quarta-feira, 10 de novembro de 2010

São Paulo - Sociedade Anônima

Resenha Filme #2 - São Paulo Sociedade Anônima - Direção: Luís Sérgio Person - São Paulo - 1965





O Filme de Luís Sérgio Person retrata a São Paulo de meados do séc. XX e aspectos de nossa modernidade inconclusa. O elenco conta com Walmor Chagas e Eva Wilma

SINOPSE

Carlos é um jovem Paulistano de classe média e protagonista da história. Vive numa cidade em que se nota consolidação do ritmo industrial, com a instalação de montadoras de automóveis, incremento da oferta de emprego e crescimento da população. Sua vida pessoal divide-se entre o envolvimento com mulheres diferentes e o trabalho na indústria de carros: inicialmente como fiscal e posteriormente como gestor.

Certa insatisfação permanente é perceptível em Carlos, mesmo depois de casado, com filhos e estabilidade familiar. Na verdade, a insatisfação cresce e é produto de sonhos frustrados, de expectativas que remetem ao senso comum de um homem de sucesso dos anos 1960. No trabalho, Carlos atua em parceria com empresário que super-explora seus funcionários, sonega impostos e corrompe fiscais do trabalho. O sucesso profissional e financeiro da classe média viabiliza-se pela espoliação de trabalhadores em conluio envolvendo empresários e Estado. A família e o casamento também vão sendo desconstruídos, seja pelo seu aspecto de rotina maçante seja através da traição.

A contradição decorrente das expectativas ou dos sonhos de uma sociedade de consumo e sua experiência prática levam Carlos à fuga: outros personagens reagem às contradições com o suicídio, a corrupção ou a resignação. Se o ideal do American Way Of Life é o horizonte da classe média paulistana, este mesmo ideal vai levando o protagonista ao abismo. O sociedade de consumo vai ruindo como um castelo de areias.

Destacamos a bela fotografia do filme, com boas imagens da São Paulo dos anos 60. Podemos ver o comércio nas regiões do centro (muito parecido com hoje em dia), a corrida de São Silvestre realizada durante a noite de ano novo, o trânsito de carros e pessoas no Viaduto do Chá, exposição das regiões ocupadas pelas montadores ao longo das rodovias de acesso à cidade (áreas, até então, sem adensamento urbano). Surgem as festas e as músicas cantadas nas festas de ano novo e o uso do lança perfume no carnaval.


São Paulo S/A e possibilidades de Análise Histórica

A obra data de 1965 e retrata ou narra a vida de personagens que têm suas experiências mediadas por aquele contexto histórico: a São Paulo do desenvolvimento industrial, o advento de novas tecnologias, industrialização, mudanças no campo da cultura e do comportamento.

Identificamos aqui um duplo sentido de análise histórica: trata-se em primeiro lugar de refletir sobre o que são e o que significam as mudanças decorrentes da modernização capitalista tardia brasileira (o que significa atentar-se para as imagens da cidade, as tecnologias de comunicação e transporte, as diferenças de gênero, a estrutura da família,etc.); trata-se em segundo lugar de analisar/refletir sobre a percepção que o diretor Luís Sérgio Person tem daquela conjuntura: como, naquele tempo de transformações, o filme retrata seu respectivo momento histórico (o que significa buscar compreender qual é o sentido que em meados do séc. XX se dava à consolidação do capitalismo industrial e à sociedade de consumo, o que parece ser, aliás, uma intenção importante do autor). Em síntese, assistir filmes como São Paulo S/A significa tanto reflexão sobre a história da São Paulo dos anos 1960 quanto sobre a forma como nos anos 1960 São Paulo interpretava a si. Daí o seu sentido especial, 50 anos depois.


Novas Tecnologias e Modernidade Aparente

Em todo filme, há a preocupação do diretor em retratar São Paulo levando em consideração as mudanças pelas quais a cidade passa com o desenvolvimento industrial. Os carros, os viadutos, o fluxo intenso de pessoas, o telefone, a televisão e o comércio vão sinalizando uma cidade em vias de desenvolvimento econômico, com os respectivos impactos no mundo da cultura e da sociedade.

Como todo período de transformação, identificamos elementos de progresso e atraso convivendo e estabelecendo contradições a partir das quais a narrativa se serve para descrever os limites da modernidade brasileira, ou, em particular, paulistana. Por exemplo, se a indústria de carros gera o desenvolvimento econômico que impulsiona uma sociedade de consumo, por outro lado, subsiste a super precarização do trabalho – retratada de forma simbólica numa montadora em que trabalhadores não registrados são escondidos da fiscalização no banheiro.

