esforços em não fazer com que o CL deixasse-se burocratizar, o que, em termos mais amplos e analisando as experiências históricas, significou o começo da contra-revolução. A reação às lutas espontâneas e a auto-organização popular não se resume à violência contra-revolucionária da burguesia. Tem a ver, igualmente, com o momento em que as massas deixam de ter controle sobre os rumos históricos.

Os momentos revolucionários são sempre decisivos e as escolhas políticas, a cada passo dado, terão fortes e definitivas implicações. A tese da "traição das direções", por outro lado, não parece dar respostas completamente satisfatórias para o problema da burocratização. Isto porque, para se apreciar em que medida a "traição" ou erros políticos cometidos incidiram nos desdobramentos subsequentes dos fatos, recorre-se ao exercício contra-factual de se perguntar: "e se", "e se outro caminho tivesse sido tomado?". A história contra-factual nunca nos dará respostas conclusivas: num universo indeterminado de possibilidades de escolhas/rumos históricos, cada opção determinará mudanças em cadeia de forma completamente imprevisível.

O que temos, portanto, é a possibilidade de tentar extrair ao máximo lições sobre o passado. A forma como interpretamos socialismo decorre especialmente da forma como avaliamos as experiências revolucionárias do século XX.

Tragtenberg refere-se à URSS e os países do leste como estados capitalistas decorrentes da burocratização das lutas, contando com participação decisiva para a burocratização, o partido bolchevique. Mais uma vez, parece-nos que a interpretação fica inconclusa. Não se pode garantir, por exemplo, que nem a generalização das lutas revolucionárias via soviets, nem a instauração de um partido centralizado na direção do movimento teriam sido mais ou menos eficazes para se derrotar a contra-revolução, sob o risco de se exercitar a história contra-factual. O que é possível, aqui, é discutir o que é socialismo.

Se o socialismo tem a ver, acreditamos, com os princípios enunciados pelo CL de Xerém, o movimento, o processo para se atingir o socialismo contempla aqueles princípios. Métodos de luta reproduzem de certa forma (particular e transitória) os fins das lutas.


Ativismo político de Tragtenberg

Como ativista, Tragtenberg atuou no PCB, de onde foi expulso. Segundo biografia do Wikipedia, o motivo para a expulsão de Tragtemberg foi o fato de ele infrigir norma que proibe contato com a obra de Leon Trótsky. Atua, posteriormente, no PSR (Partido Socialista Revolucionário) junto a Hermínio Sachetta, primeiro grupo a introduzir as ideias da revolucionária Rosa Luxemburgo no Brasil.

Pessoalmente, sabe-se que Tragtemberg fora um auto-didata e outsider do meio acadêmico. Trabalhou no Departamento das Águas de São Paulo e na Fundação Getúlio Vargas, o que, provavelmente, contribuiu para sua interpretação original sobre o significado da burocracia. Crítico radical das instituições educacionais sob o capitalismo, conta-se que fora um professor controvertido.

Uma história sobre Tragtenberg para finalizar esta resenha. Ouvimos o relato de um camarada cujo pai estudou com Maurício Tragtenberg na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Segundo a história contada por este camarada, Tragtenberg zombava de alunos preocupados com as notas das provas semestrais conforme sua orientação libertária acerca da educação. Costumava, então, jogar as provas dos estudantes ao alto: as provas que caíam no chão tinham nota 8, aquelas que caíam no tablado do professor eram nota 9 e as provas que caíssem sob a mesa tinham nota 10. Não temos conhecimento de melhor método de avaliação já aplicado nas universidades brasileiras.

sábado, 2 de julho de 2011

"A Questão Judaica" - Karl Marx

Resenha Livro #28 – “A Questão Judaica” – Karl Marx - Ed. Moraes





“Sobre a Questão Judaica” é um ensaio do Jovem Marx (1818-1883) que dá respostas às análises de Bruno Bauer acerca das formas de emancipação dos Judeus. O texto, escrito em 1843, aborda temas que seriam, posteriormente, desenvolvidos nas obras mais teóricas de Karl Marx.

Assim, os conceitos de alienação, materialismo dialético e ideologia, senão discutidos especificamente em “Questão Judaica”, são tangenciados e abordados, sempre com outras palavras. Fala-se de alienação quando se discute as relações de complementaridade (e não oposição, tal qual surgem em Bruno Bauer) entre religião, política e histórica. Tangencia-se o tema do materialismo dialético nas análises das especificidades do desenvolvimento histórico alemão em relação à França. E aborda-se (igualmente sem citar os termos) a ideologia, ao discutir-se/criticar-se a tese baueriana de emancipação pela mera via do estado laico político. Neste ensaio, finalmente, encontra-se frase, repetida à exaustão, referente ao papel ideológico da religião: “a religião é o ópio do povo”.

Emancipação Política x Emancipação Humana

Bruno Bauer (jovem hegeliano, como Marx) identifica o estado político leigo como momento da superação da religião. A emancipação política, decorrente da formação dos estados modernos, traria consigo liberdades civis, de maneira que, ainda segundo Bauer, o estado livre implicaria na liberação do homem. Marx parte da ideia de que a emancipação política pode perfeitamente co-existir ou mesmo relacionar-se com as religiões.

“O limite da emancipação política manifesta-se imediatamente no fato de que o Estado pode livrar-se de um limite sem que o homem dele se liberte realmente, no fato de que o Estado pode ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre”.

A consolidação do estado político tem como decorrência mais importante, no que se refere a suposta emancipação religiosa, a separação entre o público e o privado. Duas conseqüências importantes da oposição público x privado: a primeira, já citada, significa a sobrevivência real/material da religião de forma complementar à política (e, ainda neste ponto, Marx traça um paralelo interessante entre aspectos da religião judaica e o desenvolvimento do capitalismo); segundo, a separação do homem à comunidade, a conformação do individualismo burguês e da liberdade desprovida de sentidos humanos.

Concluindo, o homem, no Estado Político de Bauer, apenas emancipa-se politicamente da religião, banindo-a “do direito público ao direito privado” – fica, portanto, a meio caminho da emancipação humana geral. Outrossim, o Estado Político, ainda segundo Marx, ao afastar o homem do homem, e instituir a divisão entre o público e privado, assume, ele próprio, um caráter religioso.

“Os membros do Estado Político são religiosos pelo dualismo existente entre a vida individual e a vida genérica, entre a vida da sociedade burguesa e a vida política; são religiosos, na medida em que o homem se conduz, frente à vida do Estado, - que está muito além de sua individualidade real – como se esta fosse sua verdadeira vida”.

Outras discussões passam pelo breve ensaio de Marx: a noção geral de estado, o significado da liberdade e sua relação com os direitos de propriedade, o sentido ideológico dos direitos humanos inatos à luz de alguns artigos da constituição francesa.

A leitura individual de Marx, todavia, tem os seus problemas. Muitas dúvidas surgiram acerca do significado de algumas passagens, sem que fosse possível discutir e relacionar as interpretações pessoais (pelo diálogo), o que certamente limitam o entendimento. A leitura da “Questão Judaica”, neste sentido, fica inconclusa. Apresentaremos, assim, algumas problematizações, decorrentes da leitura, para serem pensadas/discutidas com o tempo.

Problematizando

1- De que maneira a evolução histórica e política da Alemanha tornou impossível a emancipação política sem uma emancipação real do homem? A história confirmou o prognóstico de Marx?

2- Existe anti-semitismo na interpretação que Marx faz da religião judaica?

3- Como conciliar, nos contextos de luta anticapitalista dentro do movimento popular, a liberdade religiosa (emancipação política) com a emancipação real?