Podemos, neste sentido, falar em Modernidade Aparente ou inconclusa levando em consideração que o desenvolvimentismo e o progresso tecnológico retratados no filme não são acompanhados de mudanças estruturais que incidissem sobre o problema da igualdade social. A modernização capitalista brasileira é bastante conservadora (mesmo em relação à Europa, onde há revoluções burguesas) e mantém, lado-a-lado, elementos do progresso e do atraso: o acesso ao consumo por parte da Classe Média e a espoliação dos trabalhadores; a afirmação de leis trabalhistas, fiscalização do Estado nas relações de trabalho e a sobrevivência da corrupção, do conluio entre capitalistas e os fiscais públicos; mudanças no papel da mulher com sua maior participação no mercado de trabalho e a manutenção da centralidade do homem nas relações de família; a formação de uma classe média liberal e a sobrevivência do racismo e do machismo em suas mais diversas manifestações.

Neste ponto, entendemos serem as mudanças históricas retratadas por Luís Sérgio Person referentes à espécie de reestruturação produtiva do capitalismo, que promove transformações aparentes sem implicar em mudanças estruturais, que carrega, em cada período histórico e de forma dialética, elementos do passado e os germes ou as condições para mudanças futuras dentro do presente. E se falamos aqui em modernidade inconclusa, não entendemos nem por um lado a existência atual de "pós-modernidade" (como falar em "pós" algo não concluso?) nem por outro lado à possibilidade de encerramento da modernidade no âmbito do capitalismo.


Algumas idéias sobre trabalho, alienação e São Paulo S/A

São Paulo S/A fala do desenvolvimento industrial do Brasil dos anos 1950-60. A super-exploração do trabalho a partir de conluio entre empresas e Estado (que admite o não registro dos operários e a sonegação de impostos) viabilizaram o enriquecimento de uma nova classe de gestores que usufrui do desenvolvimento, enriquece e promove uma sociedade de consumo. O desenvolvimento do consumo decorrente da expansão industrial encerra a cadeia produtiva, implicando na criação de mais capital e na consolidação de novos mercados de trabalho alienado.

Ocorre que São Paulo S/A volta-se antes para as reações da classe média paulistana (gestores e empresários) às mudanças decorrentes da reestruturação produtiva do capitalismo. O que podemos identificar aqui é uma certa crise de sentidos, dificuldade de conciliar a plena satisfação da vida frente às contradições decorrentes de um mundo em transformação. As promessas de uma vida de felicidade absoluta enunciadas por anúncios de propaganda e pela importação do american way of life confrontam-se com a insatisfação da vida familiar e profissional.

Neste aspectos, vamos sentindo como se a questão da alienação assumisse um caráter mais universal, como se estivesse vinculada à experiência necessariamente frustrante de uma sociedade baseada numa relação fetichista com relação às mercadorias e carente de sentidos humanos. Se pensarmos que hoje, o consumo de drogas ilícitas e antidepressivos atinge emblematicamente EUA e Europa Ocidental, percebemos que, neste sentido em que abordamos a idéia de alienação, São Paulo S/A possui grande atualidade...

Recomeçar, recomeçar de novo...

A importância de São Paulo S/A reside na preocupação do diretor em identificar transformações, mudanças históricas viabilizadas pela nova etapa do capitalismo brasileiro – industrial, urbano e moderno. A saída encontrada por Carlos frente à sua insatisfação (ou “loucura”) é a fuga, ainda que provisória. A cidade o traz de volta por vias oblíquas (no caso, o caminhão em que pega sua carona, retorna à cidade de que ele quer escapar). Carlos fala em recomeçar, recomeçar de novo: ao fundo há imagens de fluxo de pessoas nas ruas da capital. Pode-se interpretar esta passagem final sob diversas formas. Não optamos entender o recomeço como algo que implique numa espécie de “fim da história”, como se as possibilidades humanas estivessem circunscritas ao modelo de cidade São Paulo/SA e à sociedade de consumo. Podemos entender o reinício como um novo ciclo que abre possibilidades para transformações, não se podendo, porém, "fugir" ou escapar da história. Os homens fazem a história, mas não a fazem como a querem, a fazem de acordo com certas condições históricas.

3 comentários:

  1. Acredito que no filme São Paulo S/A o elemento que tem mais força é a própria fraqueza de Carlos. Ele não consegue tomar, em nenhum momento, alguma atitude. Se a presente situação era péssima, faltava uma certa coragem, por parte deste personagem, para arrancar as amarras que o prendiam.
    É visível que ele sofre de algo que nem ao menos sabe o que é: sua busca incessante pela liberdade, refletida na fuga da cidade. Ele acredita que a situação é insustentável e procura um meio de escapar. A grande questão é que a vida é feita de ciclos, portanto, mais cedo ou mais tarde ele terá que retomar sua vida em algum outro lugar, mas com o mesmo esquema social vigente no contexto. Ele não procura mulheres ou dinheiro, procura por algo muito maior do que qualquer futilidade aparente. A felicidade dele é sempre momentânea e há, aparentemente, um quê de controle.

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  2. http://www.orkut.com.br/CommMsgs?cmm=2045090&tid=5447383188477935648

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